Na passagem de olhos pela
imprensa encontrei um trabalho no Público sobre sentimento de perda, o luto,
quando morre um animal de companhia. Os laços estabelecidos podem tornar a
situação de perda um enorme sofrimento que nem sempre é reconhecido, como, aliás,
a peça refere, afinal é um animal, pensam alguns.
Não consegui evitar a recordação
da experiência que vivemos com o Faísca. Há nove anos escrevi assim no Atenta
Inquietude:
O meu Faísca foi dar um passeio
muito grande, aquele passeio de onde não se volta. Alguns de vós, os que por
aqui passam há mais tempo, conhecerão algumas das histórias com o Faísca. A
estrada dele teve que ser abreviada para evitar mais males de sofrimento, não
lhe perguntámos, não soubemos como, mas acho que a dignidade dele diria que
sim.
O Faísca fazia parte da família,
vivia aqui em casa há dezassete anos. Dizem que um ano na vida dos cães
equivale a vários anos na vida das pessoas. Os dezassete do Faísca para nós
parecem que foram o sempre, sempre aqui esteve. Também acho que os dezassete
anos do Faísca serão o sempre, irá certamente aparecer nas conversas cá de
dentro.
Era um companheiro dos bons,
sempre atento nas conversas longas ou curtas que mantínhamos com ele. Mesmo
quando nos últimos anos ficou completamente surdo, sentava-se olhava e compunha
aquele ar que nos fazia sentir escutados. Quando algum de nós entrava em casa o
seu ar de satisfação, aos pulos e de rabo a bater eram genuínos, nunca chegou a
aprender com os humanos os fingimentos dos afectos. Quando fazia uns disparates
sentava-se de lado a observar, sereno, sem grandes agitações, com ar de
"foi sem querer" e de olhos a pedir desculpa.
Foi uma companhia sempre presente
nos últimos anos do Avô Gila, com uma cumplicidade entre eles que só
encontramos nos miúdos saudáveis e que às vezes nos fazia arreliar para rirmos
logo a seguir, é natural, miúdos juntos, às vezes dá asneira.
É verdade, tenho de o reafirmar
para me convencer, o Faísca partiu, provavelmente vai encontrar a Tita. A Tita
era uma gata do campo que também já foi e com quem, desmentindo a tradição, o
Faísca se enroscava na soleira da porta a apanhar o sol das tardes de inverno
lá no Meu Alentejo, cena bonita de se ver.
Pois é companheiro, havemos ainda
de nos encontrar, muitas vezes. Nas teias que a memória tece.
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