Ao olhar para dimensão genérica das manifestações de ontem sob a bandeira da "Geração à rasca" encontramos apreciações que, como é habitual, consideram o copo meio cheio e outras que o percebem meio vazio. Assim, alguns dirão que foram bastante significativas e que poderemos estar no começo de uma mudança. Outros dirão que apesar do número razoável de manifestantes o nível de descontentamento genérico permitiria esperar números mais significativos, designadamente, fora de Lisboa.
De uma forma geral, os partidos, todos os partidos, exprimiram simpatia pelas causas que levaram à manifestação, não podiam, aliás, deixar de o fazer para não arriscar perder boleia no movimento. Li algures que também elementos da JS ponderavam estar nas manifestações mas ficaram desagradados com o incidente em Viseu durante o discurso de José Sócrates.
Do meu ponto de vista, as grandes questões colocadas na manifestação, a precariedade e o desemprego de uma geração que é a mais qualificada de sempre, dificilmente serão significativamente alteradas sem algo de estruturalmente diferente em matéria de organização do trabalho, refrescamento da organização política e alterações culturais e éticas entre as elites políticas, culturais e económicas. O problema é que, entre os que em Portugal plausivelmente podem ascender ao poder nos tempos mais próximos, não se vislumbra projectos e visões que alterem significativamente o quadro instalado, são, diria, mais do mesmo. Políticas de flexibilização do trabalho, protecção ao sistema financeiro, endeusamento de um mercado que, como dizia há pouco tempo Ricardo Salgado do BES, é amoral, esvaziamento do estado social, etc., são as receitas que se conhecem por parte de quem se assume como alternativa, portanto, nada de diferente do que neste momento acontece.
Neste cenário podem estabelecer-se duas perspectivas de continuação a curto e médio prazo. Uma primeira hipótese aceitando que o movimento que ontem emergiu ganha uma dinâmica suficientemente forte, continua a escapar à tentativa de controlo por parte dos aparelhos partidários e consegue potenciar e agregar mais zonas e franjas de descontentamento criando uma pressão incomportável para o sistema que o obrigaria a alterações significativas, uma espécie de arabização de brandos costumes. Nesta primeira hipótese importa ainda considerar as reacções no quadro da União Europeia. Uma segunda hipótese aceitando que o movimento, nesta fase disperso, pouco estruturado, acabe engolido pelos meandros da partidocracia tendo representado apenas um sobressalto inconsequente.
De qualquer forma, com alguma dose de realismo, creio que nos tempos mais próximos muita gente continuará "à rasca".
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