Nesta altura do ano, tal como nos movimentos migratórios, as cidades com ensino superior são invadidas por uma população curiosa, os caloiros. Andam aos bandos pelas ruas, com um ar patético, mascarado de divertido, e enquadrados por uma rapaziada de negro, trajada, como gostam de dizer. É o tempo das praxes aos que chegam ao ensino superior.
Não sei se em resultado de alguns episódios lamentáveis, até com consequências graves do ponto de vista físico o que levou alguns estabelecimentos a "desencorajar" ou mesmo proibiras praxes, se em resultado das escolhas dos próprios estudantes ou em resultado dos esforços do MATA (Movimento Anti-Tradição Académica), parece que as “actividades” de praxe estarão mais brandas do que em anos anteriores. Fico satisfeito, sobretudo se corresponder a decisões assumidas pelos estudantes no seu conjunto e não fruto de ameaças ou determinações da tutela ou da direcção das diferentes escolas, estamos a falar de gente crescida e, espera-se, auto-determinada.
Devo confessar que no universo das praxes académicas pouca coisa me pode surpreender. De forma aparentemente tranquila coexistem genuínas intenções de convivialidade, tradição e vida académica com boçalidade, humilhação e violência sobre o outro, no caso o caloiro.
Apesar dos discursos dos seus defensores, continuo a não conseguir entender como é que, a título de exemplo, humilhar rima com integrar, insultar rima com ajudar, boçalidade rima com universidade, abusar rima com brincar, ofender rima com acolher, violência rima com inteligência ou coacção rima com tradição.
Talvez este discurso seja de um desintegrado, isolado, descurriculado, dessocializado e taciturno tipo que não acedeu ao privilégio e experiência sem igual de ser praxado ou praxar. Desculpem.
6 comentários:
Não poderia estar mais de acordo!Talvez seja também uma desenquadrada,não batizada, não religiosamente casada, nem praxada...
Concordo imenso com tudo o que disse, mas gostava de deixar aqui uma salvaguarda, não fui praxado (não quis) nem praxei, mas gosto de acreditar que o ISPA é uma excepção na regra.
A praxe é cantar a velhotas à janela, andar com os veteranos a percorrer pontos chave de alfama, sem humilhação, sem pretensões de superioridade académica emprestada por um traje, onde o veterano e caloiro é apenas um nome, porque tratam-se como iguais. O caloioro só faz o que quer, se quiser e quando quiser, sem penalizações ou retaliações, discurso aliás muito repetido pelos veteranos. Se um caloiro quiser participar em algo, pode, se quiser parar a meio, pára, se quiser nem participar, não participa e é ajudado e bem-vindo como qualquer outro aluno. Na praxe ispiana os caloiros recebem visitas guiadas no ispa, explicações de como funciona o ispa, onde e como podem recorrer para o assunto x ou y, cafés pagos pelo grupo de veteranos (coisa que choca as outras universidades onde aí sim praxe é sinónimo de humilhação) e padrinhos/madrinhas que se tornam genuinamente amigos e são os primeiros por iniciativa própria a oferecer livros usados e apontamentos.
Repetindo...apesar de concordar inteiramente com tudo o que escreveu, porque eu bem vejo o que são as praxes em volta da cidade universitária, tenho que ressalvar isto: a praxe no ispa é efectivamente diferente.
Caro anónimo, não generalizei nem identifiquei escolas, apenas me referi a comportamentos que me parecem inaceitáveis.
Claro.
Mas compreendo que para outros leitores a generalização é feita facilmente, aliás, é compreensível, quando por esta altura do ano vemos as mais diversas figuras no metro ou nas ruas. Daí a minha ressalva.
pois é, José, de acordo contigo. também tenho dificuldade em ver, na esmagadora maioria dos casos de "praxe" a que assisto, momentos que me pareçam integrativos. tendo a querer sair dali de mansinho, a não ser quando a opressão é demasiado gritante para não intervir. enfim, tenho esperança de um dia ser surpreendido por um outro tipo de praxes. Abraços. António Gonzalez
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