segunda-feira, 30 de novembro de 2009

OS PIRATAS SOMALIS E OS PORTUGALIS

Está em tudo quanto é comunicação social e ainda bem. A fragata “Álvares Cabral” da Marinha Portuguesa capturou piratas somalis que tinham atacado um barco espanhol nos infestados mares ao largo da Somália.
Na melhor e maior tradição voltámos às façanhas marítimas, merece felicitações esta tripulação. É importante para a nossa auto-estima sentirmos que aqui a tradição ainda é o que era, no mar contem connosco.
Agora o que me preocupa é o facto de deslocarmos meios para tão longe e não direccionarmos os recursos e os heróicos esforços para o combate à pirataria que invadiu este nosso jardim.
Todos os dias temos novas notícias, desenvolvimentos como lhes chamam, sobre actos de pirataria. É certo que uns decorrem com a face mais oculta que outros. É certo que há piratas e piratas, uns, os chefes, nem parecem piratas mas como sabem os tempos são outros e algumas práticas perdem-se ou modernizam-se. Temos também os piratas mais pequenos, alguns desses, às vezes até são apanhados mas também não se sabe muito bem o que fazer com eles. Temos ainda uma espécie muito interessante de piratas que são os que pirateiam mas não são piratas, ou seja, esperamos que cuidem de nós e na voltam tratam deles à nossa custa.
Por mim e considerando o sucesso da fragata “Álvares Cabral” punha a marinha a dar caça aos piratas portugalis, os de Portugal.

O HOMEM QUE VEIO DE LONGE

As pessoas naquela terra estranhavam o comportamento e as falas daquele homem com ar diferente, por assim dizer, que tinha aparecido por lá.
Ouviam-no a comentar admirado as coisas que via, tudo lhe parecia causar estranheza e frequentemente dizia, “Donde eu vim não havia disto”. Tudo lhe parecia ser uma novidade que não conhecia ficando parado e perplexo. Por vezes até se tinha a sensação de que o Homem não percebia muito bem o que estava a ver ou a ouvir.
Comentava o comportamento das pessoas sempre com o mesmo tipo de apreciação, “Lá de onde eu vim nunca tinha presenciado tal coisa”. Na maior parte das vezes os seus comentários traduziam uma apreciação negativa.
As pessoas que se cruzavam com ele e o ouviam ficaram progressivamente intrigadas com as reacções do Homem.
Um dia uma delas, mais afoita, resolveu clarificar as dúvidas que se tinham instalado e interpelou o Homem, “Mas afinal quem é você e donde veio?”
Chamo-me Alma e vim do Céu.
Do Céu, está a brincar, é onde o Céu?
Longe, muito longe, constou que vai fechar, já pouca gente por lá aparece. Eu ando por aí à procura de um lugar tranquilo para passar os próximos séculos.
E afastou-se devagar com aquele ar diferente, por assim dizer, e a afirmar mais uma vez, “Lá donde eu vim não havia disto”.

domingo, 29 de novembro de 2009

O ESPÍRITO NATALÍCIO

Por aqui de volta com os meus pensamentos estava a lembrar-me que este fim-de-semana está a decorrer a campanha de recolha dos Bancos Alimentares. Esperemos que seja bem sucedida. Muitos responsáveis de instituições de apoio social e mesmo de organismos públicos têm sublinhado o aumento de pedidos de auxílio mesmo por parte de franjas da população habitualmente não necessitadas. É a consequência da crise que se instalou e que tem promovido níveis de desemprego dramático.
Lembrei-me também que ontem, uma peça num jornal televisivo referia que para estes feriados de Dezembro, período de Natal e Ano Novo, muitos destinos de viagens estão já quase esgotados. Alguns depoimentos de pessoas do sector sublinharam a subida nas reservas que como disse excederam as expectativas esgotando parte da oferta. Deram exemplos de Cabo verde, Brasil, Caraíbas e Madeira como destinos muito vendidos.
Por outro lado, começamos a ser bombardeados com o espírito de Natal, isto é, o das compras natalícias e do histerismo consumista. Não estou a falar de uma minoria, sempre por cima, que faz com que o mercado imobiliário de gama muito alta ou o mercado automóvel do mesmo nível atravessem a crise sem grandes sobressaltos. Estou a referir-me à esmagadora maioria de nós e como os modelos de desenvolvimento e os sistemas de valores associados nos transformam a vida numa luta pela sobrevivência e, simultaneamente, numa luta por parecermos gente a quem não falta nada.
Isto é uma conversa um bocado de estranha, mas fico sempre assim quando começa o espírito natalício.

sábado, 28 de novembro de 2009

UMA COISA BOA

Desculpem lá, sei que não vos interessará particularmente mas não posso deixar de partilhar isto convosco. Há algo que não está em crise, que corre bem, as oliveiras do meu Alentejo nunca deram tanta azeitona como este ano, e boa.
No meio da turbulência em que se transformou e transformaram o país é um descanso para os olhos ver as oliveiras tão carregadas e a azeitona excelente.
O lagar da vila de vez quando tem que parar para poder processar toda a azeitona que vai chegando. Não sabemos como vai render em azeite e não quero estar a pensar em como o mercado fica enviesado pelo azeite dos olivais intensivos que certamente produzem mais, mas não produzem melhor.
Hoje, enquanto não volto ao lagar ao fim da tarde para nova entrega e mais umas lérias com o pessoal que não pára de comentar a quantidade e a qualidade da azeitona, só me apetece pensar nisto.
Agora ao almoço cabem as que foram retalhadas há umas semanas e que estão uma delícia.
Também vos posso dizer que finalmente a chuva chegou ao meu Alentejo durante a semana e os campos já se riem sem sede, as nascentes ainda não, mas tenho esperança, como diz a moda cá do Alentejo.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A VIDA AO NEGRO

(Foto de vitor tripologos)

O fardo que não se vê mas se pressente. A tristeza que transparece e contagia. A resignação de que se sobrevive. Os olhos no chão que embaraçam.
A dignidade que se mantém.

A GRANDE TENTAÇÃO

Um dos assuntos sempre presentes na agenda é a relação entre o poder e a comunicação social. Nas sociedades actuais em que a informação circula em tempo real e em que parte substancial da opinião pública é construída e influenciada em grande medida pela matéria e opinião públicadas é óbvio que o poder, todos os poderes, têm a tentação de influenciar a comunicação social. Sublinho que estou a falar de todos os poderes, económico e cultural por exemplo, e não só do poder político.
A questão é que em sociedades abertas e democráticas esta tentação pode ser escrutinada e até, tenta-se, regulada. Esta questão, muito bem desenvolvida na entrevista de Mário Bettencourt Resendes, provedor do DN, ao I, acaba por desencadear uma conflitualidade de interesses envolvendo o direito à informação, o direito à liberdade de informação, a agenda, os interesses editoriais e os interesses dos poderes, insisto, de todos os poderes.
Este cenário, do meu ponto de vista, não se extinguirá, pelo contrário, estará sempre presente ainda que com mudanças próprias dos tempos.
Assim sendo, mais do que legislar ou esperar uma regulação ela própria exposta a tentações, creio que o caminho será o de exigir uma sólida formação ética e técnica aos profissionais de comunicação social, transparência e clareza nas opções editoriais de cada órgão de comunicação e, sobretudo, apostar na educação e qualificação dos cidadãos que nos permitirá construir uma opinião pública mais exigente, mais crítica, menos influenciável e capaz de escrutinar os discursos dos poderes e os discursos dos media.

O CADERNO DOS DEVERES

Quando era miúdo havia algo de obrigatório na mala da escola, ainda não tinham inventado as mochilas. Era o caderno dos deveres. Para muitos de nós a escola definia-se pela existência de uma professora e de um cadernos dos deveres. Deve ser conversa de velho mas acho piada a este nome, ao contrário do que se passava naquela altura. Mas era um tempo de deveres, os da escola e todos os outros. Não era um tempo de direitos, de muitos direitos. E na escola, salvo algumas excepções só se falava mesmo de deveres e por isso um caderno dos deveres.
Depois veio uma festa com alguma turbulência e chegaram os direitos, todos os direitos acreditava-se, e acabou o caderno dos deveres. A poeira assentou e, provavelmente por alguma embriaguez, parece ter-se instalado de mansinho uma ideia de que entrámos numa época de direitos só de direitos e os deveres passaram a ser olhados como algo a evitar e de que se foge sempre que se pode.
Actualmente, olhamos à nossa volta e parecemos divididos em torno dos direitos, os que têm muitos e os que têm poucos e achamos todos que não temos deveres.
Há quem não tenha o direito ao trabalho, à habitação, à saúde, à educação e há quem tenha direito à impunidade, ao que não é seu, ao não cumprimento da lei, são os que eu chamo de donos do mundo, os que entendem que o dia e as outras pessoas acordam para satisfação dos seus direitos que foram, claro, por si estabelecidos.
Voltando à escola e não sendo eu grande defensor dos manuais, creio que o único manual que se justificaria obrigatório seria um “Caderno dos direitos e dos deveres para construir um mundo decente”.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

MÃES, FILHOS E TRABALHO

De acordo com estudo hoje divulgado as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a carreira profissional e a família, a maternidade. Também é sabido de outros estudos que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa.
Importa ainda sublinhar que a generalidade dos países da Europa atravessa sérios problemas de envelhecimento populacional e desequilíbrio demográfico devido também à baixa natalidade.
Este quadro exige naturalmente o repensar das políticas de apoio à família. Os salários baixos são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que é igualmente um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc.
Toda esta situação torna urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida. Combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas. Pode parecer disparate mas acho que se poderia investir na construção de redes comunitárias de apoio e guarda das crianças, aproveitando, por exemplo, os seniores que estão sós, desocupados e cheios de vontade de ser úteis a “filhos” e a “netos” que deles precisem. Este caminho parece bem mais eficaz que a atribuição de 200 € para a criação de contas a prazo mobilizáveis após 18 anos.

O MIÚDO QUE NÃO SABIA SURFAR

Um dia destes, o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, estava na sala de professores a aquecer-se com o inevitável chá quando apareceu a Professora Maria.
Olá Maria, queres partilhar o chá?
Olha Velho, tenho uns minutos, aproveito e falo-te do Mário. Ando preocupada com ele. Parece-me assustado, desassossegado, está pouco atento. Ele é esperto mas como está com pouca atenção, fala muito com os colegas, acaba por não aprender em condições, umas vezes até parece que sabe e um dia depois já se varreu o que parecia saber.
Que mais sabes dele?
A vida lá em casa parece complicada, o Mário não fala muito disso, o pai está desempregado e a mãe também está com problemas, disse-me a mãe da Sara. O Mário é também uma criança muito inquieta com o que está à volta dele.
Ele vai ter que aprender a fazer surf.
Surf?! Estás a brincar Velho.
Não Maria. O mundo à volta do Mário anda muito agitado e ele é apanhado pelas ondas dessa agitação. Como ainda não sabe apanhá-las acaba por ser enrolados no meio delas e daí o desassossego. Ajuda-o a saber surfar.
Eu não sei surfar.
Sabes, os bons professores como tu são capazes de perceber as ondas que se formam nos mares dos miúdos. E entendendo as ondas fica mais fácil pensar como ajudá-los a lidar com elas sem se afundarem, ou seja, tu podes ser a prancha na qual ele surfa as ondas até se aguentar melhor sozinho.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

UM DIA BONITO: A CHUVA E UMA HISTÓRIA DE AMOR

Ao olhar para a imprensa verifica-se a existência de um conjunto de razões para que, à semelhança dos últimos tempos, se considere estar a passar-se mais um dia feio. Corrupção, Processo Casa Pia, operação Face Oculta, Portugal abaixo da média europeia em matéria de educação, desemprego, pobreza, criminalidade, etc. Mas de vez em quando emerge a minha costela optimista e acho que está um dia lindo por, pelo menos, duas razões, a chuva e uma história de amor.
Está a chover e estou contente por isso, o país está a entrar numa preocupante seca que ameaça repetir 2005. No meu Alentejo a situação é já grave e a chuva é mesmo imprescindível. Hoje aqueles locutores que numa época em que a chuva falta nos dizem com um ar contentíssimo que vamos ter um dia de sol não me vão irritar. Que chova neste dia bonito.
A segunda razão é uma comovente história de amor. O Padre Rui da freguesia de Carvalho, em Celorico de Basto, perdeu-se de amores pela Menina Fátima, jovem educada desde pequenina por uma família em virtude da sua não ter condições. O Padre Rui procurou que a família da Menina Fátima aceitasse este amor proibido mas tal não aconteceu. Esperou que a Menina Fátima completasse as dezoito primaveras, escreveu uma carta ao Senhor Bispo e os dois fizeram-se à estrada, ao que consta para Espanha, levando para essas paragens, com um gesto cristão, um bom casamento em vez dos maus ventos e dos maus casamentos que de lá dizem vir.
Os habitantes da aldeia dividem-se acerca da história de amor entre o Padre Rui e a Menina Fátima. Uns não acham bem, o senhor é Padre, outros acham muito bem e uma senhora até dizia que o Padre anterior também se tinha perdido de amores por uma paroquiana porque, continuava a senhora, “as mulheres da freguesia são pequeninas mas muito bonitas”.
Não há como a chuva e uma história de amor para tornar um dia bonito.

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E AS POLÍTICAS EDUCATIVAS

De acordo com um estudo da responsabilidade da OCDE, os professores portugueses são de entre os países da União Europeia os que mais necessidades de formação revelam, identificando o ensino especial e as novas tecnologias como áreas mais carenciadas. Tal conclusão confirma o que o conhecimento das escolas portuguesas permite enunciar. De acordo com incompetente e inadequado quadro legislativo em vigor desde 2008, os alunos referidos como apresentando necessidades educativas especiais apenas são apoiados por professores de ensino especial se forem considerados elegíveis para esse apoio através da aplicação da Classificação Internacional de Funcionalidade. Além disso o ME fixou uma quota, a obsessão por quotas da antiga equipa do ME é notável, de 2,2% como limite de crianças a apoiar pelo ensino especial. Todas as que não couberem nestas quotas, a esmagadora maioria, deverão, diz a lei, serem apoiadas pelos outros professores, designadamente os do ensino regular. Sabendo que a prevalência de necessidades educativas especiais pode considerar-se, de acordo com a literatura, não inferior a 10% e que a heterogeneidade da população escolar é a característica mais presente nas actuais salas de aula, entende-se bem as necessidades de formação nesta área expressas pelos professores portugueses.
No que respeita às novas tecnologias as necessidades sentidas pelos professores evidenciam a fragilidade, quer na formação inicial quer no desenvolvimento dos programas nesta área, por exemplo, a distribuição em massa de computadores ás crianças, o que é positivo, não acompanhada de programas de formação aos docentes.
Vamos a ver como reage o ME a este estudo da OCDE.

AS ÁRVORES DOS AFECTOS

Como é sabido, os modelos de desenvolvimento económico, ético, social e cultural em que temos persistido nas últimas décadas têm, entre outras consequências, provocado fenómenos de desflorestação e desertificação que em muitas áreas assumem proporções ameaçadoras da sustentabilidade do nosso trajecto neste mundo.
Uma das espécies mais ameaçadas por estes fenómenos de desflorestação e desertificação e a que, do meu ponto de vista, não tem sido dada atenção suficiente é a árvore dos afectos. Como sabem trata-se de uma espécie de cujos frutos somos completamente dependentes pelo que sem eles não subsistimos. De uma forma geral, todas as famílias e instituições tinham e cuidavam de várias árvores dos afectos, tantas quantas as pessoas que as integravam. Quase sempre, quando alguma árvore parecia ameaçada ou fragilizada desencadeavam-se apoios e ajudas que procuravam restabelecer a saúde dessa árvore.
Hoje em dia, já é frequente encontrarmos famílias e instituições com muitas árvores dos afectos em situações muito precárias e algumas irremediavelmente perdidas. Muitas destas árvores mais ameaçadas são árvores mais novas ou, pelo contrário, árvores mais velhas embora seja problema que afecte todas. As árvores dos afectos mais novas precisam de mais cuidados, mais atenção e a incapacidade ou dificuldade no podar, cuidar, regar, alimentar, proteger, etc., leva a que o risco de secar seja grande e, como se pode verificar, já existem muitíssimas árvores novas completamente secas de afectos. As mais velhas, por outras razões, quase sempre porque ficam sós, o bosque protege cada árvore, e mais dependentes nos cuidados de que precisam.
Creio pois que começa a ser oportuno considerar-se a possibilidade de promover a plantação que contrarie as consequências da desflorestação e desertificação que atingem as árvores dos afectos, ou seja, as pessoas.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

DEIXEM QUE AS CRIANÇAS BRINQUEM E SE SUJEM

Era o argumento que me faltava. Muitas vezes me tenho referido aqui no Atenta Inquietude a algum fundamentalismo a propósito das brincadeiras das crianças. Embora saiba que temos um número elevadíssimo de acidentes com crianças e, por isso, seja necessária uma enorme cautela com os riscos, também sei que as crianças precisam de brincar e de experiências que as ajudam a crescer, a estabelecer limites e a tornar-se autónomas. É bom para os miúdos brincarem em zonas de ar livre, se possível, sem problemas quanto a uma esfoladela no joelho ou à sujidade que se agarra na roupa e nas mãos.
Um estudo da School of Medicine da Universidade de San Diego na Califórnia, citado pelo I, vem mostrar que a pele contém bactérias que inibem infecções em feridas e protegem genericamente a pele pelo que uma excessiva preocupação com a limpeza pode tornar as crianças mais vulneráveis e, eventualmente, estar associada a alguns quadros de alergia.
Por isso, agora definitivamente, deixem que as crianças brinquem e se sujem, faz bem.

A HISTÓRIA DO TRAPAÇAS

Era uma vez um homem chamado Trapaças que vivia numa terra pequena. Sempre foi o tipo de indivíduo a que as pessoas chamam de “fino”. Desde miúdo se perceberam as qualidades, ou seja, as características, do Trapaças. Na escola ficaram célebres as suas desculpas para quando não fazia os trabalhos que lhe eram pedidos ou a forma como convencia os colegas a desenrascarem-no nas situações e trapalhadas em que se envolvia.
O seu percurso foi sempre construído através das habilidades e da capacidade que tinha para sem grande esforço e com muita manha ir conseguindo cumprir.
Os professores do Trapaças sempre acharam que mais cedo ou mais tarde ele iria acabar por falhar, os seus expedientes não poderiam sempre proporcionar-lhe formas de ultrapassar dificuldades e de atingir objectivos. Muitos dos colegas com quem se foi cruzando viam-no como uma pessoa que dificilmente seria bem sucedido. No fundo não acreditavam, como se costuma dizer, que o Trapaças fosse alguém na vida. Na verdade, toda gente queria e gostava de acreditar que um Trapaças não pode ser bem sucedido na vida.
Mas como sabem, algumas histórias não acontecem como as pessoas gostavam que elas acontecessem. O Trapaças com arte e com manha foi arranjando uns negócios e umas amizades que mudava, uns e outras, conforme as conveniências, fez fortuna e acabou mesmo por desempenhar funções importantes naquela terra.
Curiosamente, com vontade de que a história voltasse a ser como devem ser as histórias, isto é, acabar de forma positiva, a maior parte das pessoas daquela terra que conheciam o Trapaças começaram, de mansinho, a achar que ele era um exemplo de persistência e de criatividade, de capacidade de inovar e de construir projectos e até já o apontavam como modelo a seguir.
Como as histórias como deve ser têm que ter sempre “uma moral” pode dizer-se que “a trapaça que se passa, compensa mais do que se pensa”.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A COMUNIDADE

Nos últimos anos parece ter vindo a inverter-se a tendência de recorrer às medidas de acompanhamento educativo e internamento institucional para lidar com os comportamentos de delinquência de crianças e jovens aumentando significativamente a aplicação de trabalho comunitário e obrigações como frequentar um curso de formação por exemplo. Parece-me um bom caminho embora algum pensamento mais conservador e securitário continue a fazer-se ouvir defendendo a prisão como a medida mais correcta o que comprovadamente, só por si, não funciona. Os estudos sobre a reincidência sugerem que as medidas de restrição de liberdade quando não acompanhadas por outro tipo de intervenção não a minimizam significativamente.
Parece-me, no entanto, claro que algumas situações extremas de risco mais elevado podem solicitar medidas mais restritivas mas sempre numa lógica de excepção e de transitoriedade.
Os comportamentos delinquentes são no fundo um desrespeito e agressão aos valores da comunidade pelo que parece lógico que em consequência desses comportamentos o seu autor seja colocado a desenvolver actividades que sirvam e “reparem” a comunidade “ofendida” e que, simultaneamente, forneçam sistemas de valores que possam influenciar e reabilitar os valores das crianças e jovens envolvidas.
Apesar deste caminho de alteração na forma como a jusante lidamos com os comportamentos delinquentes de crianças e jovens, é fundamental que percebamos o que a montante contribui para a emergência desses comportamentos, ou seja, as causas. E também nesta matéria me parece de privilegiar intervenções de natureza comunitária.

A SAÚDE E OS LIVROS, BENS DE PRIMEIRA NECESSIDADE

O saber popular costuma afirmar que de pequenino se torce o pepino. Sabendo nós como os hábitos de leitura estão pouco presentes nas nossas famílias, parece interessante e merece divulgação o Projecto em desenvolvimento no âmbito do Plano Nacional de Leitura em parceria com a Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral e a Sociedade Portuguesa de Pediatria. Este Projecto durante o ano passado mobilizou 121 Centros de Saúde e 731 médicos de família envolveu 18 400 crianças entre os seis meses e os seis anos.
Durante as consultas de rotina e ao mesmo tempo que se cuida do desenvolvimento é fornecido às crianças e famílias material de leitura que visa familiarizar o agregado com estes materiais e estimular a sua utilização. Alguns profissionais referem o impacto positivo registado nas crianças e nas práticas e atitudes familiares e até mesmo no decorrer das próprias consultas.
Parece-me o tipo de iniciativa interessante e que se justifica ser divulgada e multiplicada. Não requer meios sofisticados nem dsipositivos especiais, apenas materiais de leitura adequados às idades das crianças e uma atenção dos profissionais de saúde a estas questões.
Como referimos, os estudos mostram que os hábitos de leitura em família são baixos e programas desta natureza podem ser formas eficazes de promoção desses hábitos.
Gostava ainda de sublinhar a associação dos livros e da leitura aos cuidados básicos de saúde e desenvolvimento, finalmente.

O HOMEM QUE FALA SÓ

A maioria das pessoas daquele bairro conhece-o, o Homem que fala só. Conhecem-no exactamente por esta característica, fala só. No café à frente de um chá e de um livro ou de um jornal, no jardim, se o tempo o permite, ou mesmo quando deambula pelas ruas para desenferrujar o corpo, o Homem mantém consigo mesmo animadas conversas. Apenas se dirigia a outras pessoas para o indispensável do dia a dia e logo retornava á conversa consigo.
Claro que a generalidade das pessoas o achava esquisito, por assim dizer, na verdade em voz mais baixa pensavam que o juízo do Homem estava um bocado abalado, ninguém passa o tempo a falar só. Quando ele entrava em algum espaço as pessoas calavam-se e ficam discretamente a olhar e a ouvi-lo e depois comentavam como era triste alguém comportar-se assim, perder o juízo.
As pessoas não percebiam que o Homem se foi cansando de falar com pessoas que só têm certezas, não conversam com os outros, afirmam as suas ideias, gostos ou opiniões e nem sequer estão muito interessadas no que os outros têm a dizer pois bastam-se a si próprias. Não percebiam que o Homem continuava cheio de dúvidas sobre o que lia e ouvia pelo que discutia consigo mesmo essas dúvidas. E quanto mais lia, ouvia e discutia, mais dúvidas tinha pelo que mais discussões continuava a manter consigo mesmo.
As pessoas sem juízo são assim, estão sempre cheias de dúvidas.

domingo, 22 de novembro de 2009

RUÍDO E INFORMAÇÃO

Não sou especialista em comunicação social e nem estou particularmente interessado nessa condição. Sou apenas um cidadão atento ao que o rodeia e que para isso não prescinde da comunicação social nos seus diferentes suportes.
Embora não sendo especialista sei, sabemos todos, que procurar definir isenção, neutralidade e objectividade em comunicação social é apenas uma forma de alimentar uma discussão sem conclusão. Os interesses políticos, partidários, económicos, pessoais, etc. são de tal forma pesados que tornam impossível a isenção e objectividade.
Neste quadro, a comunicação social em Portugal, sobretudo no que respeita ao que se passa cá por dentro, a que estou também mais atento, transformou-se numa emissão permanente de ruído no meio do qual circula alguma informação. A forma como os diferentes órgãos de comunicação social tratam as mesmas matérias, a gestão da informação que “estranhamente foge” de processos judiciais em curso, por exemplo, ou o discurso sobre as políticas do governo e as posições da oposição, os comentaristas que supostamente comentam mas que no fundo vendem as suas convicções político-partidárias são nas mais das vezes ruído e não informação.
É frequente a informação não relevar de factos mas de opiniões criando níveis altíssimos de toxicidade informativa.
Preferia que à semelhança do que se passa em muitos países os diferentes órgãos de comunicação social assumissem posições editoriais alinhadas quer politicamente quer em modelos ou “estilos” de comunicação social. Para nós cidadãos consumidores era mais transparente, sabíamos com que contar.

sábado, 21 de novembro de 2009

POBREZA E SAÚDE MENTAL

Duas notas de reflexão num sábado com cara feia como feios são os conteúdos a que me vou referir.
Segundo dados de um estudo sobre pobreza infantil da Universidade Técnica de Lisboa, uma em cada quatro crianças vive em situação de pobreza. Para além do assustador número envolvido e das consequências óbvia e imediatas desta situação, importa não esquecer as consequências a prazo. Sabe-se que estas crianças serão as que mais risco de abandono e insucesso escolar correrão o que por sua vez implicará falta de qualificação e projectos de vida positivos e viáveis. Tal percurso alimentará o ciclo da pobreza produzindo mais pobres. É exactamente este ciclo que tem de ser quebrado.
A segunda nota refere para os indicadores que sustentam o aumento de problemas de saúde mental por questões ligadas ao desemprego. Já aqui afirmei que, do meu ponto de vista, roubar o trabalho a uma pessoa, para a maioria das pessoas, é roubar-lhe a dignidade. Uma ameaça sobre a dignidade é algo de extraordinariamente pesado e, por vezes, insuportável. Daí o aumento de casos de problemas de saúde mental, designadamente de depressão.
Por isso costumo dizer que a questão do desemprego envolve mais dimensões que o subsídio por mais necessário e importante que seja.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A CONTABILIDADE POR FAZER

Como era previsível, a aritmética parlamentar acabou com o famoso e incompetente Modelo e com a inenarrável e disparatada divisão dos professores introduzida no Estatuto da Carreira Docente.
No que me foi possível acompanhar, quer dos debates quer da imprensa, as análises têm andado sobre quem venceu, quem traiu, quem perdeu, quem mudou, quem resistiu, etc., e todo este juízo realizado, salvo raríssimas excepções, em cima das lógicas político-partidárias.
A minha questão é que uma legislatura praticamente completa com as escolas com climas altamente crispados entre professoras e estruturas directivas, com a relação entre os professores e a tutela a bater no fundo e sem um mínimo de confiança recíproca e capacidade de diálogo, com uma opinião pública mal informada e instrumentalizada pelo ME contra quem todos os dias toma conta dos seus filhos, os professores, implica e implicará consequências cujos efeitos não serão tangíveis mas são seguramente importantes e em várias dimensões.
Nesta contabilidade, do meu ponto de vista, os miúdos foram perdedores. Na Assembleia da República só soubemos o que parece ter acabado, resta saber o que vai começar, eventualmente mais uma aventura, com final feliz, espera-se.

DIREITOS E CULTURA

Por vezes assinalo aqui algumas datas, processo que designo por cumprimento da agenda das consciências. Na mesma linha, passam hoje 20 anos da adopção pelas Nações Unidas da Convenção dos Direitos das Crianças culminando um processo iniciado em 1959 com a Declaração dos Direitos da Criança. Por curiosidade e como refere o Público, trata-se do tratado mais ratificado da história, curiosamente apenas os Estados Unidos e a Somália não ratificaram a Convenção. Ao que consta, o Presidente Obama estará embaraçado com a situação e com a companhia.
Não é possível negar que se verificaram mudanças na qualidade e bem-estar na vida das crianças. Mas é também verdade que nesta matéria se verificam ainda enormes assimetrias fruto das desigualdades em muitas áreas entre o mundo dos países ricos e o dos países pobres e se assiste a situações absolutamente dramáticas.
Também em Portugal se podem registar alguns avanços por exemplo ao nível dos cuidados de saúde e o do nível de escolarização. No entanto, muito ainda está por fazer nos vários domínios da vida das crianças. Temos, por exemplo, um número excessivo de crianças institucionalizadas e sem projecto de vida ou casos de maus-tratos e negligência que não conseguimos prevenir e ou resolver adequadamente.
Apesar de todos discursos, de alguma legislação positiva, da cobertura do país por Comissões de Protecção de Crianças e Jovens ainda nos falta, embora não só a nós, uma verdadeira Cultura de protecção dos mais novos. Sem que a sociedade, nós, assumamos essa cultura de atenção e protecção dos miúdos dificilmente se cumprirão os desígnios da Convenção dos Direitos das Crianças.

UM HOMEM CHAMADO JUSTO

Era uma vez um homem chamado Justo. Era o tipo de pessoa de que a generalidade das pessoas que o conhecem gostam e mais, gostam de conhecer. Na relação que estabelecia com as pessoas, com todas as pessoas, mais conhecidas ou mais estranhas, mais velhas ou mais novas, colegas de trabalho mais próximos ou mais distantes procurava mostrar uma atitude de atenção que o tornava acolhedor.
Desenvolvia o seu trabalho de forma séria, procurando não cometer erros e estar disponível para ajudar quem com ele trabalhava sempre com algum incentivo que deixava as pessoas confiantes. Na função que exercia tinha que por vezes apreciar o trabalho e o comportamento de outros e fazia-o tranquilamente explicando a natureza das avaliações que fazia, que critérios usava e o que esperava que as pessoas fizessem com aquela avaliação.
O Justo era um excelente mediador nos naturais conflitos entre pessoas que convivem diariamente. Escutava diferentes pontos de vista e quase sempre conseguia estabelecer pontes de comunicação promotoras de avanço e ganho nas relações e no trabalho. Durante algum tempo o Justo desempenhou tarefas de chefia na instituição em que trabalhava e também aí mostrou as qualidades que o caracterizavam, decidia o que lhe competia decidir ainda que procurando ouvir o que outros teriam a dizer. Era capaz de identificar o que deveria ser melhorado e conseguia através do incentivo e de alguma persistência levar a mudanças. As pessoas realçavam a qualidade do trabalho que desenvolveu naquela função e como isso foi benéfico para todos.
Quando saiu, os alunos com que se cruzou, os pais que o conheceram e os colegas, professores ou outros, não tinham dúvidas de que o Justo foi um dos melhores professores que tinha passado por aquela escola.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

DIZ QUE É UMA ESPÉCIE DE AVALIAÇÃO

Desde o início do processo se percebeu que o modelo de avaliação imposto e enquadrado por um Estatuto de Carreira indefensável, estou a referir-me à divisão em professores titulares e outros, era incompetente e ineficaz. Tudo o que se seguiu foi fruto de uma estratégia política errada e arrogante escudada politicamente na existência de uma maioria absoluta e assente numa opinião pública criteriosamente “trabalhada” pelo ME e desfavorável aos professores. Devo dizer, como já disse, que em algumas circunstâncias os discursos dos representantes dos professores também contribuíram para tal cenário. Acresce a este quadro a tentativa de todos os partidos se apropriarem dos contornos políticos da educação e, como é habitual numa partidocracia, os interesses partidários tendem a sobrepor-se aos interesses gerais.
Com a mudança de equipa ministerial e com um consenso instalado, parece, sobre a necessidade de mudança, o que mais sensato haveria a fazer, do meu ponto de vista, era trabalhar, todos os intervenientes, no sentido de (re)construir os modelos de avaliação e de carreira adequados e definir um calendário de desenvolvimento do trabalho. Paralelamente, deveria estudar-se, não me parece difícil, a transição entre o que foi feito e o que virá a ser estabelecido, de forma a permitir, com um mínimo de sobressalto, o funcionamento das escolas.
Nesta perspectiva, todas estas questões de suspende, não suspende, há avaliação, não há avaliação, uns são avaliados de uma forma, outros de outra forma, uns docentes entregaram objectivos e são avaliados, outros não entregaram e são também avaliados apenas contribuem para prolongar o ruído, minar a credibilidade dos processos, aumentar a desconfiança e, por fim, alimentar pela negativa a nuvem de equívocos e perplexidades instalada na opinião pública o que, em última análise, é um péssimo serviço prestado à qualidade da educação, isto é, ao futuro dos nossos filhos.

ESTRANHA FORMA DE VIDA

Era uma vez um Rapaz que tinha uma estranha forma de vida. Aquilo que fazia, dizia ou pensava estava muitas vezes em desacordo com o que se desejava para gente da sua idade. Não gostava da maior parte das actividades escolares, apenas se envolvia em actividades desportivas e em algumas coisas ligadas a música. Em consequência já contava com alguns chumbos. Quando estava nas aulas, no intervalo das muitas faltas, o seu comportamento era mau, desafiador da autoridade dos professores e provocador dos colegas, de alguns colegas, sobretudo os que sobressaíam pelas qualidades escolares.
Nos tempos de intervalo na escola não era raro o envolvimento do Rapaz em brigas que quase sempre provocava.
Fora da escola, o Rapaz já não acatava bem as regras de casa, poucas e inconsistentes, e o seu comportamento passava pela provocação e pela habitual animosidade para com a generalidade das pessoas. Como seria de esperar, apenas se dava sem problemas com um grupo pequeno de amigos que liderava e com quem partilhava esta estranha forma de vida.
Quando se falava deste Rapaz, a maior parte das pessoas, na escola e no bairro, referiam-no como um destemido e indomável ser que não conhecia limites.
Ninguém sabia que o Rapaz quando falava de si para si, se sentia, ele próprio, nos limites. Em muitas noites adormecia com um enorme pavor de que no dia seguinte alguém percebesse o medo que sentia da sua estranha forma de vida e de se esquecer de vestir ao sair de casa a pele com que sobrevivia, a pele de um destemido e indomável Rapaz.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

OS MIÚDOS INFORMATIZADOS

Os resultados do estudo coordenado por Ana Nunes de Almeida, ”Crianças e Internet: usos e representações, a família e a escola” a ser divulgado no âmbito da Conferência de Educação da Gulbenkian merecem umas breves notas de reflexão.
Em primeiro lugar sublinhar o facto de a esmagadora maioria dos inquiridos ter contacto regular com os meios informáticos. Quando se fala do acesso dos mais novos às novas tecnologias de informação, veja-se muitos dos discursos a propósito do incontornável Magalhães, quase sempre surgem algumas vozes resistentes, desconfiadas e até críticas desta acessibilidade. O computador não vem substituir coisa nenhuma, carece, como todos os dispositivos de apoio às aprendizagens, de ser correctamente utilizado mas é, do meu ponto de vista, uma ferramenta que tem de estar presente no quotidiano dos miúdos.
Uma segunda nota e decorrente desta primeira para registar que as famílias mais escolarizadas são as que revelam obviamente maior nível de equipamento e utilização. Como seria de esperar, também o acesso a este universo tem uma marca social. Por isso, mais uma razão para que a comunidade, através do sistema educativo, promova a democratização do acesso a meios e recursos que se assim não fosse só estariam disponíveis a algumas franjas acentuando a desigualdade de oportunidades.
Por razões de espaço apenas mais uma nota, de acordo com o estudo, perto de 25% dos alunos nunca utiliza a Net na escola e apenas 20% a utiliza foras das aulas de Tecnologias de Informação e Comunicação. Tal facto evidencia que apesar do acesso mais facilitado ainda muito se pode fazer na utilização destes meios como ferramentas de trabalho e que apesar de alguns Velhos do Restelo, sem ser contra nada ou em vez de qualquer outra coisa, é este o caminho.

O MEU SONHO ACABA TARDE, ACORDAR É QUE EU NÃO QUERIA

O sonho será porventura a actividade mais democratizada da espécie humana. Parece acessível a todos os estatutos e condições. É certo que já me cruzei com pessoas que me impressionaram pela atitude de nada esperar da espécie de vida que têm e por não parecerem sequer capazes de comprar um sonho. Apesar da eventual discordância de alguns psicólogos, o sonho tem ainda a vantagem de permitir o acesso a tudo, não tem aparentemente limites, é completamente aberto, cada um pode sonhar o seu sonho, seja ele qual for.
Não é muito frequente recordar-me dos meus sonhos, dos bons e dos maus. É bastante mais usual sonhar quando estou acordado, bem acordado. E nestas ocasiões quase só me acontecem sonhos bons e sem limites.
Quando “acordo” e percebo que afinal foi apenas e de novo mais um sonho, lembro-me dos Madredeus e “o meu sonho acaba tarde, acordar é que eu não queria”. Mas não, acordamos e voltamos a alguns pesadelos à nossa beira.
Há algum tempo, um jovem com uma deficiência motora significativa foi questionado num documentário televisivo sobre se acreditava que alguma vez alguma vez teria possibilidade de uma viver uma vida “como a das outras pessoas”, família, emprego, etc. O rapaz respondeu que às vezes sonhava com isso, mas o problema é que, disse ele, “sonhar não custa, o que custa é viver”.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

CALMA, OS MIÚDOS ESTÃO ADOENTADOS

A preocupação em torno da Gripe A e dos seus efeitos não pára de se manifestar das mais variadas e curiosas maneiras, todas certamente legítimas, mas que, por vezes, parecem carecer de alguma reflexão. Agora, a inquietação decorre dos efeitos escolares que a estadia em casa dos meninos pode assumir e que é pertinente.
As escolas, como é natural, consoante os problemas com que se confrontam, organizam e organizarão alguns procedimentos e dispositivos no sentido de minimizar os efeitos, adequando o ritmo de desenvolvimento dos trabalhos, disponibilizando apoios através das plataformas das escolas, sugerindo algum trabalho em casa, etc.
As organizações representativas dos pais e encarregados de educação reagem de forma diferente, a Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação entende que as escolas poderão adoptar estratégias diferentes até porque nem todos os pais terão o mesmo entendimento e atitudes face ao trabalho escolar realizado em casa. A CONFAP, por seu lado, entende, que é preciso apostar no teletrabalho pois os “alunos não devem deixar de trabalhar quando estão em casa”.
Esta preocupação extrema com a “produtividade” dos meninos inquieta-me. Os miúdos estarão em casa cerca de uma semana. Obviamente, parece, estarão sob os efeitos do estado gripal, portanto fragilizados, e as pessoas querem assegurar a sua produtividade. É certo que esta preocupação é coerente com a defesa da estadia dos miúdos durante doze horas por dia na escola, mas é preciso bom senso. Também se sabe como é controverso o papel atribuído aos trabalhos de casa e como muitos pais têm a maior das dificuldades em acompanhar e apoiar os filhos nestas tarefas.
Neste contexto, se os miúdos estiverem doentes em casa precisam de tratamento adequado, companhia e apoio e algum trabalho eles farão. As escolas e os professores responsáveis saberão lidar com a situação sem stress e sem fundamentalismos de produtividade infanto-juvenil.

O CAJÓ E AS CEGADAS DA SUCATA

Hoje passei ao pé da oficina onde trabalha o meu amigo Cajó, o do Punto kitado, estava ele cá fora a matar o vício, deu para dois dedos de conversa.
Olá amigo Zé, tá-se bem? Até que deve tar, o seu glorioso este ano tá em grande.
Este ano é que é Cajó, tudo bem consigo? Vai aparecendo mais trabalho? Da última vez que o vi você estava um bocado aflito.
Vai dando p’ra desenrascar, o pessoal continua sem guito, só pedem cenas pequenas e só mesmo o que tem de ser.
Pois é a coisa anda mal.
Anda mal p’ra mim. Há aí bacanos que se safam bem. Tá a ver aquele que agora foi dentro, o gajo das sucatas. Parece que tá cheio da massa e oferecia Mercedes e tudo p’ra arranjar negócios. Eu ouvi na TVI e a minha Odete contou-me o resto. O man era só esquemas e cegadas mas é sempre a mesma cena. O gajo já ganhou o dele, deve tar bem guardadinho lá para fora e um destes tá lá a gozar a vida.
Pode ser que não Cajó.
Tá a brincar comigo, eu também ando aqui na sucata e não ganho para kitar o Punto, queria meter-lhe umas jantes bué da loucas que o Tózé me sacava com desconto a um bacano conhecido dele e não posso. Mas se arranjar algum caldinho a bófia aparece logo e tou feito. Os gajos de cima safam-se sempre. Eu acho é que isto tá tudo na sucata, só que uns safam-se e outros não. Pá agora tenho que ir mudar umas pastilhas ao Corsa daquele chavalo, senão você ia mas era chegar-se à frente e pagar uma mine.
Fica para a próxima Cajó.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

OS TRANSPARENTES

Fico sempre impressionado com aquelas pessoas que num acto de pagamento, por exemplo na fila do hipermercado, abrem a carteira e mostram ostensivamente um conjunto de cartões espalhados por várias ranhuras de volumosas carteiras.
Hoje fiquei a saber que perto de 250 000 famílias portuguesas não têm contas bancárias, a esmagadora maioria por não terem rendimentos que o justifiquem e suportem os encargos de abertura e manutenção de contas.
Nos tempos que correm até parece estranho que alguém, adulto, não tenha um cartãozinho de débito, já nem falo de crédito, chamado Multibanco, de um qualquer banco que possa ser mostrado e usado mesmo para a compra mais pequenina.
Eu acho que a maior parte de nós, assumo a minha parte, não tem consciência das dificuldades e os estilos de vida de parte significativa da nossa população. São aqueles a que costumo chamar os transparentes. Não os vemos, mesmo quando nos cruzamos com eles o nosso olhar passa através das pessoas, sem se deter e perceber quem habita naquele corpo e como vive.
Assim é melhor, dormimos mais tranquilos.

OS RESPIGADORES DO DESTELO E O APREGOADOR

Como costumo dizer uma das vantagens de ser velho é ter histórias para contar. Sempre que tenho oportunidade, é algo que me dá muito gozo, gosto de ouvir histórias da gente dos outros tempos para juntá-las às minhas. Uma das minhas fontes é o meu amigo, o Mestre Zé Marrafa que trabalha comigo lá no monte do meu Alentejo. Este fim-de-semana andámos juntos a desmoitar oliveiras e a traçar lenha, fizemos um intervalo na apanha da azeitona e, como sempre, o trabalho fica mais leve no meio de umas lérias, neste caso histórias de outros tempos.
Fiquei assim a conhecer algo de que nunca tinha ouvido falar, o destelo, e uma função, o Apregoador, há muito desaparecida no meu Alentejo. Vamos por partes, quando se considerava que a época da apanha da azeitona tinha terminado, o apregoador, já explico, avisava que se poderia ir ao destelo. O destelo é a busca de alguma azeitona que ficou para trás caída ou na oliveira e que as pessoas de menores recursos ainda vinham pacientemente, catar, colher e vender no lagar ou temperar para conserva. Lembrei-me do lindíssimo “Os Respigadores e a Respigadora” de Agnès Varda.
O Apregoador tinha uma função muito curiosa, cabia-lhe anunciar em quatro sítios diferentes da vila aquilo que lhe pediam para apregoar, desde um produto que estaria à venda no mercado, um monte ou uma herdade para vender, a realização de um qualquer evento, etc. Este trabalho pioneiro de publicidade e marketing realizava-se a troco de uma oferta por parte do interessado em apregoar.
O Velho Marrafa que em novo ainda andou ao destelo, estranha como as pessoas hoje não ligam a tantas coisas que deixam estragar sem aproveitar. Dói-lhe a alma de ver tanta azeitona a ficar nas árvores sem ser colhida e nós a importarmos azeite. Também a mim mas acho que se chama evolução.

domingo, 15 de novembro de 2009

ATÉ QUANDO?

À medida que desfila aos nossos olhos o país político não consigo descrever com exactidão que sentimento me passa pela cabeça, vergonha, tristeza, revolta, indignação, indiferença resignada, etc. Provavelmente um pouco de tudo isto. Já não nos conseguimos surpreender com o que todos os dias nos entra em casa.
Do meu ponto de vista, já o tenho referido, a partidocracia que se instalou em Portugal levando a que os partidos, através dos respectivos aparelhos e consoante o calendário tomassem conta do país, minou dramaticamente a estrutura ética de uma democracia que estava ainda em maturação. A agenda dos partidos e os respectivos interesses, institucionais ou pessoais, sobrepõem-se despudoradamente ao bem comum.
Tal cenário não parece facilmente modificável pois, obviamente, os partidos capturaram o quadro normativo que regula a actividade política e, por isso, sendo parte do problema dificilmente serão parte da solução. Veja-se os casos recentes das alterações legislativas sobre o financiamento dos partidos e da falta de vontade política de combater a corrupção exemplificada com o tratamento ao chamado pacote Cravinho.
Os sucessivos casos que têm vindo a público, curiosamente o ultimo chamado Face Oculta, serão, pelo contrário, a face visível de tudo isto. As faces ocultas, muitas mais do que as conhecidas, permanecerão isso mesmo, ocultas, mas com muitos rabos de fora em todos os patamares e áreas da nossa sociedade.
Oiço os politólogos, espécie em proliferação e já quase praga que se juntou aos tudólogos, perorarem sobre o mal-estar da democracia de vários ângulos e com análises sempre muito interessantes mas sempre, do meu ponto de vista, ao lado, como se costuma dizer. Seria necessário um movimento forte da sociedade não alinhada nos aparelhos partidários a exigir mudanças e compromissos éticos às lideranças. É necessário uma militância activa no combate à partidocracia, denunciando, exigindo responsabilidades, a abstenção não chega. A imprensa teria aqui um papel fundamental se parte dela não tivesse também um compromisso mais ou menos evidente com as agendas partidárias.
Quando penso que tudo isto já bateu no fundo, surge algo ainda pior. Até quando?

sábado, 14 de novembro de 2009

UM BOLLYCAO E UMA COLA

Hoje a agenda manda que se atente no Dia Mundial da Diabetes. É uma alternativa possível à inenarrável saga das escutas e do processo Face Oculta mais um retrato do degradante e degradado estado da Justiça em Portugal. Também permite que se não fale do acordo que nos bastidores parece tecer-se entre PSD e PS no que respeita à avaliação de professores, vamos a ver o que fica, isso é que me parece importante.
Voltando à questão da diabetes queria sublinhar algo que me parece fundamental e que aliás já abordei no Atenta Inquietude, os casos de diabetes têm disparado entre as crianças devido à obesidade. Diferentes estudos mostram que 30% das crianças portuguesas terão excesso de peso e 10% desenvolveram um quadro de obesidade.
Começa a emergir alguma preocupação com a qualidade de vida dos miúdos, designadamente no que respeita à alimentação e ao sedentarismo. Somos um dos países europeus que menos se envolve em actividades desportivas e de ar livre, nas escolas só agora começa a verificar-se alguns cuidados com o excesso de alimentação hipercalórica e o abuso de refrigerantes, mas os desequilíbrios são ainda regra.
Numa das circunstâncias em que me referi esta questão e à necessidade de lhe dar uma forte atenção, recebi alguns comentários sobre um eventual e fundamentalista discurso sobre as preocupações da saúde que pode bulir com os direitos individuais.
Continuo na minha, estou a falar de um grave problema de saúde pública que envolve os mais novos e com sérias repercussões na sua vida futura, não é uma intromissão, é um dever.

DÚVIDA

(Foto de João Monteiro)

Toda a gente me diz para eu fazer bem as coisas que vou crescer e ser feliz. Mas as pessoas parecem tristes, parecem infelizes.
Deve ser porque não fizeram bem as coisas.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A ESCOLA NÃO PODE CONTINUAR A ENGORDAR

Fiquei a saber pela Antena 1 que se realiza hoje no Pavilhão Atlântico o I Fórum da Poupança e do Investimento organizado pela Associação das Instituições de Crédito Especializado. Pensei com os meus botões que nos tempos que correm parece positivo abordar tais matérias.
No seguimento da notícia surge então um elemento da Associação organizadora a sublinhar a importância de que estas questões também sejam abordadas com os mais pequenos, alguns, disse a senhora, não fazem a menor ideia de onde vem o dinheiro e que é finito, sendo, por isso importante, aprender a poupar, ou seja, a dar valor ao dinheiro como me explicava o meu pai. Também está bem pensei eu, os miúdos devem estar atentos e informados sobre as questões da vida de todos os dias.
De repente assustei-me, a senhora informou-nos que já foi proposto ao ME a criação no currículo escolar de uma disciplina de “Educação Financeira” para promover literacia financeira (a sério, foi o que ouvi) e informou que está praticamente pronto um manual que tem o acordo do ME e que seguramente estará nas escolas para o próximo ano lectivo.
Devo confessar a minha perplexidade. Até quando pensam inundar as escolas, os miúdos de disciplinas e de manuais? Uma disciplina de "Educação Financeira”? Com esta lógica tudo o que se possa transformar em saber poderia ser objecto de uma disciplina o que não faz o mínimo sentido. Estas questões podem muito bem, aliás devem, ser abordados com os miúdos, por pais e professores mas dispensam a existência de uma disciplina e de um manual.

A HISTÓRIA DO BEM-VINDO

Era uma vez um homem chamado Bem-vindo. O Bem-vindo nasceu numa família que muito desejava uma criança pelo que foi muito bem recebido ao entrar na vida. Foi um gaiato muito bem acolhido e ainda teve a sorte de crescer perto de um avô. O Bem-vindo frequentou um Jardim-de-infância daqueles em que as crianças estão num Jardim com Jardineiras e Jardineiros competentes que acolhem a miudagem com um aconchego que a faz sentir-se bem.
O tempo de escola do Bem-vindo correu serenamente, sem muitos momentos de excelência mas também com poucos problemas, apenas os que são de esperar em tais circunstâncias e idades. Contrariamente ao que acontece a muitos miúdos que se sentem mal na pele que têm e dão notícia desse mal-estar, às vezes de forma bem ruidosa, o Bem-vindo nunca sentiu mais do que as inquietações próprias de quem cresce, ou seja, sentiu-se sempre Bem-vindo. Assim, durante os anos que frequentou a escola foi chegando Bem-vindo aos saberes e aos valores que quando entrou no mundo do trabalho o fizeram sentir tal e qual era, Bem-vindo.
Entretanto, conheceu alguém que lhe pareceu a pessoa com quem queria partilhar a sua estrada. Ao fim de algum tempo de companhia e quando lhe propôs viajarem juntos ouviu, para seu contentamento e sustento, “Bem-vindo”.
Algum tempo depois, Bem-vindo e a sua companheira começaram a achar que a vida seria mais bonita se tivessem à sua beira alguém pequeno de quem cuidar e ajudar a crescer.
Começou aqui, de novo, a história do Bem-vindo, um homem com sorte.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

NÓS POR CÁ

De um olhar breve sobre a imprensa de hoje e com uma pontinha de demagogia que ajuda a sublinhar a mensagem, retirei algumas referências dispersas cuja leitura conjugada pode ser curiosa.
De acordo com o CM e o JN, os cinco maiores bancos portugueses e até Setembro aumentaram os lucros 4,25% o que se traduz em 1403.9 milhões de euros, qualquer coisa como 5.1 milhões por dia. Aqui introduzo uma notinha recordando o que tem custado ao cidadão português cuidar da banca, através da CGD que também, ainda assim, teve lucros.
No Público e no I, o Ministro da Economia afirma que aumentos salariais de 1.5% podem não ser sustentáveis. Este valor aplicado ao salário mínimo, 450 €, significaria o brutal aumento de 6.75 € ao mês.
Por outro lado, o DN refere que, segundo um estudo do Banco de Portugal, aumentou significativamente o número de famílias com mais do que um elemento desempregado, sendo agora de 21%, taxa que vista de uma forma mais fina permite verificar que passa para 40% nas famílias de menores recursos amplificando assim fortemente o risco de pobreza.
Curiosamente, o I apresenta um estudo sobre as intenções de consumo no próximo Natal concluindo que os consumidores portugueses inquiridos (de que não conhecemos o perfil) pensam gastar em média 390 € com presentes, jogos, livros e roupa e sapatos, os presentes mais referidos. Mais interessante é a previsão de gastar em média e no total da época natalícia cerca de 620 €. Como termo de comparação, os consumidores luxemburgueses prevêem gastar 1150 € e os holandeses, mais dados às poupanças, 400 €.
Tentei reflectir e interpretar a realidade de que estes dados são indicadores, mas sinto a maior das dificuldades. Alguém tem ideias?

COMPOSIÇÃO SOBRE O SUSTENTO

O Sustento é muito importante. A minha avó Leonor dizia que eu seria um homem quando ganhasse o Sustento. Há homens que não ganham o Sustento, estão desempregados, por isso a vida fica difícil, às vezes insustentável. Há muitos Sustentos. Há Sustentos para o corpo, Sustentos para a cabeça e Sustentos para o coração. Precisamos destes Sustentos todos.
Há muitas pessoas que não têm estes Sustentos. Falta-lhes os Sustentos para o corpo que, como sabem, são muito variados. Existem pessoas que vivem sós e não têm o Sustento que as outras pessoas dão. A minha avó Leonor quando vivia só, quis fazê-lo até quase ao fim, dizia que os netos eram o Sustento dela. E também há pessoas que não encontram em si o Sustento de que todos precisamos vindo de dentro para nos sentirmos melhor para fora.
O Sustento também é muito importante para os miúdos. Precisam de adultos à sua beira que os sustentem, com os Sustentos todos. Precisam de pais que sejam um Sustento. É engraçado que quando os pais são bons Sustentos para os filhos, estes também são Sustentos para os pais. Por isso é que a minha avó Leonor se sustentava dos netos.
É bom não esquecer que os miúdos também precisam de professores que sustentem o saber de que necessitam para, lá continuo a citar a avó Leonor, quando crescerem terem e serem um Sustento.
O Sustento é mesmo uma coisa muito, muito importante, torna-se até insustentável a falta do Sustento.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O ENSINO MANUALIZADO

Dados recolhidos pelo Observatório dos Recursos Educativos junto de pais e alunos revela que 80 % dos pais preferem que os filhos estudem pelos manuais por se encontrar aí reunida a informação essencial e porque os manuais são o “guião de trabalho do professor”. Relativamente aos alunos, 70 % dos inquiridos prefere estudar pelo manual. Quanto aos aspectos negativos dos manuais é referido o preço e o peso aspectos que sendo importantes não são centrais.
Estes dados sublinham uma realidade a que já me tenho referido, uma excessiva manualização do ensino. Apesar da progressiva disponibilização de outras fontes de informação e do acréscimo de acessibilidade através das tecnologias de informação e de outros suportes, a utilização dessas fontes alternativas aos manuais é baixa e pouco valorizada por pais e alunos. De facto, apesar do abandono há já bastante tempo do “livro único” e de uma preocupação, ainda pouco eficaz, com a qualidade dos manuais, predomina a sua utilização e das respectivas fichas e instrumentos como materiais de apoio às aprendizagens e à “ensinagem”. Aliás, nota-se ainda no ensino superior a dificuldade que muitos alunos afirmam sentir quando percebem que não têm um “manual”.
Do meu ponto de vista, a minimização da dependência dos manuais passará, entre outros aspectos, por uma reorganização curricular, diminuindo a extensão de alguns conteúdos, por exemplo, o que permitiria a alunos e professores um trabalho de pesquisa e construção de conhecimentos com base noutras fontes, potenciando efectivamente a acessibilidade que as novas tecnologias oferecem.
É importante caminharmos no sentido de atenuar a fórmula única instalada, o professor ensina com base no manual o que o aluno aprende através do manual que o pai acha muito importante porque tem tudo o que professor ensina.

AS MUDANÇAS E AS NOVAS QUALIDADES

Camões afirmava que “todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades”. A sabedoria popular diria, sempre assim foi, sempre assim há-de ser. Também no nosso mundo se espera a mudança e novas qualidades. Algumas notas sobre as mudanças, ou a falta delas.
A nova equipa do ME mudou a atitude da anterior e, ao que parece, está receptiva a considerar novas qualidades no Estatuto da Carreira e no modelo de avaliação. É uma boa notícia, é preciso mudar o que está mau para que, neste caso, se ganhe qualidade.
Não muda o estado calamitoso da administração do sistema de justiça em Portugal. Agora temos uma despudorada troca de argumentos e meias palavras entre o Procurador-Geral e o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça sobre as gravações a Armando Vara que envolvem Sócrates. A mudança seria urgente e a falta de novas qualidades é gritante.
No último ano, por cada dois casamentos verificou-se um divórcio, o abaixamento da natalidade mantém-se ao nível do crescimento negativo ou perto disso, os casamentos pela igreja diminuíram muito significativamente, prepara-se legislação sobre o casamento entre pessoas do mesmo género, estará em discussão a adopção por casais homossexuais, a legislação sobre o testamento vital está na agenda, somos o país da UE em que a população envelhece mais depressa. Tudo isto evidencia as novas qualidades de um mundo em mudança.
Do meu ponto de vista, as novas qualidades que a mudança do mundo traz, umas mais positivas, outras bem negativas, exigem também mudança e novas qualidades na definição das prioridades políticas, na forma de fazer política, nos modelos de desenvolvimento económico e de organização social, etc. Aqui, lamentavelmente, a mudança é quase nula e as novas qualidades, frequentemente, são velhos defeitos.

A HISTÓRIA DO MARGINAL

Era uma vez um rapaz chamado Marginal. Era dos mais conhecidos na escola onde andava. Toda a gente falava do Marginal. Uns professores afirmavam que o Marginal não era como os outros alunos. Vinham alguns outros e diziam que ele não se comportava como os outros colegas da mesma idade, mostrava atitudes bizarras, achavam. Alguns professores referiam que o Marginal tinha gostos diferentes, ou gostava de músicas um bocado estranhas, ou andava com um visual também diferente ou, nas poucas vezes que se dispunha a participar em discussões nas aulas, as suas ideias eram também afastadas das dos seus colegas. No fundo, olhavam-no assim como a alguém que não é dali.
Os colegas dividiam-se sobre o Marginal. Alguns não gostavam do Marginal porque, diziam, era diferente e esquisito. Ao contrário, havia colegas para quem o Marginal era um tipo fixe, achavam-lhe piada e até sentiam uma pontinha de inveja de algumas coisas que viam no Marginal.
Neste universo e sem surpresa, o Marginal também se sentia um pouco do lado de fora e acabava por viver mais no seu mundo do que no mundo em que toda a gente habitava.
Curiosamente conhecia-se muito pouco do Marginal. Apenas se sabia que era de uma espécie de bairro pequeno e ignorado chamado À Margem onde, aliás, vivem quase todos os Marginais.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

SEM FACES OCULTAS

A última legislatura na educação ficou marcada pela crispação e clima instalados nas escolas através da imposição de uma inaceitável e inadequada divisão dos professores e de um modelo de avaliação que tem tanto de imprescindível como de incompetente.
Neste contexto, como frequentemente tenho afirmado aqui no Atenta Inquietude, a mudança é não só necessária como urgente.
No entanto, mais do que discussões de natureza semântica em torno se deve suspender ou mudar, o que me parece fundamental é que se construa. Que se construa um modelo de carreira que discrimine positivamente o mérito e corrija ou elimine a falta de qualidade. Que se construa um modelo de avaliação ágil, pouco burocratizado e eficaz, existem exemplos e conhecimentos que o permitem.
Parece-me também importante que se assegure equidade para todos os professores face ao atribulado e desigual processo de avaliação que, no que já foi realizado, se desenvolveu de formas diferentes em diferentes escolas.
Finalmente, como sempre tenho afirmado, parece-me fundamental que todos os intervenientes neste processo agora em desenvolvimento, chamado negocial, negoceiem sem faces ocultas, ou seja, que façam um esforço para não envolverem a agenda político-partidária. Que se negoceie de acordo com um desígnio de qualidade nas escolas públicas, de pacificação das escolas e de promoção e protecção do mérito e da competência.

A HISTÓRIA DA CRIANÇA FECHADA

Um dia destes a professora Teresa, de Língua Portuguesa, entrou na biblioteca para deixar os livros que tinha estado a trabalhar nas aulas e encontrou o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros.
Olá Velho, tudo bem contigo e com os teus livros?
Tudo bem e tu Teresa, estás bem?
Sim, olha foi giro, os miúdos, de uma forma geral gostaram deste trabalho e motivaram-se com os livros, eles lêem muito pouco, é preciso insistir e tentar que leiam mais. Mas o Tiago não aderiu muito, não se envolveu e pouco colaborou. Não entendo porquê, ele é uma criança muito fechada.
O que é uma criança fechada?
Ora Velho, estás a brincar comigo? É uma criança que fala pouco, não se envolve com os colegas, nem connosco. Sempre muito no seu canto com um ar um pouco ausente e às vezes até parece triste.
Não estou a brincar Teresa. É verdade que as crianças não são todas iguais, mas sabes que muitas vezes falamos assim de algumas crianças, “é fechada” e isso, julgamos, explica o que lhe observamos. Mas a questão é o porquê dela ser “fechada”. Foi ela que se “fechou”? E fechou-se porquê? Não gostou e assustou-se com o que viu ou sentiu dentro dela? Ou não gostou e assustou-se com o que viu ou sentiu do lado de fora. E se não foi ela que se “fechou” mas foi “fechada”? Quem é que a fechou? E porquê? Estás a ver Teresa, dizemos com muita facilidade que o Tiago é uma criança fechada e continuamos a não saber nada dele. Não fica fácil ajudá-lo a “abrir-se”, a não ser “fechado”.
Velho, se calhar é preciso encontrar uma chave que sirva.
Agora estás tu a brincar, mas é mesmo isso, muitas vezes, se estivermos atentos, consegue-se perceber qual é a chave.
Estás sempre com essa ideia de estar atento.
Não conheço melhor forma de perceber o que se passa com os miúdos mas, para complicar, é difícil ensinar ou aprender a estar atento.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

NEM ÀS PAREDES CONFESSO

A Faculdade de Medicina do da Universidade do Porto vai levar a cabo um estudo sobre violência doméstica, designadamente avaliar o impacto sobre a saúde mental e física das vítimas. Através da acção dos médicos de família procurar-se-á saber conhecer o lado menos visível desse universo, o lado que não aparece no episódio de violência que acaba na urgência hospitalar. Como é conhecido de muitos outros estudos, os casos revelados de violência doméstica são apenas uma pequena parte do que se admite passar e que não afecta apenas as mulheres. Os responsáveis pelo estudo admitem naturalmente que o mesmo permitirá caracterizar melhor a realidade. Este melhor conhecimento da realidade possibilitará, creio eu, que se desenhem estratégias preventivas mais eficazes, designadamente no âmbito dos programas educativos e de comportamentos saudáveis junto de adolescentes e jovens.
Parece-me também de registar a intenção de desenvolver um estudo semelhante mas direccionado para a violência dirigida a crianças de cujos valores também apenas se admite conhecer uma pequena parte.
A grande questão é se se conseguirão criar as circunstâncias de protecção e acolhimento que coloquem as vítimas suficientemente confiantes e disponíveis para formalizarem e revelarem as situações, frequentemente, terríveis em que passam parte da sua vida.

EU SEI O CAMINHO

(Foto de Luís Sarment0)

Às vezes, por eu ser pequeno, pensam que não sei o caminho, mas sei. O que eu preciso é que me ajudem a fazê-lo, a levantar-me quando tropeço ou a subir algum degrau mais alto.

domingo, 8 de novembro de 2009

NÃO COMPLIQUEM

O Público apresenta hoje um trabalho sobre o comportamento dos portugueses que me impressionou. Acho notável o esforço de teorizar sobre uma espécie de “depressão pós-eleitoral” que estará a afectar o bom povo português levando-o a debater pouco a crise. É certo que, felizmente, o psicólogo opinante ainda não vê necessidade de acompanhamento terapêutico. Se já somos um dos países com maior consumo de anti-depressivos, tratar este pessoal todo seria coisa séria. Um outro opinante entende que a percepção de que a crise é importada contribui para inibir o debate.
Com o maior respeito pelas opiniões dos especialistas inclino-me mais a pensar que a partidocracia instalada leva a que coisa política circule pelo interior dos aparelhos partidários e respectiva clientela. A comunicação social, na maior parte dos casos, reflecte e amplia as agendas políticas dos interesses partidários, basta ver o clube dos opinadores nos diversos órgãos de comunicação social, sempre os mesmos e com o mesmo discurso.
Este cenário tem levado a um progressivo desinteresse e desmotivação da participação cívica e envolvimento dos cidadãos o que se traduz, por exemplo, no aumento sistemático da abstenção.
Por isso, não compliquem, o povo está é cansado “destes gajos todos”, temos dificuldade em perceber um rumo e, sobretudo, em sentir confiança nos rumos que nos tentam vender.
Não é um problema da saúde mental dos portugueses, é um problema da saúde da democracia portuguesa.

O TEMPO DA AZEITONA

É tempo de apanhar a azeitona no meu Alentejo. O lagar da vila já abriu e agora toca a apanhar. O mestre Zé Marrafa foi adiantando serviço e já lá vão 962 kg. Este é um ano bom de azeite, compensa o do ano passado que não deu para entregar um quilo que fosse para produzir azeite. Assim, depois de ter colhido azeitona que chegue para pisar, retalhar e para conserva agora é para fazer azeite, do bom.
O velho Marrafa tem um entendimento que eu não me atrevo a discutir sobre a apanha da azeitona aqui no monte, simultaneamente procede-se à limpeza das oliveiras. De modo que me transformo num agricultor em apuros, estendem-se os panos, colhe-se a azeitona numa catártica actividade de varejamento, corta-se o que há a cortar nas árvores com a motosserra, ensaca-se e carrega-se no tractor. Depois lá vamos a caminho do lagar para a pesagem e entrega.
O tempo de espera no lagar passa-se nas lérias, hoje até apareceu um bagaço que aqueceu a espera. O tema grande das conversas era o enleio criado sobre a forma como a azeitona seria aceite. Primeiro, não poderia vir em sacas, mesmo sacas limpas e novas. Só a granel nos carros de caixa ou nos atrelados. O pessoal que se tinha preparado com sacas, como eu, protestava, um atrelado podia ter carregado estrume ou adubo e depois trazer azeitona sem problema, eu e os outros companheiros que usámos sacas novas não poderíamos entregar a azeitona. Devem ser as decisões de protecção à lavoura como diz o Dr. Portas, o Paulo.
Como o meu amigo Manel Ilhéu estava no lagar com a sua carrinha de caixa a desenrascar um amigo, já tinha combinado com ele que se não me aceitassem a azeitona sairia do lagar, despejava as sacas para a carrinha dele e voltava a entrar. Mas chegou o bom senso. O engenheiro responsável do lagar depois de consultas telefónicas repôs a possibilidade de entrega da azeitona em sacas desde que de ráfia. Acho bem e lá me safei.
De maneira que nem sei muito bem o que se passou no país e o corpo não se cala a pedir descanso.
Só lá para o fim de Janeiro, quando voltar ao lagar para buscar o azeite novo, com o ambiente quentinho das enormes salamandras que impede o azeite de coalhar e o cheirinho do azeite novo é que me vou esquecer das agruras da apanha da azeitona e que ainda não terminou.

sábado, 7 de novembro de 2009

TODOS TÊM A PERDER MAS, SOBRETUDO, TODOS TÊM A GANHAR

Parece que finalmente o ME se dispõe a analisar a situação que a desastrada PEC Política Educativa em Curso do governo anterior criou. Um dos efeitos mais perversos que essa política implicou foi a instalação de uma opinião pública genericamente desfavorável aos professores, “mérito” da Ministra Lurdes Rodrigues que considerou ter “perdido os professores mas ganho a opinião pública”. Também entendo e já o disse que frequentemente os discursos dos representantes dos professores também contribuem para tal.
Neste quadro, creio que a discussão com o ME deve ser feita com especial atenção e com uma preocupação de clarificar e divulgar junto de pais e restante comunidade a justeza das inquietações e reivindicações dos professores. Nesta perspectiva e considerando que a divisão dos professores em titulares e outros, foi a mais incompetente e insustentável decisão em matéria de política educativa nos últimos anos, esta questão merece especial atenção e inegociável revisão.
Por experiência pessoal, tem-me acontecido que quando explico a pessoas que conheço e que criticam as posições dos professores, a forma e os critérios que estão por detrás da divisão, essas pessoas entendem e aceitam que está obviamente errado. A questão da avaliação é bem mais fácil de resolver, os professores, contrariamente ao que se instalou em parte da opinião pública intoxicada pela PEC querem ser avaliados.
Diria que a divisão da carreira é o pecado original e, também já o referi, estranhei desde o início a relativa tranquilidade com que o Estatuto foi aceite. Parece que só quando se começou a aplicar as pessoas se deram conta da gravidade do seu conteúdo.
Esperemos que haja a lucidez política e o entendimento ajustado de todos os actores envolvidos do quanto está em jogo, a qualidade da educação.

PISAR O RISCO

Quando era miúdo uma das expressões que mais me lembro de o meu pai utilizar era “pisar o risco”. Ele definia com alguma clareza quais eram os riscos que não deveriam ser pisados e com a mesma clareza e assertividade fazia-me perceber e sentir quando um qualquer daqueles riscos estava a ser pisado ou em vias disso. Creio que na generalidade das famílias isto acontecia com maior ou menor animação, por assim dizer.
Actualmente os discursos dos pais, e não só, em torno dos riscos mudaram, em algumas famílias significativamente.
Muitos pais, a grande maioria, vive a sua parentalidade de forma extremamente assustada com os riscos que entendem estar presentes na vida dos filhos. Na verdade, as circunstâncias e modelos de vida e valores actuais justificam parte substantiva destas preocupações pois crianças e adolescentes estão efectivamente expostos a diferentes situações de risco. No entanto, também me parece que se verifica uma hiper-valorização destes riscos que sustenta estilos educativos altamente protectores, pouco estimulantes da autonomia dos miúdos tornando-os, por isso, mais vulneráveis e incapazes de lidar com os próprios riscos que inquietam os pais.
Curiosamente, os pais que fazem um discurso de sobrevalorização dos riscos são também os pais que revelam uma preocupante dificuldade em estabelecer para e com os seus filhos quais os riscos que não se podem, não devem, pisar. Em muitos ambientes familiares os miúdos crescem sem uma definição clara e equilibrada de regras e limites que os ajudem a organizar e regular autonomamente o seu comportamento. Os miúdos precisam de conhecer de forma nítida e sem ambiguidades os riscos que não são para pisar e os pais devem gerir as situações em que “o risco é pisado” com flexibilidade e bom senso.
Quanto mais consistente e claro for este processo mais equipadas estarão as crianças e adolescentes para lidarem com os riscos que os espreitam.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

SÃO PRIORIDADES PÁ

Como é evidente, os problemas de rendimento da equipa de futebol do Sporting, a posição de Paulo Bento e a decisão da administração da SAD têm trazido o país em suspenso e fortemente inquieto. Hoje quase tudo se clarificou. Paulo Bento apresentou a demissão, a administração aceitou e a equipa de futebol começará a render mais, espera-se.
O Jornal Televisivo da RTP1 das 13, na primeira meia hora, dedicou a esmagadora maioria do tempo a esta notícia, incluindo largos minutos na abertura, sem nada de relevante a não ser a informação da saída do treinador e a cobertura em directo e creio que integral da conferência de imprensa. No fim do Jornal a notícia foi ainda retomada por mais algum tempo.
Entretanto, foram passando umas minudências informativas como o termo da discussão e aprovação do programa do governo, os desenvolvimentos da operação Face Oculta, a questão da gripe A, coisas insignificantes de política internacional, etc.
Já aqui tenho dito que sou adepto de futebol pelo que neste discurso não existe preconceito mas não consigo entender a gestão das prioridades informativas, sobretudo ao nível do chamado serviço público. Claro que entendo que se trata de uma notícia e que obviamente caberia no universo da informação desportiva. Mas ouvir durante tanto tempo como primeira notícia a saída de Paulo Bento, as opiniões de variadíssimas pessoas sobre a saída de Paulo Bento, a informação prestada pelo Paulo Bento de que só as “suas senhoras” é que sabiam da decisão, que pretende ser “motorista das filhas e levá-las à escola”, que não está interessado para já em voltar ao trabalho, desculpem, é demais. Como se poderia dizer há mais vida para além do Paulo Bento.

SÓ ESTOU BEM ONDE NÃO ESTOU

Em diferentes circunstâncias lembro-me de alguns dos trabalhos notáveis de António Variações, acho muitas das letras que cantava excelentes retratos de uma sociedade que perdura, no melhor e no pior.
Hoje, ouvi alguns relatos e experiências de vida de algumas crianças e adolescentes e do mal-estar em que vivem. Este mal-estar traz dores, umas vezes mais mansas outras mais ruidosas e lembrei-me de novo do António Variações. Dizia ele em “Estou além” que “Vou continuar a procurar a minha forma, o meu lugar porque até aqui só: estou bem onde não estou …”. Acho lindíssima e feliz esta formulação que espelha muito bem como muitos de nós, sobretudo miúdos a quem falta, por exemplo, um aconchego familiar, se sentem, perdidos e, portanto, à procura.
À procura de si, à procura de outros, à procura de caminhos, à procura de um porto de abrigo, no fundo, à procura do seu lugar.
Esta procura cumpre-se às vezes sem fim, outras com mau fim e a maioria com sucesso, ou seja, cada um vai encontrar o seu lugar.
Enquanto não, só se está bem onde não se está, pelo que nunca se está bem. E nota-se. Nota-se os miúdos que não estão bem, não estão bem na escola, não estão bem em casa, não estão bem consigo, não estão bem com os outros. Só estão bem onde não estão.
Como não acredito no destino, acredito que é possível ajudar os miúdos a procurar o seu lugar. Como sempre, é preciso estar atento. Às dores, mesmo as mansas.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

OS PROFESSORES SÃO MEUS. NÃO, SÃO MEUS.

O Público on-line apresenta um título que me parece extremamente elucidativo de um dos mais fortes constrangimentos existentes sobre a qualidade do sistema educativo português, a apropriação político-partidária dos problemas e das decisões. Diz então o jornal que “PSD e CDS disputam liderança na avaliação de professores”. De facto também me parece que esta questão, como muitas outras, se relativiza aos interesses partidários e não aos interesses de professores, pais e alunos. Nos últimos dias os discursos, ainda com o silêncio da Ministra, mostram interessantes pontes entre o militante do PCP Mário Nogueira e o PSD que assume um discurso extraordinário através de um dos maiores bluffs que perora sobre educação em Portugal, um tal Santana Castilho que com uma tribuna oferecida pelo Público se entretém a preencher a agenda política do PSD com um discurso neo-liberal, composto de meia dúzia de banalidades num estilo trauliteiro e agressivo que vende, mas não tem substância. O CDS também quer ganhar e alia-se ao discurso de Mário Nogueira. Neste cenário inscreve-se o PS que depois da arrogante e incompetente legislação sobre avaliação e Carreira se vê agora entalado no sentido de perder para os outros partidos o controle da situação tentará, naturalmente, ganhar os professores perdidos por Maria de Lurdes Rodrigues e o Bloco não querendo perder boleia, também quer liderar o descontentamento dos professores. É que são muitos como sabem.
Neste quadro, seria interessante tentar ouvir os professores, estou a falar dos professores mesmo, perceber o que se faz em muitíssimos países em matéria de avaliação e organização da carreira e com sentido político, um desígnio de bem comum, promover uma inadiável definição de um competente modelo de avaliação e uma organização justa da carreira dos professores que discriminem o mérito e promovam a qualidade.

A TROCA DE IDEIAS

A evolução dos modelos de organização social, económica e cultural das sociedades conduziu a um progressivo abandono da troca, substituindo-a pela compra e venda. A concepção romântica da troca de produtos, já não passa de isso mesmo, de romantismo, tudo se compra e vende. Não digo isto por entender que deveria ser de outra forma, não vislumbro que pudesse ser de outra forma.
Apenas lamento que até a troca de ideias tenha sido substituída pela venda das ideias. Já é difícil assistir a uma conversa entre pessoas que pensam e sabem alguma coisa do que estão falar sem que os intervenientes assumam a postura de quem está a vender as suas ideias e não, apenas a trocá-las com os outros parceiros. Os debates, jogam-se mais em torno das técnicas de marketing, de venda, das ideias que dos conteúdos das mesmas. Cada vez consigo menos participar numa tertúlia, mais formal ou mais informal, sobre um qualquer tema, mais denso ou mais ligeiro, em que os companheiros de conversa não tentem vender as suas ideias, obrigando-me a comprá-las. Quase sempre encontro pessoas pouco dispostos a trocar as suas ideias com as minhas, experimentá-las, apreciá-las e, se for caso disso, também as usarem ou eu achar que as ideias que me foram apresentadas, não impostas em agressivas e às vezes mal educadas técnicas de convencimento, são interessantes conjugando-as ou substituindo as minhas.
Nas discussões as frases já começam pouco com “que achas?”, “que te parece” ou outra fórmula qualquer que ajude a aceder ao pensamento do outro. Começamos cada vez mais as frases com “É assim”, “Não, isso está errado, deve ser assim” e outras alternativas que apenas servem para apresentar a definitiva e indiscutível ideia.
Este cenário, pouca troca e muita venda agressiva, numa terra de achistas e opinadores profissionais empobrece-nos a todos, menos a alguns iluminados, os que vendem as ideias.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

REFERENDAR DIREITOS?

Uma das expressões que integrou recentemente o léxico político português que me causa alguma estranheza, para não dizer, animosidade, é a conhecida “causa fracturante”. Não entendo muito bem. Uma ideia, uma proposta, uma opinião são por natureza fracturantes, ou seja, não são consensuais para toda a comunidade. Liberdade e democracia são isso mesmo. Só sociedades totalitárias não contemplam a ideia de diferença, de fractura
Vem esta introdução a propósito da intenção de legislar sobre o casamento homossexual que consta do programa do governo, uma ideia fracturante e que já Cavaco Silva considerou na anterior legislatura não ser oportuno enquadrar legalmente. O Presidente entende assim que os direitos das pessoas, que umas têm e outras não, são matéria de oportunidade e calendário.
O CDS-PP propõe um referendo sobre o casamento homossexual antes de uma iniciativa legislativa, posição também subscrita pelo Bispo do Porto que acha que esta questão deve ser objecto de grande debate “sem pressas”. A questão parece-me relativamente simples, se eu tenho o direito consignado de estabelecer um contrato civil, chamado casamento, com uma pessoa de outro género, por que não posso ter o mesmo direito face a uma pessoa do mesmo género? Trata-se uma questão básica de equidade de direitos.
Os direitos não se referendam. A recusa implícita ou habilidosa de direitos a um grupo de cidadãos, a comunidade homossexual neste caso, é que me parece verdadeiramente fracturante.

A HISTÓRIA DO BRINCALHÃO

Durante muitos anos fez parte do nosso grupo um companheiro chamado Brincalhão. Era um tipo fantástico, com ele presente não havia depressão que resistisse. Percebia quando alguém do grupo não estava bem e encontrava sempre a melhor forma de, sem se tornar excessivo, recompor o ânimo mais em baixo.
Disponível para quase tudo, as conversas com o Brincalhão não tinham fim, discutia tudo com um empenho convicto mas sempre com um inultrapassável sentido de humor que só por si justificava a discussão.
Devo confessar que tínhamos alguma inveja do sucesso do Brincalhão junto das miúdas que justificávamos dizendo-lhe que o sucesso advinha de ser um excelente palhaço e as miúdas gostarem do circo. A justificação não era muito boa nem muito inteligente, mas não nos ocorria outra e sempre tentávamos, sem o conseguirmos, proteger a nossa auto-estima porque as miúdas gostavam quase todas do Brincalhão.
Para a realização de qualquer tarefa era importante a colaboração do Brincalhão, ajudava a organizar as dúvidas, a escolher os caminhos e sempre nos ríamos imenso. Era um tipo com uma sensibilidade enorme às injustiças, tinha uma visão quase romântica do mundo e da revolução que se deveria fazer. Com o fino e inteligente humor que o caracterizava minava qualquer discurso mais conservador.
O cumprimento das estradas de cada um levou de mansinho à dispersão do grupo. O primeiro a afastar-se e para muito longe foi o Brincalhão.
Algum tempo depois percebemos todos que tínhamos perdido a pessoa mais séria que conhecíamos.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

QUE FAZER COM O MODELO?

Como era previsível aí está o primeiro grande teste parlamentar. Que fazer com a avaliação de professores? Dando como adquirido que a situação existente é insustentável e inaceitável, trata-se de perceber qual o caminho para a mudança. Um primeiro cenário, mais óbvio, mais pacífico, seria o estabelecimento de uma base de entendimento com algum ou alguns dos partidos da oposição, o CDS já manifestou essa disponibilidade que aliás lhe permite marcar o terreno de liderança de uma oposição responsável. Este cenário obrigaria, do meu ponto de vista, a que o PS se sujeitasse a engolir uma carrada de sapos, ou seja, depois de uma “guerra” instalada na rua e nas escolas, com uma teimosa e arrogante persistência num modelo que pela incompetência e burocracia estava condenado à nascença apesar de algumas modificações, depois de uma actuação crispada a cargo do pitbull Valter Lemos que lhe mereceu um prémio de uma nova Secretaria de Estado, viria ao Parlamento reconhecer que afinal o seu modelo não serve, tanta luta para nada, insustentável para o PS.
O segundo cenário, já anunciado por Jorge Lacão, mais aceitável do ponto de vista do PS, será insistir na ideia de que não se suspende o modelo, de que o que está a ser discutido é o modelo em vigor embora, com toda a disponibilidade, dirão, para afinar, melhorar o modelo. Este caminho tenta passar a ideia de que, por um lado o PS não abdica do modelo, e por outro lado, está interessado num “diálogo” que permita a sua melhoria. Veremos se alguém na oposição quer dar a mão ao PS nestes termos.
Temos ainda um terceiro cenário, o estabelecimento de uma coligação negativa, a oposição entender-se e derrotar a posição do governo. Tal hipótese representaria, creio, o risco de afastamento definitivo de uma hipótese de entendimentos parlamentares e, portanto, uma situação potencial de ingovernabilidade que me parece não interessar, de momento, a ninguém.
Qualquer destes cenários evidencia o que não deveria acontecer e prolongar-se. A educação, tal como outras áreas, deveria estar mais protegida dos interesses político-partidários, um dos seus maiores problemas.

UM RAPAZ CHAMADO SALTADOR

Era uma vez um rapaz chamado Saltador. Está mesmo a ver-se que com um nome destes se tratava de uma pessoa destinada a saltar. Pois foi essa a sua vida, sempre a saltar. Passado pouco tempo de nascer saltou da família pois era negligenciado e maltratado. Saltou para uma instituição onde saltava de técnico em técnico sem se fixar em nenhum e sem ninguém se fixar nele. Aliás, até saltou de instituição devido a problemas na primeira. Entretanto o Saltador foi entregue a uma família de acolhimento de onde saltou porque as coisas não correram muito bem. Voltou a uma instituição e entrou na escola. Sem estranheza, os problemas com o Saltador começaram a acontecer, diziam que o saltador era instável, não se ligava às pessoas, que não se concentrava nas tarefas escolares, enfim, sempre a saltar de um lado para o outro. Nessa escola foi saltando de turma e de professores até que, tinha que ser, saltou de escola e para onde foi tudo recomeçou.
Ao crescer saltou da instituição e foi para casa de uma irmã mais velha que se dispôs a recebê-lo. O Saltador foi-se aguentando na casa da irmã, saltou definitivamente na escola e passou a saltar de trabalho em trabalho sempre precário e sempre a acabar quando começava a saber o que fazer.
Como ninguém gosta de andar só o Saltador encontrou um grupo de gente, tão saltadora quanto ele, e começou uma vida de saltos no escuro. A adrenalina e a tentação do ter facilmente motivaram saltos cada vez maiores.
Um dia, algo correu tragicamente mal e o Saltador deu o último salto da sua curta estrada. Saltou para o outro lado da vida.
Reparem na quantidade de gente que leva a vida saltando, em sobressalto.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

AS MALEITAS DO ENSINO SUPERIOR

O ensino superior em Portugal é, como muitíssimas outras áreas, vítima de equívocos e de decisões políticas nem sempre claras. Uma das grandes dificuldades que enfrenta prende-se com a demissão de uma função reguladora da tutela que, sem ferir a autonomia universitária, deveria minimizar o completo enviesamento da oferta, pública e privada, que se verifica, Um país com a nossa dimensão são suporta tantos estabelecimentos de ensino superior, sobretudo, se atentarmos na qualidade. As regiões e autarquias reclamam ensino superior com a maior das ligeirezas.
Nesta matéria, a falta de qualidade, creio que o próximo trabalho de Avaliação e Acreditação mostrará isso mesmo. Este enviesamento alimenta a formação em áreas menos necessárias e não promove a formação em áreas carenciadas. Tal facto, conjugado com o baixo nível de desenvolvimento do país e com uma opinião publicada pouco cuidadosa na informação, leva a que se tenha instalado o equívoco dos licenciados a mais e destinados ao desemprego, quando continuamos a ser um dos países da UE com menos licenciados, já o disse aqui muitas vezes.
Esta rede e o actual modelo de financiamento leva ainda a que, como sublinhou o reitor da Univ. de Évora, a sustentabilidade económica esteja ameaçada, e não será só o caso desta Universidade.
Uma outra nota, agora sobre o processo de Bolonha que, do meu ponto de vista e já o tenho referido, tem na base um problema económico, ou seja, o financiamento público do ensino superior nos países aderentes e menos uma questão curricular e de mobilidade que se resolveria com alguma facilidade sem se ter alterado a estrutura académica dos cursos, se fosse verdadeiramente essa a questão, outro equívoco.
Neste quadro, seria necessária uma intervenção do Ministério corajosa, sólida e concertada com as instituições para que o modelo de organização, financiamento e avaliação do ensino superior público e privado fosse, como precisa, urgentemente reestruturado. Tal caminho, com algumas dores pelo meio, parece-me imprescindível.

O MEU FILHO PASSA NA TELEVISÃO

O JN apresenta um trabalho interessante sobre a participação de crianças em actividades artísticas, publicidade e televisivas. A lei em vigor obriga a que esta participação, para além da autorização dos pais, obtenha também autorização da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens. De acordo com a Comissão Nacional, verificaram-se 123 pedidos durante um ano passado o que representou um aumento face ao ano anterior.
Olhando apenas para a publicidade e novelas, parece claro que os 123 pedidos de autorização registados constituirão apenas uma pequena parte do número de crianças envolvidas naquelas actividades. Tal situação decorrerá do desconhecimento da lei ou do desrespeito da mesma. Não sendo de crer que os produtores desconheçam o quadro legal respeitante à sua área de trabalho, trata-se de desrespeito o que em Portugal também não parece surpreendente, estamos a falar de valores.
Ora é precisamente no quadro dos valores que se coloca a questão. Em primeiro lugar e desde logo pelo “estatuto social” da actividade. Como bem é referido na peça, o facto de uma criança trabalhar no campo ou no restaurante da família não é visto da mesma forma que uma participação regular na gravação de uma novela. Depois importa considerar a “auto-estima”, de que agora tanto se fala por boas e más razões, dos papás, que se revêem através dos filhos nos míticos “15 minutos de fama” referidos por Warhol. No imaginário de muita gente e na sociedade actual, a imagem, o estrelato, são entendidas como uma via excelente para o sucesso, seja lá o que for, tanto pode ser o Cristiano Ronaldo como a Luciana Abreu, somos um país de “artistas”. Finalmente e não menos importante, as questões económicas, os filhos, mudando as circunstâncias, podem sempre ser uma fonte de rendimento familiar extra.
Será certo que algumas crianças e adolescentes envolvidos nestas actividades não se queixarão, provavelmente, pelas razões acima expostas e porque, para alguns, o seu envolvimento pode ser uma forma de compensar uma escola percebida como uma via mais trabalhosa e menos compensadora de chegar ao futuro.
Como sempre digo, é preciso estar atento.

UM RAPAZ CHAMADO FUTURO

Era uma vez um rapaz chamado Futuro que não é um nome muito vulgar. Este rapaz teve sempre uma vida muito curiosa. Ainda não era nascido e os pais, como quase todos os pais, já imaginavam como ele iria ser, com quem se iria parecer, como iria ser a sua vida, etc.
E desde pequeno se relacionaram com ele na perspectiva do que o Futuro seria. Deveria comportar-se assim para que quando fosse crescido agisse de acordo com o que desejavam. Teria que estudar para ser o homem que eles gostavam que fosse. No fundo, deveria fazer sempre tudo muito bem para que fosse um Futuro perfeito.
Os pais sempre lhe foram indicando que caminho seguir, que coisas escolher, o que estudar, sempre com os olhos num Futuro que não queriam condicional. Escolhiam com quem ele se devia dar e até achavam que deveriam escolher quem deveria acompanhar o Futuro pela vida.
Um dia, para surpresa dos pais e pela primeira vez em toda a sua vida, o Futuro disse que não a mais uma determinação do que ele deveria ser. E disse que não de uma maneira tão forte e com uma tristeza tão ruidosa que os pais se assustaram e ficaram aflitos, muito aflitos.
Não foi fácil mas perceberam finalmente que já não poderiam mais ser pais do Futuro, tinham que ser pais no presente. Perceberam que era no presente que o Futuro precisava dos pais e que teria de ser ele, obviamente, a pensar no Futuro.