O Público de ontem retomou mais
um episódio da vida trágica de um jovem americano que em 2013, com 16 anos e
alcoolizado atropelou mortalmente 4 pessoas. O caso ficou conhecido porque o jovem
escapou a uma pena de prisão efectiva com base no entendimento aceite em
Tribunal de pertencer a uma família muito rica e ser muito “mimado”.
Em 2016 o Público retomou esta
situação com uma peça na qual dei uma pequena colaboração.
Espero que o jovem, como todos os
que já alguma vez tropeçaram, possa retomar um caminho positivo para si e para
a comunidade.
Não é reconhecido nenhuma
sustentação científica para o “distúrbio” alegado em tribunal mas, provavelmente,
pelas especificidades e cultura do sistema jurídico americano o Tribunal
entendeu como atenuante substantivo para o comportamento do jovem.
As minhas notas de hoje remetem
mais para a ideia tão frequentemente afirmada de que os comportamentos
inadequados de crianças e adolescentes se devem a “mimos a mais”. Tal como
afirmei no trabalho do Público e em texto para a Visão é um entendimento que
me “tira do sério”, não existem "mimos a mais". Ponto.
Tal justificação costuma servir
depois para se afirmar a ideia de que as crianças hoje em dia têm muitos mimos
que as “estragam”, dito de outra maneira, têm “afecto” a mais ou ainda
“gosta-se de mais” das crianças. Estes discursos, que alguns profissionais
destas áreas também subscrevem, merecem-me alguma reserva pois assentam, do meu
ponto de vista, num equívoco.
De uma forma geral, as crianças
não terão afecto a mais, poderão, isso sim, ser objecto de “mau afecto”. É essa
falta de qualidade que lhes poderá ser prejudicial. Não é mau por ser muito, é
mau porque asfixia, é tóxico, não deixa que os miúdos cresçam, distorce a
percepção da criança de si própria e do seu funcionamento, não permite o
estabelecimento de uma relação saudável, protectora e promotora da autonomia
das crianças, uma condição fundamental para o seu desenvolvimento positivo. No
entanto, não é este tipo de reflexão que leva muitos de nós a falar dos “mimos
a mais”.
Insisto, as crianças não têm
elogios ou mimos a mais. O que se passa mais frequentemente é que recebem
“nãos” de menos. Na verdade, muitos adultos, pais, sendo quase sempre capazes
de dar os mimos, mostram-se muitas vezes incapazes de dar os “nãos”, de
estabelecer os limites e as regras que, como sempre digo, são tão necessárias
às crianças como respirar e alimentar-se. Estes “nãos” são outros mimos
imprescindíveis na educação de crianças e adolescentes nos seus diferentes
contextos de vida.
As regras e os limites são bens
de primeira necessidade. Tal como com os afectos, nenhuma dieta educativa pode
prescindir de regras e limites.
Ficando sem “nãos” muitas
crianças, a coberto da ideia dos “mimos a mais”, transformam-se em pequenos
ditadores que infernizam a vida de toda a gente, a começar pela sua própria
vida. Não crescem saudavelmente.
Neste contexto, apoiar e ajudar
os pais a desenvolverem de forma confiante comportamentos de disponibilidade e
escuta de crianças e adolescentes, a assumirem com firmeza e sem culpa a
necessidade de definir regras e limites, de mostrar afecto sem que se sintam a
dar “mimos” a mais que “estragam” os filhos, só pode resultar em bom trabalho,
para os pais e para os filhos.
De pequenino é que se constrói …
o destino.
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