Um dia destes aceito mesmo. Até
aqui tenho dado uma de bem colocado na vida e recusado as ofertas, mas a
situação não há meio de melhorar, antes pelo contrário, já começo a estar
cansado de tanta expectativa positiva ser revista em baixa pelo que a coisa não
parece bem encaminhada e, portanto, vou aceitar.
Tenho recebido ultimamente,
através do correio electrónico uma generosa quantidade de propostas e de
informações sobre ganhos na lotaria, heranças e dádivas que padrinhos
desconhecidos, mas que pensam em mim e no meu bem-estar, me têm feito chegar.
Ele é gente do Burkina Faso, da
Nigéria, do Senegal, da Irlanda, da Inglaterra, sei lá, de uma diversidade que
me deixa desconcertado.
Eu, que frequentemente aqui
expresso algum cepticismo face às qualidades que o mundo vai tomando, até dou
comigo, devo confessá-lo, emocionado com a generosidade desinteressada de
tantas comunicações. Imaginem o trabalho que estas pessoas devem ter tido só
para descobrir o meu endereço.
Quando confesso aos meus amigos
esta minha emoção e satisfação por tanta gente se lembrar de mim e o facto de
um pudor bizarro me levar a recusar a aceitar bens desta forma, eles,
discretamente, riem-se. Não percebo, fui educado no princípio de que riqueza
justa é a que se obtém pelo trabalho e não por caprichos da fortuna ou
generosidade de benfeitores desconhecidos.
No entanto, como dizia no início,
estou muito inclinado a aceitar a próxima oferta e, finalmente, entrar no mundo
inacessível e distante das pessoas ricas. Depois quero ver a cara dos meus
amigos quando virem o que a generosidade dos meus padrinhos do Burkina Faso me
irá proporcionar. Vou ter que lhes lembrar que a inveja é uma coisa feia, mas,
no fundo, eles sabem disso, ainda vou partilhar com eles alguma coisa.
Eu sou assim, a culpa é do meu
pai.
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