O Público de hoje divulga em
trabalho alargado o relatório da Inspecção-Geral de Educação e Ciência que
analisou algumas escolas em que se tem verificado uma discrepância significativa
entre os resultados dos alunos na avaliação externa, os exames, e a avaliação
interna na qual a generosidade e simpatia dessas escolas inflacionam a
classificação dos alunos. Não é nada de novo mas salienta-se, por uma lado, uma
análise mais fina que permite perceber a forma como é “revista em alta” a
classificação dos alunos, recorrendo à sobrevalorização de dimensões menos
sujeitas a “medida” e, por outro lado, mostrar como os dispositivos de
regulação são imprescindíveis. As escolas inspeccionadas reajustaram
procedimentos e tornaram-se menos simpáticas mas mais rigorosas nos processos
de avaliação.
Na verdade apenas se confirma o cenário conhecido.
Recordo que mais uma vez o Relatório
Anual do Conselho Nacional da Educação, “Estado da Educação 2016”, referia a
“simpatia” e “generosidade” de algumas escolas que inflacionam as notas dos
seus alunos. Dentro do padrão habitual, a maioria das situações ocorre em
estabelecimentos privados o que o recente relatório da Inspecção confirma como
seria de esperar.
Também um trabalho da
Direcção-Geral de Estatísticas da Educação divulgado em 2017 mostrava a continuidade
da existência de escolas “simpáticas”, ou seja, escolas, maioritariamente
privadas, que atribuem notas na avaliação interna significativamente acima dos
resultados dos alunos das escolas públicas com resultados semelhantes na
avaliação externa.
Recordo ainda que sendo certo que
entre as escolas “simpáticas”, as que inflacionam as notas, predominam as
escolas privadas, é evidente que no caso das escolas em que os alunos obtêm
melhores resultados nos exames que nas avaliações internas predominam
habitualmente as públicas, ou seja, o “facilitismo” das escolas públicas que
alguns apregoam não será assim tão claro.
É público que em muitas zonas as
escolhas de escola por parte das famílias, sobretudo privadas mas também
públicas, se decidem também em função deste conhecimento. Deve ser a isto que
se chama liberdade da educação.
Aliás, curiosamente, segundo os
dados do estudo da Universidade do Porto é justamente nos colégios sem contrato
de associação, os que recebem “apenas” os alunos que entendem, que as notas
internas são mais “inflacionadas”, por assim dizer. Aliás, essa investigação
mostrou como um ou dois valores a mais podem “valer” a entrada na universidade
ou no curso que se quer.
Os responsáveis pelas escolas em
que o “fenómeno” é mais evidente tentam explicá-lo de formas diferentes e em
alguns aspectos até bastante curiosas, projecto pedagógico ou educativo da
instituição, entendimento diferenciado sobre o próprio papel da avaliação
interna, etc. No mesmo sentido, o Director da Associação de Estabelecimentos de
Ensino Particular e Cooperativo, sempre criativo, apresentou há algum tempo uma
justificação em torno de "estratégias pedagógicas" que é uma peça de
antologia.
Ainda no domínio do que se passa
no âmbito das avaliações internas seria interessante verificar o que acontece,
sobretudo em estabelecimentos privados, nas disciplinas não sujeitas a exame
nacional.
No entanto, do meu ponto de
vista, afirmo-o de há muito, é que a conclusão e certificação de conclusão do
ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos
separados. Esta questão associa-se aos rankings escolares e aos dividendos que
daí podem advir. Devo dizer que me incomoda verificar que na generalidade dos
suplementos dedicados pela imprensa aos rankings escolares, os resultados são
mostrados misturados com publicidade a alguns estabelecimentos privados.
Os exames nacionais destinam-se,
conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o
trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente,
está sediado no ensino secundário. Neste cenário caberiam também as outras
modalidades que permitem a equivalência ao ensino secundário, como é o caso do
ensino artístico especializado ou recorrente em que também se verificam algumas
"especificidades", por assim dizer.
O acesso ao ensino superior é um
outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar
sob a sua tutela.
A situação existente, não permite
qualquer intervenção consistente do ensino superior na admissão dos seus
alunos, a não ser a pouco frequente definição de requisitos em alguns cursos, o
que até torna estranha a passividade aparente por parte das universidades e
politécnicos, instituições sempre tão ciosas da sua autonomia. Parece-me claro
que o ensino superior fazendo o discurso da necessidade de intervir na selecção
de quem o frequenta não está interessado na dimensão logística e processual
envolvida.
Os resultados escolares do ensino
secundário deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar com
outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de
ensino superior como, aliás, acontece em muitos países.
Sediar no ensino superior o
processo de admissão minimizaria muitos dos problemas conhecidos decorrentes do
facto da média de conclusão do ensino secundário ser o único critério utilizado
para ordenar os alunos no acesso e eliminaria o “peso” das notas inflacionadas
em diversas circunstâncias.
Enquanto não se verificar a
separação da conclusão do secundário da entrada no superior corremos o risco de
lidar com situações desta natureza embora a transparência as possa minimizar.
No entanto e como é sabido, o ME
decidiu não alterar as regras do acesso.
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