O Expresso traz um extenso trabalho sobre uma matéria
extraordinariamente comum mas pouco tratada, os palavrões. Toda a evidência
citada aponta no sentido dos efeitos positivos do recurso aos palavrões em
termos de saúde mental e bem-estar havendo mesmo alguns trabalhos que associam
positivamente o recurso aos palavrões com capacidade cognitiva. Na parte final
da peça aborda-se a questão da utilização dos palavrões pelos mais novos.
Antes desta questão uma pequena nota mais pessoal.
Durante anos procurei explicar todo este conhecimento a muita
gente que me considerava “mal-educado” e sempre me senti incompreendido.
Obrigado aos autores. Mais recentemente, uma das vantagens de chegar a velho, a
inimputabilidade, torna as coisas um pouco mais fácil, já por vezes sinto que pensam algo como “desta idade e como
ele fala” ou é “da idade”.
Por outro lado, também fico preocupado com a quantidade de
génios que passam por muitas das nossas salas de aula cujas tentativas de
promoção da sua saúde mental, inteligência e habilidade verbal não são
valorizadas como deviam, assim como não se valorizam as suas estratégias para
lidar com a ansiedade e o stresse da sala de aula e da aprendizagem
Sempre com a ideia da inovação por que não um Projecto
assente na revolucionária metodologia da "Terapia pelo Palavrão. Era só
mais um e com resultados garantidos. Dizem os estudos.
Voltando agora à questão que muitas vezes os pais me colocam
do uso do palavrão, sobretudo quando as crianças começam a frequentar ambientes
escolar algumas notas
Recordo uma história cá de casa.
Uma vez, depois de terminar umas pinturas realizadas com
marcadores com ponta de feltro, o meu filho, aí por volta dos 5 anos, tentava
tapar um dos marcadores mas a coisa não lhe estava a correr bem e os dedos já
estavam a ficar esborratados. Como reacção ouviu-se um sonoro palavrão,
daqueles que os adultos tentam explicar às criancinhas “que é feio dizer”.
Pai empenhado na boa educação do rebento, “peguei” no
violino e em pianíssimo procurei explicar que aquelas “palavras não se devem
dizer”. O problema é que o gaiato olhou tranquilamente para mim e devolve, “mas
tu dizes a jogar à bola”.
Com o tempo acabou por aprender como todos nós, quase todos,
que as palavras, todas as palavras, podem ser ditas, às vezes até sabe mesmo
bem dizer algumas daquelas que libertam, vocês sabem, mas não devem ser ditas em
todos os locais e em todas as circunstâncias.
É verdade que uma vez numa conversa com professores em que
eu perguntava se qualquer de nós em algum contexto não dizia um palavrão, um
dos professores presentes olhou para mim com um ar tão perplexo quanto
incomodado e assertivamente afirmou "Eu não, nunca". Confesso que
fiquei muito embaraçado, eu digo algumas vezes palavrões, quando posso, e
quando não posso ... penso cada um. Desculpem.
Servem estas histórias para ilustrar a necessidade de que os
processos educativos se centrem num princípio estruturante, a autonomia, ideia
que sistematicamente defendo. Os miúdos devem ser solicitados a tomar conta de
si dentro dos limites e regras que nos compete estabelecer com clareza e
consistência e das quais eles têm uma imprescindível necessidade para crescer
saudáveis.
Não se trata de uma educação para a santidade onde tudo é
perfeito e a transgressão proibida e culpabilizante, mas de uma educação para
valores em que se pretende que os miúdos percebam as regras e os limites imprescindíveis e sejam capazes de
mobilizar os comportamentos adequados aos contextos em que se movem. Não nos
comportamos num estádio de futebol como nos comportamos ao assistir a uma aula,
não nos comportamos num concerto de verão como no cinema, etc., etc.
A questão é que os miúdos, muitos miúdos, parecem crescer
numa desregulação por ausência de limites e regras que os deixa perdidos e sem
referências, entrando frequentemente numa roda livre em que tudo parece normal
e permitido em qualquer contexto.
O problema é que com muitos de nós, adultos, passa-se,
basicamente, o mesmo.