No Público divulga-se um trabalho desenvolvido por investigadores da Universidade de Xangai que concluíram que uma relação autoritária dos pais para com os filhos tem impactos negativos no seu desenvolvimento. O estudo, recorrendo a técnicas de electroencefalografia, evidenciou atraso no desenvolvimento das funções cerebrais em comparação com outras crianças educadas através de estilos parentais menos autoritários.
Ao abordar estas questões prefiro a terminologia “parentalidade
severa" que me parece mais adequada e também usada na literatura e envolve recorrer
com regularidade ao gritar, bater ou outro tipo de comportamento coercivo,
humilhação, além de ameaças físicas e verbais como forma de punição.
A referência ao impacto negativo da parentalidade severa não
é nova, embora seja importante sublinhar nesta investigação as consequências no desenvolvimento de funções cerebrais.
Recordo um trabalho desenvolvido pela Universidade de
Pittsburgh nos EUA divulgado na Society for Research in Child Development em
2017, “Harsh parenting predicts low educational attainment through increasing peer problems”. Considerando diferentes variáveis foram seguidos 1482 alunos
durante nove anos e evidenciou-se uma relação sólida entre o que foi considerado
“parentalidade severa” e baixo rendimento escolar e problemas de comportamento
nas crianças envolvidas nesse “modelo” de educação familiar.
Em 2018 a Academia Americana de Pediatria produziu novas
orientações sobre a parentalidade afirmando veementemente que bater nas
crianças, insultá-las, humilhá-las ou envergonhá-las são comportamentos a
banir.
Um trabalho mais recente de Liz Gershoff divulgado em 2021 é
também elucidativo sobre a mesma questão.
Dados divulgados em 2019 relativos ao Projecto Geração XXI,
do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, que acompanha desde o
nascimento um número muito significativo de crianças na área metropolitana do
Porto, mostraram que 75% das crianças com 7 anos serão vítimas de agressão
psicológica ou castigos corporais em contexto de educação familiar. Cerca de
10% sofreram agressões graves (como bater com cinto ou objecto contundente ou
queimar) com frequência. As avaliações mostram que que impacto na saúde é
significativo, 58% apresentam valores de inflamação elevados, quase o dobro das
que não são vítimas de maus-tratos.
Ainda para lembrar que o Código Penal Português estabelece
desde 2007 no Arº 152 a proibição dos “castigos corporais”.
No trabalho realizado com pais é muito frequente estas
questões serem afloradas assim como é habitual que quando na imprensa se refere
comportamentos menos positivos de crianças ou adolescentes são inúmeros os
comentários e discursos sobre a alegada falência das famílias na definição de
regras e limites nos comportamentos de crianças e adolescentes. Muitos destes
discursos e comentários têm sido acompanhados de referências ao facto de não se
recorrer a umas “palmadas”, à “pedagogia do chinelo” ou outras variações no
mesmo tom, com uns “tabefes” a coisa resolvia-se. Muitas vezes as referências
são mitigadas com o reurso à ideia de “palmada educativa”.
As alusões às dificuldades das famílias ou da escola na
regulação dos comportamentos de crianças e adolescentes podem ser justificáveis,
mas lidar com estas dificuldades através do bater parece-me na
verdade preocupante para além da sua potencial ineficácia. Ninguém pode
garantir que foram ou que são as “tareias” que constroem pessoas de bem.
Confesso que sinto alguma dificuldade em compreender como um
comportamento de violência dirigido a uma criança possa ser algo de educativo.
No entanto e dito tudo isto, também entendo que
comportamentos inadequados ou incompetentes não significam necessariamente que
estejamos perante pessoas, pais, más ou incompetentes.
Todos nós, alguma vez, agimos de uma forma menos ajustada ou
adequada com os nossos filhos e isso não nos transforma em pessoas más,
significa que somos apenas pessoas, que somos imperfeitos, por assim dizer e
para utilizar uma expressão actual.
Assim sendo, creio que devemos ser cautelosos, quer na
defesa da "palmada ou estalada educativa", quer na diabolização
definitiva de pais que numa situação eventualmente esporádica e de tensão
assumem um comportamento de que podem ser os primeiros a arrepender-se.
Esta nota, não branqueadora ou desculpabilizante de nada,
pode não ser particularmente simpática, mas estou cansado, tanto de discursos
de legitimação do efeito "educativo" da violência e outros
comportamentos integrados na parentalidade severa dirigidos a crianças, como de
discursos demagógicos e, por vezes hipócritas, que clamam pelo
"crucificação" cega de uma pessoa, o outro que bate, mas são
produzidos por gente desatenta ou mesmo autora ou apoiante doutros
comportamentos dirigidos a miúdos tão indignos quanto a "palmada"
ainda que menos visíveis.
Finalmente, a experiência mostra-me que muitos pais desejam
ou exprimem a necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas questões.
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