terça-feira, 7 de agosto de 2018

OS RESULTADOS A MATEMÁTICA. SERÁ FADO?


Sem surpresa, os resultados da 2ª fase do exame de Matemática do 9º ano alimentam a preocupação que merece o desempenhe a Matemática por boa parte dos nossos alunos apesar de alguns indicadores positivos e da evolução nos estudos comparativos como PISA.
Na 2ª fase, 63% dos alunos reprovou nesta disciplina. Na 1ª fase cerca de 52% dos alunos teve média negativa, a média foi de 47 uma das mais baixas dos últimos anos. De notar que 28,5% dos alunos obteve uma classificação inferior a 25 pontos e 2346 zero pontos, sendo que realizaram o exame 94524 alunos.
É claro que as razões para este cenário são múltiplas, não serão novas e a eventual dificuldade dos exames também não explica os resultados.
Recuso-me a considerar que sejam “fado” ou destino as dificuldades expressas pelos alunos, como também não se trata, evidentemente, de um problema de falta de “dotes” para a Matemática por parte dos portugueses ou da incapacidade genérica dos professores de Matemática em melhorar os resultados dos alunos.
A questão começa na educação pré-escolar, no 1º ciclo, em casa e na comunidade através dos discursos e representações sobre a matemática. Algumas notas repescadas.
Já este ano foi divulgado pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência o estudo “Principais indicadores de resultados escolares por disciplina - Série temporal 2011/12 – 2015/16 - 3.ºCiclo - Ensino Público”.
Em 2015/2016, 33% dos alunos concluíram o 9º ano com negativa a Matemática. Ao longo da série temporal considerada, 11/12 a 15/16, esta percentagem subiu e a taxa de recuperação não ultrapassou os 20%. A Matemática é a disciplina com mais negativas e a com menor taxa de recuperação. As disciplinas de Inglês, Físico-Química e Português apresentam também níveis de reprovação significativas mas bem menores que a Matemática.
Os dados estão em linha com o trabalho divulgado no ano passado “Resultados escolares por disciplina - 3.º Ciclo - Ensino Público - Ano lectivo 2014/2015” com informação dos 3 anos do ciclo de que recupero alguns indicadores.
Em termos globais o chumbo atingia 13.1% dos alunos no ciclo. Por anos o 7º é o que registava maior retenção, 16.7%, indicador também é verificado nos anos iniciais de cada ciclo. Embora no 8º e 9º a retenção diminua tal não parece decorrer de trabalho de recuperação mas do facto de muitos alunos retidos no 7º serem encaminhados para outros trajectos escolares.
Ao nível dos aspectos mais finos da retenção é inquietante que 66% dos alunos que chumbam no 7º ano reprovam a seis ou mais disciplinas sendo a Matemática a que apresenta indicadores mais pesados. No entanto, se o critério for de cinco disciplinas ou mais a taxa passa para uns dramáticos 85% que, evidentemente, são altamente condicionantes de um trabalho de recuperação bem-sucedido.
Um outro dado, também em linha com o que se verificou no 2º ciclo e sem surpresa, é a fortíssima associação entre os altos níveis de retenção e a mais disciplinas e as condições socioeconómicas familiares. De facto, em todas as disciplinas no 7º ano os alunos que reprovam e estão incluídos no Escalão A da Acção Social escolar (famílias com menores rendimentos) são o dobro de alunos com negativas mas não abrangidos pela Acção Social Escolar.
No 2º ciclo, estudo também divulgado em 2017 e respeitante a 2014/2015, a Matemática era claramente a disciplina em que os alunos têm menor desempenho. Cerca de 30% dos alunos tiveram resultado negativo e é também a disciplina em que os alunos sentem mais dificuldade em recuperar, passar de resultado negativo para resultado positivo.
Registe-se também aqui a relação entre o desempenho escolar e o contexto socioeconómico familiar, no 5º ano 44% dos alunos no escalão máximo de acção social escolar tiveram negativa a Matemática, 28% dos alunos no segundo escalão e 16% não envolvidos em dispositivos de apoio.
No entanto e relativamente a este último aspecto, a associação entre variáveis de contexto socioeconómico e os resultados escolares, a escola pode fazer a diferença e contrariar o destino. As boas práticas e experiências conhecidas mostram que é possível.
Os resultados a Matemática ao longo da escolaridade obrigatória estarão associados, não numa relação de causa-efeito, a múltiplas variáveis, desde logo como já vimos pelas circunstâncias sociais e demográficas onde não pode deixar de se incluir, o nível de escolaridade dos pais.
Por outro lado, variáveis como modelo e conteúdos curriculares, número de alunos por turma, tipologia das turmas e das escolas, dispositivos de apoio às dificuldades de alunos e professores ou questões de natureza didáctica e pedagógica terão também algum peso e algumas vezes já aqui referimos estas questões.
É neste conjunto de variáveis e na intervenção adequada que julgo residir a chave para alterar e reconstruir a relação dos alunos com a Matemática e melhorar o seu desempenho.
No entanto, acresce a esta complexidade um conjunto de outras variáveis menos consideradas por vezes mas que a experiência e a evidência mostram ter também algum impacto.
São variáveis de natureza mais psicológica como a percepção que os alunos têm de si próprios como capazes de ter sucesso, os alunos de meios menos carenciados percebem-se como mais capazes de aprender matemática.
É também conhecido que os pais com mais qualificação e de mais elevado estatuto económico têm expectativas mais elevadas sobre o desempenho escolar dos filhos o que se repercute na acção educativa e nos resultados escolares e, naturalmente, mais facilmente mobilizam formas de ajuda para eventuais dificuldades, seja nos TPC, seja através de ajuda externa.
Finalmente uma outra variável neste âmbito, a representação sobre a própria Matemática. Creio que ainda hoje existe uma percepção passada nos discursos de muita gente com diferentes níveis de qualificação de que matemática é uma “coisa difícil” e ainda de que só os mais “inteligentes” têm “jeito” para a Matemática. Esta ideia é tão presente que não é raro ouvir figuras públicas afirmar sem qualquer sobressalto e até com bonomia que “nunca tiveram jeito para a Matemática, para os números”. É claro que ninguém se atreve a confessar uma eventual “falta de jeito” para a Língua Portuguesa e às vezes bem que “parece”. A mudança deste cenário é uma tarefa para todos nós e não apenas para os professores e seria importante que acontecesse.
De facto, este tipo de discursos não pode deixar de contaminar os alunos logo desde o 1º ciclo convencendo-se alguns que a Matemática vai ser difícil, não vão conseguir ser “bons” e a desmotivar-se.
Aliás, é conhecido que muitos alunos escolhem trajectos escolares tendo como critério “fugir” da Matemática.
Não fica fácil a tarefa dos professores mas no limite e como sempre será a escola a fazer a diferença. Não podemos falhar apesar da dificuldade do caderno de encargos. Não podemos estar condenados a ter maus resultados a Matemática.

1 comentário:

Unknown disse...

Amigo José, não é a preocupação com o termómetro que poderá fazer baixar (ou elevar) a temperatura...
Há mais de quarenta anos, espero (esperamos) que os burocratas deem lugar a quem poderá desenvolver outra política educacional, co-criar uma nova construção social de aprendizagem.
Abraço!
José