Na TVI passou uma reportagem envolvendo testemunhos de pais de crianças e adolescentes com necessidades educativas especiais, sim, necessidades educativas especiais, que referiram experiências muito duras vivenciadas pelos seus filhos em diferentes contextos educativos. Estão ligados ao Movimento para Inclusão Efectiva e referem desde comportamentos discriminatórios e mesmo de maus tratos, falta de respostas, falta de recursos, falta de apoios especializados, etc. Um dos pais refere, “o grande problema é a falta de inclusão, só”.
Lamentavelmente, não é nada de
novo, mas cada situação referida e muitas outras que conhecemos traduzem o que
costumo designar por Lado B da chamada Educação Inclusiva.
Existe um Lado A, o lado das
experiências positivas que também conhecemos e que se desenvolvem em muitas
comunidades educativas, também fazem parte do lado A muitos discursos, quer da
tutela, quer de outra iniciativa, que num exercício de "wishful
thinking" nos falam de que tudo está (quase) bem. Também integra o Lado A um trabalho divulgado em Abril pela OCDE,
“Review of Inclusive Education in Portugal” que, com base numa análise a seis
agrupamentos e a que na altura fiz referência, encontrou “um ambiente
genuinamente inclusivo” e em linha com a apreciação de que a legislação
portuguesa relativa à promoção de educação inclusiva é “das mais abrangentes
dos países da OCDE”.
A grande questão é que existe um Lado
B de que falei acima. Um trabalho da Fenprof relizado em 2022 a partir de
levantamento realizado com a colaboração de direcções de agrupamentos referenciou
múltiplas situações em que o limite de alunos com necessidades educativas
especiais por turma não é cumprido, sendo que em turmas de 1º ciclo com
diferentes com alunos de diferentes anos de escolaridade as dificuldades
agravam-se.
Foi referida a insuficiência e
docentes, de técnicos (psicólogos e terapeutas) e mantém-se a carência de
auxiliares que acompanhem os alunos “dentro e fora da sala de aula”, sendo também
questionado o modelo de funcionamento e financiamento dos Centros de Recurso
para a Inclusão.
Também o relatório da
Inspecção-Geral de Educação e Ciência, “Organização do ano lectivo 2020-2021”,
que aqui referi e realizado 97 escolas ou agrupamentos mostrou que em 30,8% das
turmas de 5º ano com alunos com relatório técnico-pedagógico o limite de dois
alunos por turma não era cumprido. Também 12,4% das escolas avaliadas não
conseguem operacionalizar todas as medidas de apoio definidas nos relatórios
técnico-pedagógicos. As direcções escolares referem a insuficiência de recursos
humanos adequados.
A verdade é que para as crianças
com necessidades especiais e respectivas famílias, área que melhor conheço, a
vida é muito complicada face à qualidade e acessibilidade aos apoios e recursos
educativos e especializados necessários. Como disse, não esqueço os bons
exemplos e práticas que conhecemos, assim como sei do empenho e
profissionalismo da maioria dos profissionais que trabalham nestas áreas.
É verdade que a questão da inclusão, em particular da inclusão em educação, é presença regular nos discursos actuais. É objecto de todas as apreciações, ilumina todas as perspectivas e acomoda todas as práticas, incluindo a “entregação” que manifestamente não promove inclusão, antes pelo contrário. Apesar do bom trabalho que existe e deve ser sublinhado, por vezes, demasiadas vezes, confunde-se colocação educativa, crianças com necessidades especiais na sala de aula regular, com inclusão. Aliás, até a exclusão de muitos alunos da sala de aula e das actividades comuns é frequentemente realizada … em nome da inclusão. E não acontece nada.
O termo está tão desgastado que
já nem sabemos bem o que significa. Insisto em que não esqueço o que positivo
se faz, mas conheço tantas práticas e tantos discursos que alimentam exclusão e
que são desenvolvidas e enunciados ... em nome da inclusão. Tantas vezes me
lembro do Mestre Almada Negreiros que na "Cena do Ódio" falava da
"Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de
Camões".
Não é por muito afirmar a escola
inclusiva que a educação se torna inclusiva, o pensamento mágico tantas vezes
expresso não … não é a realidade.
As pessoas com deficiência e as
suas famílias não precisam de tolerância, não precisam de privilégios, não
precisam de caridade, precisam só de ver os seus direitos considerados. Os
direitos não são de geometria variável cumprindo-se apenas quando é possível.
Este é o caderno de encargos que
nos convoca a todos, todos os anos, todos os dias.
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