A propósito de uma peça no DN, umas notas sobre o assunto que muitas vezes aqui tenho abordado, os elevados custos da frequência do ensino superior.
Na verdade, apesar da qualificação ser um bem de primeira
necessidade, é muito caro. Este ano lectivo, o número de candidatos a bolsa foi
o maior de sempre.É verdade que subiu o número de estudantes que entrou este
ano no ensino superior e se verificou a perda de rendimento de muitas famílias em
consequência do impacto económico e social da pandemia.
No entanto, apesar destas dimensões poderem constituir
alguma justificação creio que importa não esquecer uma questão de natureza
estrutural, estudar no ensino superior é muito caro em Portugal. Também a
recente alteração do regulamento de atribuição de bolsas não minimizou esta
situação.
Algumas notas começando por alguns dados.
De acordo com Relatório do CNE, "Estado da Educação
2019", a percentagem de alunos que em Portugal acede a bolsas de estudo para
o 1º ciclo está no segundo escalão mais baixo da análise, entre 10 e 24,9%.
Para comparação, Irlanda, Países Baixos estão no intervalo entre 25% e 49,9% e
a Suécia no superior a 75%. Países como Espanha, França, Reino Unido e muitos
outros têm percentagens de alunos com apoio superiores a nós e, sem estranheza,
também maior nível de qualificação.
Em 2018 foi divulgado um estudo já aqui citado, “O Custo dos
Estudantes no Ensino Superior Português” da responsabilidade do Instituto de
Educação da U. de Lisboa, relativo ao ano lectivo de 2015/2016 mostrando que
cada estudante universitário gastou em média 6445€ em despesas como propinas,
material escolar, alojamento ou alimentação. Os alunos de instituições
universitárias privadas têm uma despesa perto dos 10000€ e nos politécnicos
privados o custo será de 8296€. De facto, sendo a qualificação superior um bem
de primeira necessidade para os cidadãos e para o país, é um bem muito caro,
demasiado caro para muitas famílias e indivíduos.
Também dados de um trabalho conhecido em 2018 realizado pelo
Projecto Eurostudent “Social and Economic Conditions of Student Life in Europe”
mostra um extenso quadro das condições de frequência do ensino superior em
muitos países da Europa com base em dados de 2016 a 2018.
Da imensidade de dados disponíveis releva que Portugal é o
quarto país em que as famílias assumem maior fatia dos gastos com a frequência
do ensino superior. Verifica-se ainda uma forte associação entre a frequência
do ensino superior e nível de escolarização e estatuto económico das famílias.
São conhecidas as dificuldades de promoção de mobilidade
social que o sistema educativo português, e não só, atravessa registando ainda
níveis baixos de qualificação e perto de 160 000 jovens que não estudam nem
trabalham.
Recordo que também em 2014 um estudo patrocinado pela
Comissão Europeia em oito países da Europa revelava, sem surpresa, que Portugal
apresenta uma das mais altas percentagens, 38%, de jovens que gostava de
prosseguir estudos, mas não tem meios para os pagar. Espero que a actual
realidade seja mais positiva apesar das dificuldades.
De acordo com o Relatório da OCDE, “Education at a Glance
2015”, os custos da frequência de ensino superior em Portugal suportados pelo
universo privado, sobretudo as famílias, era o mais alto da União Europeia,
45.7%.
Segundo o relatório "Sistemas Nacionais de Propinas e
Sistemas de Apoio no Ensino Superior 2015-16", da rede Eurydice da União
Europeia apenas Portugal e a Holanda cobram propinas a todos os alunos do
ensino superior, sendo também Portugal um dos países com valores de propina
mais altos, mas como a vimos a percentagem de alunos dos Países Baixos com
bolsa é superior à nossa.
Apesar de um abaixamento do valor as propinas no ensino
público, as dificuldades sentidas por muitos estudantes do ensino superior e
respectivas famílias, quer no sistema público, quer no sistema privado com
valores mais altos de propinas, são, do meu ponto de vista, consideradas
frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento
parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem
supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.
A qualificação é a melhor forma de promover desenvolvimento
e cidadania de qualidade pelo que apesar de ser um bem caro é imprescindível.
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