Desencadeada a enorme polémica em torno do medicamento tentei ficar no meu canto a ver se percebia o quadro. A explicação que me parecia mais evidente e óbvia seria “isto trata-se de dinheiro e poder”. Depois pensei um pouco mais, ia vendo os desenvolvimentos e repensei, “não pode ser dinheiro e poder, estamos a falar do supremo interesso do utente” deve ser outra a explicação. Neste momento continuo sem entender e por isso recorro à vossa ajuda. Vejamos alguns pontos.
O medicamento genérico é mais barato que o de marca. Certo ou errado? Certo, parece.
Quer os medicamentos de marca, quer os genéricos só chegam ao mercado depois de testada a sua qualidade terapêutica e controlados os riscos de efeitos secundários. Certo ou errado? Certo, parece.
Nos outros países a quota de mercado dos genéricos é maior que em Portugal e não se verifica perda de qualidade no apoio terapêutico aos cidadãos. Certo ou errado? Certo, parece.
O estado que comparticipa no preço dos medicamentos adquiridos pelo utente pouparia milhões de euros com a maior utilização dos genéricos. Certo ou errado? Certo, parece.
Os médicos podem optar pela prescrição de genéricos ou de marca. Se fosse uma questão de qualidade, por questões científicas, éticas e deontológicas a questão da opção não se colocava, seria sempre pela qualidade. Certo ou errado? Certo, parece.
Os utentes, sobretudo os de menores rendimentos e os mais idosos poupariam significativamente com a prescrição de genéricos. Certo ou errado? Certo, parece.
Existe uma relação entre a prescrição de medicamentos por parte dos médicos e os apoios à classe disponibilizados pelos laboratórios. Certo ou errado? Certo, parece.
Existem fortíssimos interesses comerciais na produção e distribuição de medicamentos. Certo ou errado? Certo, parece.
O estado não permite que na farmácia se substitua o genérico pelo de marca, gasta mais, o utente também gasta mais apenas porque o médico decide, relembremos que sem ser por exclusivo critério científico pois poder optar significa que a qualidade terapêutica estará assegurada.
Hoje no Público, refere-se que a Ordem dos Médicos está contra a autorização dada pelas pessoas à substituição da prescrição nas farmácias, designadamente pelos genéricos pelo que vai activamente aconselhá-las a não aceitar a alteração. Esta possibilidade de troca assenta na prescrição por princípio activo, modelo em utilização noutros países sem que se conheçam implicações negativas na qualidade da assistência. Estando assegurada a qualidade da resposta e o uso do substância activa prescrita, a necessidade do utente parece assegurada. Certo ou errado? Certo, parece.
Já chega. Estão a ver porque é que continuo a não entender a polémica em torno dos medicamentos.
6 comentários:
Raciocínio lógico e correctíssimo.Pena muita gente não pensar o mesmo ou não pensar sequer...
Considero o seu raciocinio lógico e parcialmente correcto. No entanto, a mim parece-me que esta discussão está enviezada desde início (desde que veio a publico), porque a discussão em si não é genéricos vs marca mas antes troca de genéricos por genéricos.
Ora vejamos:
1º Os genéricos têm de ter a mesma bioequivalência dos "de marca", mas o intervalo aceite é entre -20% a +20, ou seja entre si, os genéricos podem variar 40% de bioequivalência.
2º A fatia da população idosa, por vezes menos letrada é altamente susceptível nas trocas de medicamentos com erros nas tomas dos medicamentos (estou-me só a referir a genéricos). Portanto se a senhora X tomou o medicamento A (azul e branco) durante 5 anos e passa ao B (verde e vermelho), é no mínimo provável/possível que haja dúvidas, trocas ou erros nas tomas.
3º Existem fortíssimos interesses comerciais. Não serão esses interesses muito mais preversos e de estreita ligação entre as farmácias e a indústria ?
4º Os medicamentos passam a rigoroso controlo de qualidade? Sim seleccionados pela indústria.
5º A FDA (Food & Drug Admn) é provavelmente a entidade mundial com mais renome mundial no campo dos medicamentos certo? Então veja este artigo publicado na mais reconhecida revista médica mundial: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp0903870
Nele mostram que apenas cerca de 10-15% das fábricas de genéricos fora dos EUA (cujos fármacos eram vendidos nos EUA)foram inspeccionadas.
6º Se por alguma razão, o tratamento não resultar, é ao farmacêutico que trocou o genérico que o doente vai recorrer?
Sou médico (não prescritor para já) e sou 100% a favor de genéricos, desde que se comece o tratamento com um genérico, se ajuste a dose para que se obtenha o efeito desejado e depois se mantenha esse medicamento (não me importa se da marca A/B/C/D), para se manter esse efeito. Isto é particularmente importante nas doenças crónicas e cuja "margem" seja estreita.
Os farmacêuticos percebem de medicamentos, os médicos percebem de tratamento (e tudo o que isso envolve) o que não é, nem por sombras, equivalente.
"4º Os medicamentos passam a rigoroso controlo de qualidade? Sim seleccionados pela indústria. "
Queria dizer:
4º Os medicamentos passam a rigoroso controlo de qualidade? Sim com lotes seleccionados pela indústria.
Caro Luís Pereira, agradeço os seus esclarecimentos que, como concordará, não são do domínio de um cidadão com baixa literacia científica nesta área. Daí o meu texto, em tom algo irónico, a manifestar o meu "não entendimento" sobre a polémica dos medicamentos.
Tenho absoluta consciência dos enormes interesses comerciais envolvidos e retenho a baixa taxa de mercado dos genéricos no nosso país em comparação com outros países com reguladores e experiência científica ou ainda a prescrição por princípio activo.
Também me levanta reservas a ideia de que o utente decide pois, embora de fenda o princ´pio ético do "consentimento informado" conheço muitas pessoas que ao balcão da farmácia se sentirão incapazes de "decidir" tornando-se, assim, permeáveis a interesses outros, ou seja, o problema que parece inquinar tudo isto, euros)
Mais uma vez, obrigado
Eu é que agradeço o facto de ter bons argumentos e de escrever com racionalidade. Alias comentei no seu blog porque além de racional e irónico, noutros blogs e palcos de comentários/opiniões, o que corria era "ladroes", "corporativistas" etc etc. Nessa onda não alinho.
Devo também reconhecer que tanto a ordem dos médicos, como os sucessivos governos e comunicação social, têm travado "guerrinhas" que por vezes mais parecem birras. Estou me a lembrar das vagas de medicina, a prescrição electrónica e por aí fora. Tudo isto podia ser tratado com a participação dos interessados, com negociação e de forma mais civilizada. Também é verdade que não é assim que de fazem manchetes...
Voltando ao tema, temo que por retaliação ou por medicina defensiva, muitos médicos prescrevam mais medicamentos de marca, isto é, cujo principio activo ainda está protegido por patente ( e não há genérico). Se acontecer, o % de genéricos não vai aumentar, a industria vai pressionar mais para vender os seus novíssimos princípios activos ( apresentando os habituais pseudo estudos que demonstram benefícios) e o utente paga mais. Concordo com o meu bastonário: devia-se fazer um concurso publico para as principais substâncias vendidas, os 3 ou 4 mais baratos eram colocados no mercado e estudados extensivamente e o médico já só teria que receitar por DCI, ganhando mais experiência no "comportamento" dos medicamentos ( que já do eram 3-4).
Obrigado
Caro Luís Pereira, agradeço, de novo, a sua informação, é útil e assim podemos criar massa crítica que não reaja à espuma dos dias, a conversa demagógica, mal informada ou a interesses corporativos de natureza diversa.
Vá passando.
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