Talvez não seja uma questão muito
importante dado o estado do mundo, mas a já longa discussão em torno das
touradas teve mais um episódio. Começou com a afirmação da Ministra da Cultura
falando da tourada como não sendo uma questão de “gosto, não gosto” mas uma
questão de natureza civilizacional, seguiram-se as reacções que seriam de
esperar face a posições bem conhecidas e eis que surge um exercício de
liberdade poética de Manuel Alegre.
Como um outro poeta afirmou mas
não pelas mesmas razões, o poeta é um fingidor e Manuel Alegre fingiu que
argumentava solidamente na defesa da tourada.
Do meu ponto de vista, o que
Manuel Alegre afirma na substância e com total legitimidade é eu gosto de
touradas e não gosto que não gostem de touradas, ponto, tudo o resto é um fingimento de argumentação.
Deixando de lado a retórica
política da autoridade moral do “velho resistente”, é interessante que Manuel Alegre
pede a António Costa que baixe também o IVA para a tauromaquia “já que os
prejudicados serão os mais pobres, os trabalhadores que tornam possível este
espectáculo”. Notável, apesar de esquecer quantas actividades se vão criando, ajustando
ou acabando com o natural andar da história. Recorrendo também a alguma
demagogia, as pessoas que viviam de mostrar em espectáculos outras pessoas com características
pessoais fora do comum também viram acabar a sua actividade. Mas, neste
aspecto, o mundo ficou um pouco melhor
Como também é previsível vem o
forte apelo à manutenção da tradição e cultura.
Algumas notas.
De uma forma geral, a defesa da
tourada radica em questões de natureza emocional, cultural, psicológica ou
sociológica que entendo mas que não tenho que subscrever, o que torna
particularmente difícil uma discussão racional e conclusiva. Dificilmente algum
adulto favorável às touradas muda de opinião tal como um opositor dificilmente
se converterá à “arte”.
No entanto e com também faz
Manuel Alegre, parece-me que a argumentação mais frequente assenta na defesa da
tradição e da cultura e na preservação da raça do touro bravo e nas questões
económicas.
A tradição e a cultura que este
"espectáculo", a "festa brava" alimenta não colhe só por
si. Como é óbvio, nada se deve manter só porque é tradicional ou integrado na
cultura, se tal representar um atentado a direitos básicos. Posso, outra vez com
uma ponta de demagogia evidentemente, evocar a "tradição" e
"cultura" que alimentaram os combates de gladiadores, a escravatura,
a pena de morte, ou mesmo a violência doméstica e a exploração infantil, que de
tradição e cultura passaram a procedimentos inaceitáveis e mesmo
criminalizados.
Sabemos que as mudanças em
matéria de "cultura" e "tradição" são difíceis, são lentas,
mas ... "e pur si muove". Também me parece que a mudança será mais
fácil com a emergência de gerações mais novas que crescem sem o peso da
"tradição" e da "cultura" que nós mais velhos carregamos e
que mais dificilmente alteramos.
Quanto à questão da preservação
da raça também interessante, temos bons exemplos de proteger espécies ameaçadas
sem que para isso tenhamos de matar ou ferir indivíduos dessa espécie, alguns
parques muito bem conseguidos que existem em muitos pontos do planeta mostram
isso mesmo.
Como em tudo, pela educação é que
vamos, numa variante à fórmula de Sebastião da Gama.
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