Um dia destes, numa roda de professores falava-se do Calado, um miúdo daquela escola. As pessoas falavam do Calado porque durante muito tempo aquele miúdo não parecia um Calado, antes pelo contrário, parecia mais um Falador. Estava sempre a interromper as aulas, umas vezes a propósito, outras a despropósito, mas sempre a conversar. Não era fácil conseguir que ele se calasse, encontrava sempre novos argumentos para continuar as discussões e com alguma frequência o comportamento também espelhava a agitação que se mostrava na conversa.
O motivo da discussão entre os
professores centrava-se nas eventuais causas que poderiam explicar as mudanças
que tornaram o Calado num calado.
A maioria das pessoas achavam que
não era fácil explicar, mas mostravam satisfação pelo facto de o Calado tornar
agora o trabalho na sala mais fácil, não interrompendo, não questionando,
mantendo-se no lugar com um ar entre o ausente e o atento, mas quase sempre em
silêncio.
O Professor Velho, o que está
biblioteca e fala com os livros, ia ouvindo e quando a conversa parecia
estabilizar e concluir pelas melhorias do Calado, naquele jeito mansinho disse
que agora é que ele começava a ficar preocupado com o Calado. Disse que quando
os miúdos falam muito podemos esperar que um eventual desconforto ou mal-estar
possam sair por essas falas ou comportamentos. Quando sem razão aparente os
miúdos se calam podemos então esperar que um eventual desconforto ou mal-estar fique
lá dentro, comprimido e a aumentar. Pode até mesmo acontecer que um dia saia de
repente e com violência. Por isso, dizia o Velho, lhe parecia muito importante
tentar que o Calado falasse.
E lá ficou a discussão de novo
instalada.
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