Este fim-de-semana é tempo de
festa neste canto do Alentejo. Chegam os romeiros que se deslocam cavalo da Moita
para Viana do Alentejo.
O Mestre Marrafa apareceu mais
cedo porque ainda queria ir assistir à chegada e bênção dos peregrinos.
Desta vez trouxe também outro
“ajudante” na lida do Monte e no preenchimento da avozice, o meu neto Grande, o
Simão veio connosco. Quase cinco anos e uma paixão por este “divertido” Monte e actividade que não pára, sobretudo de volta da sua enorme amiga, a Tita, uma gata que está
quase mãe.
Estava a aproveitar a última oportunidade
para ainda queimar um material sobrante e o Mestre Zé Marrafa estava perto de “posse”
da limpeza das ervas de alhos e cebolo.
Vendo passar o Simão ficou a olhar
e de depois começa para mim.
Que idade tem o gaiato?
Quase nos cinco, Mestre Zé.
Estava a pensar como eram as
coisas. As pessoas passaram muito mas os gaiatos ainda passaram mais. A minha
mulher, que Deus tem, com três anos ficava debaixo de um guarda-chuva ao abrigo
do Sol quando o pai e a mãe andavam na empreitada da ceifa. Eu até aí à idade
do Simão dormi numa cama feita com sacas e palha.
Comecei a trabalhar num monte
fora de casa com nove anos, a guardar porcos e depois ovelhas. Com nove anos já
ganhava o pão, recebia trinta quilos de farinha, um litro e meio de azeite e
sessenta escudos. Dava para mim mas não era para mim. Dormia num canto de um
casão em cima de um monte de palha e de sacas. Quando chovia, a roupa que era
só uma para toda a semana ficava molhada, chegava-me ao pé da fogueira para
secar mas os homens “enxotavam-nos”, o lugar perto do lume era para eles.
Quando se iam deitar ou o lume já estava apagado ou eu já dormia secando a
roupa com o corpo e muitas vezes vestido. Mas o tempo não mudou muito, quando
tinha a minha filha pequena andava com a minha mulher numa campanha da ceifa e
de noite ela ficava numa barraca que tínhamos feito com umas sacas. Eram noites
tão quentes que não podíamos tapar e então dormíamos à vez para um de nós estar
sempre a enxotar os mosquitos e a gaiata poder dormir. Era muito difícil vida
naqueles tempos e os gaiatos passavam muito.
Há alturas que mesmo um tipo que
passa o tempo a falar fica com um nó que não deixa passar palavras.
Ainda disse e concordámos, Mestre
Zé, os nossos netos e os seus bisnetos já não passaram tanto.
E são assim, e foram assim, os
dias do Alentejo. Obrigado Mestre Zé, por estar connosco.
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