segunda-feira, 7 de abril de 2008

O HOMEM QUE TINHA UMA VIDA CHATA

Era uma vez um Homem. Era cinzento, com um ar entre o triste e o zangado, assim uma daquelas pessoas a quem parece que a vida lhes deve sempre alguma coisa. Tinha um trabalho sem mais interesse do que a sua manutenção, uma mulher chata que depois do jantar, da novela e do ajeitar dos filhos, a frase mais estimulante que conseguia articular era qualquer coisa do tipo “amanhã não te esqueças do pão”. Os filhos, rapaz e rapariga, usavam permanentemente uns auscultadores, barreira para a conversa, pequena que fosse. Os amigos, com quem já pouco se dava, pareciam que também não estavam muito interessados na sua companhia. A família, na sua maioria, era uma lembrança de quando era pequeno, até a pessoa de que ele mais gostava, a irmã, vivia longe. Os seus dias cumpriam-se rigorosamente iguais, com as mesmas rotinas, o mesmo desencanto e a mesma desesperança de quem não acredita, em nada. Mesmo os fins-de-semana eram passados entre a cama e o sofá, sempre com a televisão por perto. Esta vida durou anos e nada se alterou. Na verdade, os filhos cresceram, a mulher e ele próprio envelheceram mas a vida, essa permaneceu como sempre. Um dia, recebeu a notícia de que já se podia reformar. Entrou em pânico.
Naquela terra os reformados tinham uma vida muito chata, mesmo cinzenta, e ele, ele não se sentia preparado.

1 comentário:

Anónimo disse...

Porque, enfim, podemos fugir de tudo, não de nós próprios...


Saudações