segunda-feira, 19 de novembro de 2018

AS ESCOLAS SIMPÁTICAS


O Público de hoje divulga em trabalho alargado o relatório da Inspecção-Geral de Educação e Ciência que analisou algumas escolas em que se tem verificado uma discrepância significativa entre os resultados dos alunos na avaliação externa, os exames, e a avaliação interna na qual a generosidade e simpatia dessas escolas inflacionam a classificação dos alunos. Não é nada de novo mas salienta-se, por uma lado, uma análise mais fina que permite perceber a forma como é “revista em alta” a classificação dos alunos, recorrendo à sobrevalorização de dimensões menos sujeitas a “medida” e, por outro lado, mostrar como os dispositivos de regulação são imprescindíveis. As escolas inspeccionadas reajustaram procedimentos e tornaram-se menos simpáticas mas mais rigorosas nos processos de avaliação.
Na verdade apenas se confirma o cenário conhecido.
Recordo que mais uma vez o Relatório Anual do Conselho Nacional da Educação, “Estado da Educação 2016”, referia a “simpatia” e “generosidade” de algumas escolas que inflacionam as notas dos seus alunos. Dentro do padrão habitual, a maioria das situações ocorre em estabelecimentos privados o que o recente relatório da Inspecção confirma como seria de esperar.
Também um trabalho da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação divulgado em 2017 mostrava a continuidade da existência de escolas “simpáticas”, ou seja, escolas, maioritariamente privadas, que atribuem notas na avaliação interna significativamente acima dos resultados dos alunos das escolas públicas com resultados semelhantes na avaliação externa.
Recordo ainda que sendo certo que entre as escolas “simpáticas”, as que inflacionam as notas, predominam as escolas privadas, é evidente que no caso das escolas em que os alunos obtêm melhores resultados nos exames que nas avaliações internas predominam habitualmente as públicas, ou seja, o “facilitismo” das escolas públicas que alguns apregoam não será assim tão claro.
É público que em muitas zonas as escolhas de escola por parte das famílias, sobretudo privadas mas também públicas, se decidem também em função deste conhecimento. Deve ser a isto que se chama liberdade da educação.
Aliás, curiosamente, segundo os dados do estudo da Universidade do Porto é justamente nos colégios sem contrato de associação, os que recebem “apenas” os alunos que entendem, que as notas internas são mais “inflacionadas”, por assim dizer. Aliás, essa investigação mostrou como um ou dois valores a mais podem “valer” a entrada na universidade ou no curso que se quer.
Os responsáveis pelas escolas em que o “fenómeno” é mais evidente tentam explicá-lo de formas diferentes e em alguns aspectos até bastante curiosas, projecto pedagógico ou educativo da instituição, entendimento diferenciado sobre o próprio papel da avaliação interna, etc. No mesmo sentido, o Director da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, sempre criativo, apresentou há algum tempo uma justificação em torno de "estratégias pedagógicas" que é uma peça de antologia.
Ainda no domínio do que se passa no âmbito das avaliações internas seria interessante verificar o que acontece, sobretudo em estabelecimentos privados, nas disciplinas não sujeitas a exame nacional.
No entanto, do meu ponto de vista, afirmo-o de há muito, é que a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados. Esta questão associa-se aos rankings escolares e aos dividendos que daí podem advir. Devo dizer que me incomoda verificar que na generalidade dos suplementos dedicados pela imprensa aos rankings escolares, os resultados são mostrados misturados com publicidade a alguns estabelecimentos privados.
Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário. Neste cenário caberiam também as outras modalidades que permitem a equivalência ao ensino secundário, como é o caso do ensino artístico especializado ou recorrente em que também se verificam algumas "especificidades", por assim dizer.
O acesso ao ensino superior é um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela.
A situação existente, não permite qualquer intervenção consistente do ensino superior na admissão dos seus alunos, a não ser a pouco frequente definição de requisitos em alguns cursos, o que até torna estranha a passividade aparente por parte das universidades e politécnicos, instituições sempre tão ciosas da sua autonomia. Parece-me claro que o ensino superior fazendo o discurso da necessidade de intervir na selecção de quem o frequenta não está interessado na dimensão logística e processual envolvida.
Os resultados escolares do ensino secundário deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países.
Sediar no ensino superior o processo de admissão minimizaria muitos dos problemas conhecidos decorrentes do facto da média de conclusão do ensino secundário ser o único critério utilizado para ordenar os alunos no acesso e eliminaria o “peso” das notas inflacionadas em diversas circunstâncias.
Enquanto não se verificar a separação da conclusão do secundário da entrada no superior corremos o risco de lidar com situações desta natureza embora a transparência as possa minimizar.
No entanto e como é sabido, o ME decidiu não alterar as regras do acesso.

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