Manda a liturgia e o quadro legal dos processos eleitorais que o dia anterior à votação seja dedicado à reflexão. Como em outras ocasiões tenho afirmado, não estou muito de acordo com este cenário e enquanto existir aqui me manifesto. Aliás, já se vão conhecendo discursos questionando a sua necessidade.
Do meu ponto de vista e ainda que
pareça estranho, a haver um dia de reflexão deveria ser o dia seguinte.
A decisão em matéria de voto não
exige um dia de reflexão. Aliás, gostaria de saber se existe algum estudo sobre
o peso que o dia de reflexão terá na decisão relativa ao voto.
Em primeiro lugar não julgo
necessário o dia de reflexão antes do acto eleitoral porque não entendo que
essa reflexão influencie significativamente os resultados eleitorais pois, se
por um lado a abstenção tem crescido, deixando cada vez mais o voto no eleitorado
fidelizado, por outro lado, o eleitorado flutuante não decide na véspera,
decide, creio, face a contextos e circunstâncias.
Acresce que esta campanha
eleitoral foi particularmente elucidativa, o que ocupa tempo de campanha tem
menos a ver com os problemas reais das pessoas. Exceptuando alguns dos debates a gritaria, o soundbite, as alterações de discursos como se nada tivesse sido dito, marcaram os últimos dias.
Em segundo lugar, porque na
verdade, em termos de futuro parece ser mais significativo reflectir nos
resultados eleitorais que se verificarem. Estas eleições são um claro exemplo
disso mesmo, por exemplo a partir da votação que receberá a extrema-direita ou
o que indiciarão sobre os acordos que assegurarão a governabilidade.
No entanto e desde já, aproveito
o dia de reflexão para deixar um apelo muito sentido.
Apelo vivamente aos senhores
integrantes da classe política que a propósito das eleições de amanhã se inibam
de elaborar comentários como “queria felicitar o povo português pela forma
tranquila como está a decorrer, ou decorreu, o acto eleitoral”, “quero registar
a normalidade que o povo português evidencia no cumprimento do seu dever
cívico”, “os cidadãos mais uma vez mostram a sua maturidade democrática” ou
ainda “o acto eleitoral está a decorrer, ou decorreu, com toda a normalidade em
todo o território”. Considero afirmações desta natureza um insulto à esmagadora
maioria dos cidadãos eleitores em Portugal. Que diabo pensam de nós, para se
surpreenderem com a “normalidade” do nosso comportamento?
Então não é de esperar que
participar num acto eleitoral, das diferentes formas possíveis, seja algo de normal
e tranquilo?
Lembro-me daqueles pais e
professores que ao falarem de miúdos acrescentam de imediato “e até se portam
bem”, como se o comportamento adequado seja uma surpresa e a excepção. Como se
dizia no PREC, “repudio veementemente tais afirmações”.
Já agora, nós, os cidadãos que
votamos, ou não, com normalidade democrática, gostávamos de poder comentar as
campanhas dos políticos dizendo que tudo decorreu com a elevação, sentido ético
e de esclarecimento normais. Mas não, existem sempre os insultos, a demagogia,
a trafulhice nas ideias e nas promessas, a falta de esclarecimento e debate
sério, etc.
A campanha que ontem terminou
constituiu um autêntico manual. Aliás, achei até que um povo que vota com “normalidade
democrática” e “maturidade cívica” merecia melhor.
A actividade política das
lideranças é que, demasiadas vezes, não decorre com “tranquilidade e maturidade
democráticas”.
Não tratem os cidadãos como gente
incapaz a quem se saca o voto, mas de quem sempre parece esperar-se o pior.
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