Uma proposta do BE no sentido de
atribuir o estatuto de vítimas a crianças que presenciem violência doméstica
foi chumbada em comissão parlamentar na semana que passou pelos votos de PS, PCP e
CDS, tendo o PSD votado com o BE.
O BE vai retomar a proposta para
votação em plenário.
Parece-me que qualquer iniciativa
que amplie a protecção a crianças em situação vulnerável merce consideração
conforme, aliás, parecer do Instituto de Apoio à Criança e da Ordem dos
Advogados o que, neste caso, pode significar que o quadro legal existente não é
suficientemente protector. Aliás, o voto contra do PS terá decorrido do
entendimento de que lei actual já acautela a questão.
De facto, parece importante a
necessidade de protecção nestas casos considerando o número de situações e os
efeitos destas vivências na vida das crianças e adolescentes.
Como indicador recordo que
segundo o Relatório relativo a 2017 produzido pela Comissão Nacional de
Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças, é de 12,5% a percentagem de
casos sinalizados devido a exposição à violência doméstica.
Para além de sublinhar os danos
potenciais que esta exposição pode provocar nas crianças gostava de chamar a
atenção para um outro potencial efeito nas crianças que assistem a episódios,
por vezes violentos, de violência doméstica, os modelos de relação pessoal que
são interiorizados. Aliás, nos últimos anos tem-se verificado que a maioria das
queixas de violência doméstica é apresentada por mulheres jovens o que permite
pensar em crianças pequenas que assistirão a estes episódios.
Numa avaliação por defeito aos
casos participados de violência doméstica estima-se que cerca de metade serão
testemunhados por crianças. Se considerarmos que existem muitíssimas situações
não reportadas, pode concluir-se que estas testemunhas, por vezes também
vítimas, serão em número bem mais elevado.
Este quadro lembra o velho adágio
"Filho és, pai serás", ou seja, num processo de modelagem social
muitas crianças tenderão a replicar ao longo da sua vida, em adultos também, os
comportamentos a que assistiram e que, tal como podem produzir efeitos traumáticos,
poderão adquirir aos seus olhos, infelizmente, um estatuto de normalidade.
Não é certamente por acaso que
estudos recentes em Portugal evidenciaram números elevadíssimos de violência em
casais de jovens namorados universitários, uma população já com níveis de
qualificação significativos.
Neste contexto e com o objectivo
de contrariar uma espécie de fatalidade em círculo vicioso, os miúdos assistem
à violência doméstica, replicam a violência, a sociedade é violenta, quando
crescem são violentos em casa, e assim sucessivamente, importa que os processos
educativos e de qualificação sublinhem a dimensão, a formação cívica e o quadro
de valores.
Não é nada de novo, a afirmação
desta necessidade.
A questão é que o próprio
discurso social e político sobre a escola e sobre os professores não me parece
contribuir para que se possa encarar a escola com a confiança necessária a que
possa cumprir o seu papel e contribuir para quebrar o círculo vicioso do
processo de modelagem social envolvido.
Acresce que a intervenção junto
das famílias e a tentativa de contrariar dinâmicas disfuncionais, violência
doméstica por exemplo, não dispõe dos meios e recursos suficientes.
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