Ao que parece, está em curso um
processo de alteração dos programas de Matemática para o ensino básico e
secundário.
De imediato a habitual reacção da
Sociedade Portuguesa de Matemática que não advoga mexidas e a defesa
persistente da necessidade de alterações por parte da Associação de Professores de Matemática. Nada de novo, tem sido assim nos últimos anos e
creio que a questão está para além da matemática e dos seus programas, é mais
centrada em visões diferentes de escola e educação.
Também sabemos que quando se fala
em mudanças em educação surgem sempre, e com razão face a práticas que
conhecemos, inúmeras referências centradas no excesso de alterações o que
retira estabilidade e pensamento a prazo a este universo. Paradoxalmente, ou
talvez não, existem outras tantas referências que afirmam a necessidade de
mudanças.
Como muitas vezes afirmo e
escrevi acima, a este cenário não será alheio um mundo de conflitualidade de
interesses e visões em matéria de educação. Acresce ainda que as opiniões sobre
o excesso de mudanças ou a sua necessidade são de uma percepção altamente
dispersa, quase individualizada, em modo “cada cabeça, sua sentença”.
Relativamente às mudanças em
matéria de currículo, ao seu anúncio correspondeu de imediato o habitual coro
de “lá vem mudança”, “retorno do facilitismo”, etc. O outro coro afina pela
necessidade de ajustamento, embora para ambas as posições seja ainda pouco
claro o sentido, o alcance, o calendário ou o método da mudança.
Nesta perspectiva também o
atrevimento de umas notas que por desconhecimento não se dirigem aos conteúdos
curriculares mas mais ao modelo de currículo.
Julgo que seria de considerar a
extensão dos currículos definindo com a colaboração das associações
profissionais e de instituições de formação e investigação as dimensões
essenciais em cada área de conhecimento que possa ser eficaz, actual e potencie
maior flexibilização e diferenciação do trabalho em sala de aula. É possível
construir um modelo de organização e conteúdos que sustente práticas de gestão
curricular mais integradas a que se torna indispensável o incremento da margem
de autonomia das escolas na gestão curricular.
A verdade é que não me lembro de
muitas opiniões que entendessem como bons os modelos de currículo actuais à excepção
da SPM no que respeita a Matemática. São mais frequentemente entendidos como
extensos, demasiado prescritivos e normativos, pouco amigáveis para as
diferenças entre alunos e para o número de alunos habitual nas nossas salas de
aula. Aliás, no que respeita à designada, educação inclusiva, à medida que os
currículos se têm tornado mais normativos e mais prescritivos temos assistido à
proliferação de opções curriculares “alternativas” que mais não são em muitos
casos que “guetos curriculares” facilitadores de exclusão.
Também não recordo de muitas
opiniões defenderem um cenário em que, considerando apenas o 1º ciclo Matemática
e Português temos que em Matemática são definidos 3 domínios que se desdobram
como segue. No 1º ano, em 8 sub-domínios, 13 objectivos e 62 descritores, no 2º
ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 82 descritores, no 3º ano em 11
sub-domínios, 22 objectivos e 98 descritores e no 4º ano em 6 sub-domínios, 15
objectivos e 81 descritores o que em síntese corresponde a 72 objectivos e 323
descritores para Matemática do 1º ciclo.
Se juntarmos Português teremos um
total de 177 objectivos e 703 descritores. Por anos, temos: no 1º ano, 33
objectivos e 143 descritores; no 2º, 47 objectivos e 168 descritores; no 3º, 51
objectivos e 202 descritores e no 4º, 46 objectivos e 190 descritores. O
Programa de Português para o ensino Básico estabelece 998 metas curriculares. Muitos professores sentem-se a gerir uma checklist e muitos outros tentam "não liga muito" às mteas de forma a não burocratizar o seu trabalhoe deixar alunos "para trás" pois não acompanham o ritmo de cumprimento das metas.
Já aqui contei que em 2015, num
encontro internacional sobre inclusão e diversidade em educação, um colega de
mesa, um australiano especialista em desenvolvimento curricular, questionou-me
se teria percebido bem o número de metas curriculares que referi ou teria sido
algum problema com o meu inglês.
Elucidativo. Neste cenário em que
ficamos?
É verdade que mudar, só por
mudar, é errado e tem consequências negativas a vários níveis.
Mas também é verdade que não
mudar algo que não é positivo tem custos muito elevados, prolongados e com
impacto negativo em diferentes dimensões.
Finalmente, creio que o impacto
positivo de mudanças de natureza curricular não decorre “apenas” de questões centradas
no currículo. Envolve, por exemplo, recursos docentes, turmas com efectivos
adequados, apoios a alunos e professores em tempo oportuno, suficientes e
competentes.
É nesta área que temo que se
mantenham alguns obstáculos aos efeitos potencialmente positivos de uma
orientação de mudanças necessárias em matéria de currículo.
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