quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

DO IMPACTO NA APRENDIZAGEM E DO IMPACTO NA "ENSINAGEM"

 Nos últimos dias têm sido constantes as referências ao impacto que o processo de reivindicação dos professores poderá ter nas aprendizagens dos alunos. Também para abordar esta questão fui contactado por jornalistas da Sábado e do Observador. Uma notas recuperando alguns dos tópicos que abordei..

Sem surpresa e em muitas áreas um processo que envolve a realização de uma greve terá sempre algum tipo de impacto, sendo a percepção e valorização desse impacto uma pressão para a negociação, pressão essa as que entidades em litígio têm de gerir.

No caso mais particular dos professores, parece claro que não se realizando o número de aulas previsto algum efeito poderá ter no trajecto imediato dos alunos.

Este efeito potencial é de uma enorme latitude, estará associado, naturalmente, ao número de aulas não realizadas, à idade dos alunos, ao seu desempenho escolar e dificuldades existentes, ao contexto familiar, etc.

Como me parece inevitável, só uma negociação séria e justa ultrapassará a situação de greve. Tenho para mim que os padrões éticos, deontológicos e profissionais dos professores, técnicos e assistentes levarão a que seja realizado um esforço que minimize eventuais fragilidades associadas ao tempo sem aulas que, repito, serão muito diferenciadas.

Por outro lado, também me parece que tem sido menos referido o impacto de décadas de políticas públicas de educação que terão impacto na "ensinagem" e, por consequência, na aprendizagem.

Uma classe profissional maltratada, desvalorizada socialmente e profissionalmente, sem estabilidade e perspectivas de carreira, cansada e envelhecida e com quadros de mal-estar preocupantes mais dificilmente consegue manter e desenvolver o esforço necessário ao ensinar. Este cenário, também pode ter impacto nas aprendizagens, mas é menos referido, por um lado porque os números do sucesso retratam uma realidade que nem sempre nos parece “real” e, mais uma vez, o sentido ético, deontológico e profissional dos professores leva-os, na sua esmagadora maioria, a “dar o litro” na sua parte, a ensinagem.

Ao falar de impacto na “ensinagem”, tal como de impacto da aprendizagem, também se deverão considerar dimensões como recursos disponíveis, humanos (continuam a faltar  professores, técnicos e auxiliares), digitais num tempo em que se proclama a transição digital como “a via”, dispositivos de apoio suficientes e competentes, climas de escola pouco amigáveis e envolventes, uma asfixiante burocracia plataformizada e submersa numa pressão grelhadora que não tem fim e consome tempo e esforço com um retorno baixo na “ensinagem” e, claro, na aprendizagem.

É tudo isto que está em jogo, é tudo isto que urge repensar.

Não podemos dissociar a aprendizagem bem-sucedida da “ensinagem” competente, valorizada, reconhecida, apoiada, atractiva.

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