No dia de São Valentim, para além de tudo o que se desenvolve em torno do romantismo do namoro e da menos romântica dimensão de negócio, umas notas sobre o lado B das relações de namoro, a violência nas suas diferentes formas.
Em 2021 a PSP registou 2215 queixas e a GNR 1105 sendo que
cerca de um terço ocorrem até aos 24 anos. Importa ainda sublinhar que boa
parte dos episódios não são objecto de denúncia pelo que os números serão a
ponta do icebergue. Ambas forças desencadearão, mais uma vez, acções de
sensibilização junto da população mais jovem.
O que torna a situação ainda mais complexa é a manutenção
sem grandes alterações destes indicadores ao longo dos anos, incluindo
trabalhos com estudantes do ensino superior, o que talvez ajude a perceber como
a violência doméstica parece indomesticável.
Os dados convergem no indiciar do que está por fazer em
matéria de valores e comportamentos sociais. Acresce qu,e como referi, boa
parte das situações de abuso não são objecto de queixa.
Este conjunto de dados é preocupante, gostar não é
compatível com maltratar, mas creio que não é surpreendente, lamentavelmente.
Os dados sobre violência doméstica em adultos que permanece indomesticável
deixam perceber a existência de um trajecto pessoal anterior que suporta os
dados muitos trabalhos sobre violência no namoro e que se mantêm inquietantes.
Aliás, nos últimos anos a maioria das queixas de violência doméstica registadas
pela APAV foram de mulheres jovens embora seja um drama presente em todas as
idades.
Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem
mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores sociais
presentes em cada época. De facto, e reportando-nos apenas aos dados mais
gerais, é criticamente relevante a percentagem de jovens, incluindo estudantes
universitários, que afirmam um entendimento de normalidade face a diferentes
comportamentos que evidentemente significam relações de abuso e maus-tratos.
Como todos os comportamentos fortemente ligados à camada
mais funda do nosso sistema de valores, crenças e convicções, os nossos padrões
sobre o que devem ser as relações interpessoais, mesmo as de natureza mais
íntima, são de mudança demorada. Esta circunstância, torna ainda mais
necessária a existência de dispositivos ao nível da formação e educação de
crianças e jovens; de uma abordagem séria persistente nos meios de comunicação
social; de um enquadramento jurídico dos comportamentos e limites numa
perspectiva preventiva e punitiva e, finalmente, de dispositivos eficazes de
protecção e apoio a eventuais vítimas.
Só uma aposta muito forte na educação, escolar e familiar,
pode promover mudanças sustentadas nesta matéria. É uma aposta que urge e tão
importante e sublinha a necessidade óbvia de matérias desta natureza serem
objecto de abordagem na educação escolar sendo que não terão de o ser de uma
forma “disciplinarizada”. Não me parece que haja outro caminho.
Entretanto e enquanto não muda, "só faço isto, porque
gosto de ti, acreditas não acreditas?". Não, não se pode acreditar.
Retomo como iniciei. Apesar da natureza e gravidade fora do
comum dos dias que vivemos e para os quais não estávamos preparados, talvez
seja de não esquecer questões como estas que devastam o quotidiano de muita
gente.
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