Como a realidade não é a projecção dos nossos desejos, a não ser nos discursos de boa parte da nossa classe política, e contém coisas feias, desagraváveis e violentas temos mais um caso de alegados abusos realizados por um médico sobre mulheres internadas e em situação de enorme vulnerabilidade.
Imediatamente me ocorreu o que há meses se passou no Porto. Um médico psiquiatra foi acusado por uma paciente sua, grávida e com um quadro de depressão, de abuso sexual. Em tribunal de primeira instância os comportamentos são dados como provados e o cidadão condenado.
Como é habitual em Portugal, seguiu-se o recurso e o tribunal da relação pronunciou-se pela absolvição do cidadão porque os actos, que continuaram dados como provados, não foram susceptíveis de se considerar violentos.
É inacreditável. É certo que não terão existido agressões físicas muito sérias, a senhora não terá levado uns murros e, muito menos, facadas e tiros. Na verdade, a senhora em situação psicológica vulnerável, estava em acompanhamento clínico devido a depressão, foi só empurrada e pressionada com alguma assertividade, por assim dizer, a práticas que não queria e que certamente não fazem parte da abordagem terapêutica, o chamado acto médico.
Os doutos juízes da relação não vislumbraram sinal de ilícito e decidiram-se pela absolvição. A sua sagacidade e lucidez não lhes permitiu perceber que este foi mais um excelente exemplo da forma como o funcionamento da justiça contribui para a imagem miserável que o cidadão tem de um sistema de justiça em que não confia. Com decisões deste tipo, alguns juízes, do alto da sua impunidade irresponsável, desconhecem o que são princípios éticos e valores que não podem ser hipotecados e branqueados por actos administrativos arbitrários e terroristas ainda que mascarados por uma linguagem indecifrável.
Em quem pode o cidadão confiar se o médico viola mas não bateu e o juiz o absolve porque só violou, não bateu?
Vamos então esperar e saber se este clínico, alegadamente autor dos abusos sexuais, teve a gentileza e dimensão ética para assumir que, como se dizia "numa senhora não se bate nem com uma flor", pode apenas abusar-se. Se assim for, será absolvido.
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