quinta-feira, 29 de novembro de 2018

A TINTA INVISÍVEL


Um dia destes, alguns professores comentavam numa roda informal, lamentavelmente cada vez mais difícil de fazer acontecer nas escolas, vários casos em que miúdos passavam por situações complicadas sem que, aparentemente, se tornasse visível o impacto dessas situações. Os professores percebiam, por vezes, que alguns miúdos parecem ter uma estranha capacidade de mascarar a sua vida, ou mesmo o seu mal-estar.
Na roda de professores também estava o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, que contou a história de um rapaz que ele tinha conhecido há muitos anos e que ia escrevendo a sua narrativa com tinta invisível. Os colegas, por um lado surpreendidos com a afirmação e por outro lado habituados às divagações do Velho, esperaram por alguma clarificação.
O Professor Velho falou então de um miúdo em que ele sentia que alguma coisa se passava que não o deixava sentir bem, mas não conseguia perceber o que era. Começou a ficar mais atento aos sinais e às falas do rapaz e chegou à conclusão de que ele escrevia a sua vida com aquela tinta que só com um truque se torna visível. No caso, o truque foi a atenção. Existem muitas narrativas que falam de medo, de desconforto, de desafecto, de abandono e solidão, de raiva, de perplexidade e que permanecem invisíveis. Só mesmo a atenção é que torna visível a tinta com que são escritas.
O Professor Velho acabou a referir que o problema é que a atenção que permite decifrar a tinta invisível de algumas narrativas nem sempre se consegue ensinar, embora sempre se possa aprender.
Aqueles professores pareciam atentos à fala do Professor Velho.

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