quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

BRINCAR E BRINCAR NA RUA

 Enquanto aguardamos a pouco responsável demora da tutela, Ministérios da Educação e das Finanças, em responder ao que de importante está em jogo nos problemas que envolvem os professores, muitos deles envolvem toda a comunidade, umas notas sobre uma outra importante questão no universo da educação, o brincar.

No JN encontrei uma peça sobre como o brincar na rua é uma experiência importante na vida e no desenvolvimento dos miúdos.

Com alguma frequência abordo esta questão e, mais uma vez, retomo umas notas.

Muitas vezes aqui tenho abordado a importância do brincar no bem-estar e desenvolvimento dos miúdos, sublinhando o brincar na rua. Brincar é a actividade mais séria que as crianças realizam, nela põem tudo quanto são e constroem a base de tudo o que virão a ser.

Com as alterações nos estilos de vida e as opções em matéria de organização do trabalho, muitas crianças têm a vida preenchida por um tempo significativo de estadia na escola, chamam-lhe Escola a Tempo Inteiro quando a questão é Educação a Tempo Inteiro, e muitos pais recorrem ainda ao envolvimento dos filhos em múltiplas actividades transformando-as numa espécie de crianças-agenda. Todas estas actividades, a oferta é variadíssima, são percebidas como imprescindíveis à excelência, aliás, muitas crianças são educadas (pressionadas) para a excelência. Promovem níveis "fantásticos" de desenvolvimento intelectual e da linguagem, desenvolvimento motor, maturidade emocional, criatividade, interacção social, autonomia e certamente de mais alguns aspectos que agora não recordo. Assim, as crianças e adolescentes estão sempre envolvidos em qualquer actividade, a quase todas as horas pois delas se espera não menos que a excelência.

Nada disto esquece a importância que, de facto, podem ter algumas actividades, mas apenas sublinhar alguns riscos no excesso.

Os pais, alguns pais, seduzidos pela sofisticação desta oferta, pressionados por estilos de vida que não conseguem ou podem ajustar e com a culpa que carregam pela falta de tempo para os filhos e sem vislumbrar alternativas aceitam que os trabalhos dos miúdos se desenvolvam para além do que seria desejável, eu diria saudável.

Somos dos países da Europa em que adultos e crianças menos desenvolvem actividades no exterior contrariamente, por exemplo ao que se verifica nos países nórdicos. É verdade que esses países têm habitualmente climas bastante mais amenos que o nosso, mas, ainda assim, poderíamos ter durante mais tempo crianças e adultos a realizar actividades no exterior. Por princípio e sempre que possível, a área curricular Estudo do Meio, mas não só, poderia ser também Estudo no Meio.

Muitas experiências, incluindo em Portugal, sugerem múltiplos benefícios para as crianças, desenvolvem maior autonomia, maior consciência ambiental e competências em dimensões como bem-estar emocional, a partilha de emoções, a autonomia, a autoconfiança, auto-regulação, a criatividade ou o pensamento crítico para além, naturalmente dos benefícios mais directamente associados a qualquer actividade.

Embora consciente das questões como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível alguma oportunidade de “devolver” aos miúdos o circular e brincar na rua, ter mais algum tempo as crianças fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã promovendo, por exemplo, níveis de literacia motora frequentemente aquém do desejável.

No imperdível “O MUNDO, o mundo é a rua da tua infância”, Juan José Millás recorda-nos como a rua, a nossa rua foi o princípio do nosso mundo e nos marca. Quantas histórias e experiências muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.

Creio que o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a auto-regulação, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. O brincar, o brincar na rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento, de literacia motora também, e promoção dessa autonomia.

Importa sublinhar a necessidade de controlar um eventual perigo que, ainda assim, é diferente do risco, as crianças também “aprendem” a lidar com o risco.

Talvez, devagarinho e com os perigos e riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias.

É, pois, importante que todos os que lidam com crianças, em particular, os que têm “peso” em matéria de orientação, pediatras, professores, psicólogos, etc. assumam como “guide line” para a sua intervenção a promoção do brincar. E a actividade de brincar na infância não se esgota, longe disso, numa disciplina curricular.

Os mais novos vão gostar e faz-lhes bem.

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