De vez em quando, a imprensa vai-nos relatando casos de miúdos, quase sempre adolescentes, que saem de casa, aliciados pelos alçapões da net, por reacção a qualquer desconforto, atrás de uma ingénua história de amor ou tentados pela adrenalina de uma aventura.
Quase sempre, felizmente, estas histórias têm final feliz. A mais recente, hoje referida em alguma imprensa, envolveu duas crianças do Porto que foram encontradas a pedir em Vigo, para onde tinham fugido de comboio porque queriam viver juntas. Sem dinheiro e perdidos, estavam, dizia-se na notícia, arrependidos e a querer voltar para casa.
Neste tipo de situações parece-me importante reparar menos no valor facial do episódio e atentar mais no que pode estar a montante da sua ocorrência. Refiro-me ao mal-estar em que muitos miúdos adolescentes vivem, muitas vezes sem que as próprias famílias, professores ou colegas dêem conta. Alguns sinais que possam ser visíveis são, por vezes, desvalorizados e entendidos como "coisas da idade", um equívoco que pode sair caro.
Retomo algumas notas de um texto que há algum tempo poisou no Atenta Inquietude sobre este mal-estar que assombra a vida de alguns miúdos.
Os tempos estão difíceis e crispados para os adultos, seguramente para boa parte dos adultos, e para os miúdos a estrada também não está fácil de percorrer. Alguns vivem, sobrevivem, em ambientes familiares disfuncionais que comprometem o aconchego do porto de abrigo, afinal o que se espera de uma família. Alguns percebem, sentem, que o mundo deles não parece deste reino, o mundo deles é um bairro insustentável que, conforme as circunstâncias, é o inferno onde vivem ou o paraíso onde se acolhem e se sentem protegidos. Alguns sentem que o amanhã está longe de mais e um projecto para a vida é apenas mantê-la. Alguns convencem-se que a escola não está feita para que nela caibam. Alguns sentem que podem fazer o que quiserem porque não têm nada a perder e muito menos acreditam no que têm a ganhar fazendo o que deles esperamos.
Alguns destes miúdos vão carregar para a escola a dor de alma que sentem mas não entendem, por vezes.
Não, não tenho nenhuma visão idealizada dos miúdos, nem acho que tudo lhes deve ser permitido ou desculpado e também sei que alguns fazem coisas inaceitáveis e, portanto, não toleráveis. Só estou a dizer que muitas vezes a alma dói tanto que a cabeça e o corpo se perdem e fogem para a frente atrás do nada que se esconde na adrenalina dos limites.
Espreitem a alma dos miúdos, sem medo, com vontade de perceber porque dói e surpreender-se-ão com a fragilidade e vulnerabilidade de alguns que se mascaram de heróis para uns ou bandidos para outros, procurando todos os dias enganar a dor da alma.
Fico a torcer para que a fuga destes miúdos do Porto até Vigo, seja o primeiro capítulo de uma narrativa bem sucedida.
2 comentários:
Gostei muito do seu blog, cheio de pertinência e conteúdos interessantes. Numa altura em que tantos educadores - pais e professores - se sentem desapontados face ao futuro, é bom ler as suas palavras.
Um obrigada pelos conteúdos que aqui espõe.
Agradeço o seu comentário, vá passando e conversando.
Nós educadores, pais e professores, temos a responsabilidade ética perante os nossos filhos ou alunos de manter a convicção de que terão um projecto de vida que valha a pena viver, mesmo que com momentos difíceis.
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