Há uns dias, bati com os olhos num trabalho publicado já não me recordo onde, em que alguns pediatras manifestavam preocupação com problemas de coluna que precocemente aparecem em crianças e adolescentes. Estes problemas, afirmavam os especialistas, derivariam de erros e vícios posturais que, pela persistência, promoverão a prazo problemas ameaçadores da qualidade de vida.
Hoje, não sei porquê, recordei-me dessa leitura mas fiquei com sérias dúvidas. Dei por mim a pensar que os problemas na coluna poderão estar ligados ao peso excessivo que muitos miúdos, mais pequenos e maiores, carregam ao ombros e não me estou a referir às mochilas escolares que também não são nada leves.
Estava a pensar no peso da pressão para que sejam excelentes.
Estava a pensar na pressão para que sejam o que não são e da pressão para que não sejam o que são.
Estava a pensar na pressão de viver demasiado só. Estava a pensar na pressão que leva a que, por vezes, só gritando e agitando-se se façam ouvir. Estava pensar na pressão de não conhecer o caminho e sentir-se perdido.
Estava a pensar na pressão de actividades sem fim e, às vezes, sem sentido. Estava a pensar na pressão do depressa e bem.
Estava a pensar na pressão para sejam diferentes e na pressão para que sejam iguais.
Estava a pensar na pressão causada por famílias demasiado distantes ou por famílias demasiado próximas ou ainda por famílias ausentes.
Na verdade, há miúdos que carregam o mundo às costas. Entende-se as preocupações dos pediatras com a coluna dos miúdos.
6 comentários:
Belíssima reflexão professor. Lúcida, sóbria e acima de tudo, psicológica. Gostei particularmente das questões existenciais (de ser isto ou aquilo e não ser isto nem aquilo) a que aludiu.
Mais uma vez, sinto que o que escreve se sintoniza perfeitamente com o que muitas vezes, em conversas com amigos, digo. Impression-me imenso que existam miúdos de 10 e 11 anos, do sexo masculino (do qual ainda se espera que não revelem os seus sentimentos em público) cheguem ao ponto de chorarem na sala de aula por saberem como nota um suficiente.Sei do que falo porque um dos meus filhos esteve durante dois anos (e para mim infelizmente) integrado numa turma de muito bons alunos, mas que, afinal, me parece serem só crianças infelizes. Claro que todos queremos que os nossos filhos tenham sucesso, mas penso que é tão ou mais importante ensinar-lhes que também é sucesso saber não ser o melhor, apoiar aqueles que menos bons do que nós e escolher um a profissão em que possamos dar o melhor de nós, como lixeiro ou como médico. A incutir nos nossos filhos valores destes, não lhes dando espaço para serem crianças, o que podemos esperar do seu futuro?
É também uma parte da minha preocupação
A minha preocupação vai em duplo sentido: seme preocupo com o futuro dessas crianças, fico também algumas vezes (poucas, felizmente) em dúvida quanto ao futuro dos meus. Sendo educados como crianças e sendo-lhes incutido a ideia de que os estudos e o status social não são tudo e nem sequer o mais importante da vida, estarei a prepará-los para conviver e (sobre)viver no meio dos seus futuros pares, treinados para terem a competitividade sempre como prioridade?
Mais uma vez, agradeço a partilha de preocupações.
Caro anónimo, se ajudar os seus filhos a ser gente com a cabeça deles e atentos aos outros, pode esperar isso mesmo, que eles sejam gente com a cabeça deles e atentos aos outros. Não é optimismo excessivo é conhecer muita gente boa (além de "má" gente") e ter a profunda convicção de que os miúdos que estão por vir não estão condenados ao inferno. Apareça sempre
Espero que estejamos certos. Aliás, tenho quase a certeza que sim. Mas as cabeças das mães - que é o que sou antes de tudo - misturam-se sempre com o coração. Voltarei sempre que possível ao blog, embora o tempo para tal seja pouco, porque, embora tenha descoberto oblog há pouco tempo, os posts têm-me sempre entusiasmado. Obrigada por partilhar com os que o lêem o seu pensamento.
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