sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

PAIS, FILHOS E PRÁTICA DESPORTIVA

 É com demasiada frequência que se conhecem episódios de violência no âmbito da prática desportiva envolvendo os escalões mais novos, designadamente no futebol, uma paixão que me acompanha desde miúdo e que me incomoda ver assim maltratado.

Parece claro que os sucessivos incidentes não serão alheios ao clima explosivo que se tem vindo a instalar com a prestimosa e esforçada colaboração de dirigentes e “comentadores” promovendo o risco cada vez maior de violência e agressão e acabando definitivamente com a velha fórmula do desporto como escola de virtudes. Torna-se cada vez mais difícil alimentar isto.

Por outro lado, é apenas uma questão de escala, trata-se de mais um retrato de como feias estão as relações entre as pessoas, comunidades ou países.

Parece-me de retomar algumas notas sobre a forma negativa como alguns pais se comportam quando assistem à prática desportiva dos filhos seja em treino, seja em competição. Estamos a falar de desporto e praticado por crianças ou jovens. Lamentavelmente será o espelho de um quadro de valores instalado.

No entanto e sendo isto verdade, é importante também dizer que ainda hoje é o empenho e o voluntarismo de alguns pais que permitem que muitas crianças pratiquem algum desporto em clubes e estruturas muito pequenas e com meios e recursos insuficientes.

Ainda sobre a forma como alguns pais se relacionam com os filhos a propósito da prática desportiva deixo uma cena a que também assisti e que também aqui divulguei que parece elucidativa de uma atitude muito generalizada, lamentavelmente.

Actores principais - Pai e filho com uns 6 ou 7 anos

Actores secundários - A mãe que entre chamadas no telemóvel grita incentivos para o filho

Cenário - uma zona relvada com dois pinos colocados de forma a simular uma baliza.

Assistentes discretos - o escriba

Guião - O pai ensina o filho a dar pontapés numa bola de futebol em direcção à baliza dos pinos

Cena e diálogo (reconstruído a partir de excertos ouvidos pelo escriba)

O pai apontando para uma zona do pé do miúdo que tem botas de futebol calçadas - Já te disse que é com esta parte do pé que tens de acertar na bola, vê se tomas atenção.

O miúdo em silêncio faz mais uma tentativa que não sai muito bem, não acerta na baliza.

O pai - Assim não vale a pena, não fazes como te digo, tens que estar concentrado, (aqui lembrei-me do Futre, um homem concentradíssimo e, certamente por isso, um grande jogador).

O filho - Mas eu dei com esta parte.

O pai - És parvo, se tivesses dado com essa parte a bola tinha ido para a baliza. Faz outra vez.

O miúdo com um ar completamente sofredor executa o que em futebolês se chama o gesto técnico e a bola teimosamente voltou a não sair na direcção desejada.

O pai - Pareces burro, se queres ser jogador de futebol, tens que te aplicar, (será que o miúdo quer mesmo ou será o pai que quer viver um sonho que foi dele e que agora cobra no filho?).

O miúdo, desesperado, sentou-se no chão com ar de quem espera o fim do jogo.

O pai, irritado, mandou a bola para longe com um forte pontapé.

O escriba pensou que se o árbitro tivesse visto, o pai merecia um cartão por comportamento incorrecto.

É isto.

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