quinta-feira, 30 de novembro de 2023

UM TELEMÓVEL COMO COMPANHIA

 Quando caminhamos para velho tendemos a pensar que o risco de nos surpreendermos com a realidade é menor pois, talvez seja por isso, já vimos muito.

A verdade é que não passa de uma crença, a realidade, no melhor e no pior, não pára de nos surpreender.

Hoje viajámos de comboio para o Alentejo, foi necessário, mas é sempre uma viagem bonita de se fazer, embora dispensasse uma paragem demasiado prolongada numa estação intermédia.

No banco atrás de nós no lado contrário viajavam, presumo, mãe e filho, um gaiato que não teria mais de quatro anos.

Durante toda a viagem até onde saímos, quase duas horas, a criança esteve com um telemóvel na mão e mãe com outro, bem concentrados.

Não demos conta de diálogo entre a mãe e o gaiato, apenas fomos ouvindo o som que os sucessivos jogos do telemóvel da criança produziam.

Ainda me lembro de uma história que aqui contei de numa conversa com pais de crianças a frequentar o pré-escolar, uma mãe me perguntar a que idade eu entendia ser apropriada para oferecer um telemóvel à filha. Perguntei a idade, quatro anos, e, talvez pela minha reacção, a mãe acrescentou qualquer coisa como, muitas crianças da sala já têm.

Já muitas vezes aqui tenho abordado esta questão, o “peso” do uso do telemóvel pelos mais novos e os riscos diversos do excesso de tempo e a desadequação da utilização prolongada.

Importa referir que as preocupações relativas ao uso excessivo de telemóveis ou de tablets e smartphones como “baby sitters” para as crianças, desde muito novas e, frequentemente, sem controlo parental, bem como o também excessivo uso destes dispositivos por parte de adolescentes e adultos contaminando negativamente a sua disponibilidade para os mais novos, não visam diabolizar a sua utilização.

Pretendem apenas que essa utilização obedeça tanto quanto possível a regras de bom senso e adequação e que não corra o risco de substituir a mais importante e potente das ferramentas educativas em contexto familiar, a relação, comunicação, entre pais e filhos e o tempo que as permita.

Acresce ainda que os estilos e circunstâncias de vida actuais são poderosos inimigos do tempo disponível para esta relação o que mais sublinha a necessidade de o usar da melhor forma.

Voltando à situação de hoje, o que se via pela janela apesar do mau tempo, a própria viagem de comboio, histórias ou outro tipo de jogos, poderiam ser alternativas mais interessantes e contributivas para a construção e reforço da comunicação entre pais e filhos que, frequentemente, esbarra no telemóvel que cada um tem na mão.

De qualquer forma, os verdes campos do Alentejo, carregados de água e ainda debaixo de chuva, continuam lindos.

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

É DIFÍCIL SER GRANDE? - OUTRO DIÁLOGO IMPROVÁVEL

- Pai, tenho que fazer um trabalho para a escola sobre ser crescido. Achas que é difícil ser grande?

- Eh Francisco, agora apanhaste-me de surpresa. Acho que nunca pensei nisso, se era difícil ser crescido ... bom, mas acho que não é assim muito fácil.

- Porquê?

- Então Francisco, temos que realizar o nosso trabalho, bem feito, sem faltar e às vezes não corre tudo bem. Precisamos de nos preocupar contigo, de cuidar de ti, cuidar da casa e de todas coisas que é preciso fazer todos os dias, compras, comer, etc. De vez em quando surgem alguns problemas que é preciso resolver, enfim, como vês não parece assim muito fácil.

- Estava a pensar no que tenho que fazer. Levantar cedo todos os dias para ir a correr para a escola, estar lá 9 horas sem sair, a ter trabalhos diferentes quase a cada hora que passa, carregar uma mochila cheia de coisas com livros e materiais para um monte de disciplinas e andar a arrumar e desarrumá-la na troca de salas. Às vezes, passar o tempo nas aulas sem perceber para que serve o que estamos a aprender e, ainda por cima, há coisas mesmo difíceis. Apanhar uma fila no bar para almoçar ou aos intervalos para comer qualquer coisa. Nos dias da ginástica, quase sempre não dá para tomar banho e fico com a roupa toda molhada. Chego a casa tenho os TPC para fazer e os professores nem reparam na quantidade que mandam e no tempo que temos. Depois vêm os testes que é preciso estudar mais ainda e as coisas nem sempre correm bem. Quando estou em casa mal tenho tempo para fazer alguma brincadeira. Olha lá pai, queres trocar? 

terça-feira, 28 de novembro de 2023

A LER, "PENSAR O FUTURO NUM PAÍS QUE DESISTIU DO PROFESSOR, COM O PROFESSOR"

 O texto de Paulo Prudêncio no Público, “Pensar o futuro no país que desistiu do professor, com o contributodos professores", merece reflexão”.

De facto, as políticas públicas de educação nas últimas décadas têm dado um forte contributo para o cansaço, desencanto e desejo de abandono da profissão que se foi instalando em muitos docentes e a baixa atractividade que tem inibido a motivação pela carreira, única forma de a rejuvenescer.

Ser professor no ensino básico e secundário por razões conhecidas e por vezes esquecidas, é hoje uma tarefa de extrema dificuldade e exigência que social e politicamente justifica um reconhecimento e valorização frequentemente negligenciados. Acresce que é uma tarefa desempenhada por uma classe extremamente envelhecida e cansada como tem sido amplamente estudado e divulgado.

Ser professor é e continuará a ser uma das funções mais bonitas e importantes do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente, mas é seguramente uma das mais difíceis e das que mais valorização nas diferentes dimensões e apoio deveria merecer. Não adianta o discurso da “igualdade”, da “justiça” que mascara a essência ética de que nada mais justo e equitativo que o respeito pela diferença. Do seu trabalho depende o nosso futuro, tudo passa pela educação e pela escola.

A valorização social e profissional dos professores em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade. A valorização e reconhecimento passa também pela necessidade de modelos de avaliação justos e transparentes que sustentem, reconheçam e promovam competência e empenho.

Continuo sem entender o que é que neste contexto não se percebe.

domingo, 26 de novembro de 2023

SOS CRIANÇA

 De acordo com dados divulgados pelo Instituto de Apoio à Criança, em 2022, a linha SOS Criança recebeu cerca de 1600 chamadas relativas à saúde mental e maus tratos físicos. Este número quase triplica os pedidos de ajuda de 2019.

O indicador é significativo e está em linha com múltiplos estudos que referem a deterioração do bem-estar e saúde mental de crianças e jovens, mas também de adultos.

Deste quadro resulta a necessidade e urgência de atenção à saúde mental de crianças e jovens ainda que habitualmente a saúde mental seja um parente pobre das políticas públicas de saúde.

Assim, é fundamental que as comunidades educativas tenham os recursos ou dispositivos de acesso a esses recursos que acomodem as situações de vulnerabilidade psicológica e mal-estar. As crianças e adolescentes com necessidades específicas estarão muito provavelmente em situação de risco acrescido.

Crianças e adolescentes são mais resistentes do que por vezes parecem, felizmente. No entanto, importa um ambiente sereno que tranquilize e apoie alunos, professores, pais e técnicos.

É preciso sublinhar que também os professores e todos os que estão nas escolas precisam dessa tranquilidade, valorização e reconhecimento para que possam ter mais bem-estar e melhor ensinem, apoiem e aprendam.

É importante não esquecer que, para além dos recursos, insuficientes, existem circunstâncias de risco para os quais se exigem políticas públicas adequadas.

Contextos familiares vulneráveis são, por exemplo, uma ameaça ao bem-estar e saúde mental de crianças e adolescentes.

Por todo este cenário é crítico que a recuperação no plano das aprendizagens estivesse associada a uma forte preocupação com a saúde mental de alunos e professores com os apoios e recursos necessários.

Uma nota para sublinhar a importância de que os recursos e iniciativas a desenvolver integrem as escolas no âmbito da sua autonomia e não “apareçam” traduzidos numa imensidade de projectos e iniciativas vindas “de fora” como, lamentavelmente, é frequente.

Como cantava o Zeca Afonso, “seja bem-vindo, quem vier por bem”, e como é evidente, registo todas as iniciativas, projectos, experiências de inovação, etc., que possam contribuir para minimizar ou erradicar problemas, mas já me falta convicção no impacto do modelo mais habitualmente seguido.

Com demasiada frequência muitos destes projectos vêm de fora das escolas, as origens são variadas, não chegam a envolver a gente das escolas, esmagada pelo trabalho, burocracia e outros constrangimentos como, por exemplo, assegurar da melhor forma possível o dia-a-dia do trabalho educativo que tem de ser realizado.

Tenho para mim, que não podendo a escola responder a todas as questões que afectam quem nelas passa o dia, poderia, ainda assim, fazer mais se os investimentos feitos no mundo à volta da escola e que lhe vem bater à porta com propostas fossem canalizados para as escolas.

Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados e processos menos burocratizados, as escolas poderiam fazer certamente mais e melhor que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e menos burocracia poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado, o que se verifica poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno.

São apenas alguns exemplos de respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos.

Está em jogo o desenvolvimento escolar e pessoal de crianças, adolescentes e jovens, ou seja, do futuro

sábado, 25 de novembro de 2023

O SILÊNCIO DO CORO DOS ESCRAVOS

 Nos últimos tempos tem emergido um ruidoso, eu diria que de certa forma hipócrita, alarido relativo a uma situação que é de há alguns anos conhecida no Alentejo, mas não só, e que tem vindo, por várias razões, a aumentar, a situação de exploração brutal, condições de habitação degradantes, vitimização por redes organizadas de “tráfico” de mão-de-obra em que se encontram milhares de cidadãos estrangeiros. Nas primeiras levas surgiram muitos cidadãos oriundos de países de leste e mais recentemente de países asiáticos.

A escandalosa e irresponsável política (?!) em matéria de agricultura e ambiente estarão gradualmente a transformar o Alentejo, o Algarve também, num deserto, mas que neste momento alimenta quilómetros e quilómetros de culturas intensivas e depredadoras que para já exigem mão-de-obra não existente no país e a prazo condenarão os alentejanos a viver no deserto. Os responsáveis assobiam para o lado e agora parecem virgens ofendidas face a algo que toda gente conhecia.

Têm sido cada vez são mais frequentes as referências situações inaceitáveis de exploração e maus-tratos como a actual situação relatada na imprensa retrata ainda que também existam em matéria de contratação e protecção algumas boas práticas.

Este cenário, o tráfico de pessoas e a exploração quase escravizante, tal como a fome, é das matérias que maior embaraço pode causar em sociedades actuais e deveria ser algo de improvável no séc. XXI em sociedades desenvolvidas. Parece algo “fora do tempo” e de impossível existência nos nossos países, estamos a falar da Europa. Mas existe e é sério o problema que, como não podia deixar de ser, atinge os mais vulneráveis.

Este negócio, o tráfico e exploração de pessoas de todas as idades, um dos mais florescentes e rentáveis em termos mundiais, alimenta-se da vulnerabilidade social, da pobreza e da exclusão o que, como sempre, recoloca a imperiosa necessidade de repensar modelos de desenvolvimento económico que promovam, de facto, o combate à pobreza e, caso evidente em Portugal, às enormes assimetrias na distribuição da riqueza. Também por isso, são recorrentes as notícias de portugueses usados como escravos em explorações agrícolas espanholas ou redes de contratação de trabalhadores da construção civil para países do primeiro mundo europeu, como o Holanda, Bélgica ou Reino Unido.

Estes tempos são marcados por competição, diminuição de direitos e apoios sociais, pressão sobre a produtividade. Tudo isto é submetido a um deus mercado que não tem alma, não tem ética, é amoral e pode alimentar, sem particulares sobressaltos, algumas formas de escravatura mais "leves" ou, sobretudo em casos de particular fragilidade dos envolvidos, bastante pesadas.

As pessoas, muitas pessoas, apenas possuem como bem, a sua própria pessoa e o mercado aproveita tudo, por isso, compra e vende as pessoas dando-lhe a utilidade que as circunstâncias, a idade, e as necessidades de "consumo" exigirem.

O que parece ainda mais inquietante é o manto de silêncio e negligência, quando não cumplicidade, que frequentemente cai sobre este drama tornando transparentes as situações de exploração ou escravatura, não se vêem, não se querem ver.

Neste universo não conseguimos ouvir o coro dos escravos, não têm voz.

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

QUEM QUER SER PAI NATAL?

 A leitura da imprensa faz parte das minhas rotinas, aliás, é uma fonte significativa de temas para abordar no Atenta Inquietude.

No JN tropecei com uma notícia que me pareceu curiosa e permite tentar esquecer os tempos negros que vivemos e que ocupam a comunicação social.

Ao que se lê, temos o Natal à porta e  está a verificar-se uma preocupante falta de Pais Natal. É verdade, muitas empresas que vivem de forma empenhada o espírito natalício estão a sentir dificuldade em contratar um Pai Natal. A procura está em alta, como se costuma dizer,  e não parece haver interessados num posto de trabalho trabalho tão estimulante como ser Pai Natal.

Será que estamos a deixar de acreditar no Pai Natal?

Então em que acreditar?

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

OS TEMPOS DA ESCOLA

 No Público encontra-se um texto de opinião de Margarida Marrucho Mota Amador, “Semestralidade: sinal de mudança”, sobre a organização do ano lectivo em semestres. Algumas das opiniões expressas levantam-me sérias dúvidas, recorrer à semestralidade “para que as populações escolares acima da média possam ser melhores, dentro do conceito de disciplinas anuais que o currículo do ensino básico acarreta”, por exemplo, sendo outras de considerar.

Neste contexto, umas notas sobre os tempos da escola.

Na verdade, não tenho uma posição fechada sobre a organização do ano escolar em semestres ou em trimestres. Tenho acompanhado as experiências já desenvolvidas organização em dois semestres e as avaliações o que são conhecidas são genericamente positivas, o que não me surpreende pois, se assim não fosse, teríamos um sério problema com esta inovação.

Acontece até que no concelho onde vivo a opção pela semestralidade permite-me ir acompanhando o trabalho escolar dos meus netos.

No entanto e certamente por défice de informação, não conheço e gostava de conhecer, estudos com alguma robustez metodológica que identifiquem com clareza uma relação entre o funcionamento em semestres e a mudança em dimensões identificadas do processo de ensino e aprendizagem.

Por outro lado, as questões que muitas vezes se colocam relativamente à organização por trimestres decorrem do calendário ser “indexado” ao calendário de festas o que cria desajustados desequilíbrios na duração dos três períodos com o potencial impacto nos processos educativos.

Assim sendo, é uma questão que merece reflexão alargada a diferentes actores, estudando experiências de outros sistemas e com o recurso à avaliação do que já foi realizado.

Nesta reflexão deveria estar incluída a discussão dos benefícios ou de eventuais efeitos negativos da criação de uma “pausa” a meio do primeiro período modelo existente em vários países e também no modelo de semestres que melhor conheço.

Creio que seria desejável que pudéssemos reflectir de forma global para os tempos da escola considerando outros aspectos. Nesta reflexão poderia estar incluída a discussão dos benefícios e eventuais efeitos negativos da criação de uma “pausa” a meio do primeiro período modelo existente em vários países.

Para esta reflexão pode ser útil recordar um estudo da rede “EurydiceTime in Europe - Primary and General Secondary Education 2019/20” ou dados do trabalho da OCDE, “Education at a Glance 2019”.

Tal como tem sido mostrado em estudos anteriores os alunos portugueses são dos que têm menos dias de aula no contexto europeu, mas, curiosamente, as horas de aula são mais elevadas que a média, considerando horário curricular e AEC. Os alunos do 1º ciclo os que mais horas de aula têm durante o ciclo, cerca 1200 horas a mais face à média europeia.

Não será fácil o estabelecimento de um consenso sobre a “melhor” organização dos tempos da escola, as comparações internacionais devem ser cautelosas pois as variáveis a considerar são múltiplas, a organização curricular, a realização dos exames, clima ou o parque escolar são algumas das que importa não esquecer e analisar.

No entanto, para além da questão de semestres ou trimestres, do meu ponto de vista, seria interessante reflectir de forma mais global sobre os tempos da escola considerando outros aspectos.

Num país com as nossas condições climáticas, tal como genericamente no sul da Europa, e considerando boa parte do nosso parque escolar, aulas prolongadas até ao Verão seriam algo de, literalmente, sufocante.

Reconhecendo que a guarda das crianças nos horários laborais das famílias é um problema sério e que entendo, também creio que não pode ser resolvido prolongando até ao “infinito”, a infeliz ideia de “Escola a Tempo Inteiro” em vez de “Educação a Tempo Inteiro”, a estadia dos alunos na escola. A “overdose” é sempre algo de pouco saudável.

No que respeita aos tempos escolares já sabíamos, como referi acima, que os alunos portugueses, sobretudo no início da escolaridade, têm umas das mais elevadas cargas horárias. Como bem se sabe, mais horas de trabalho não significam melhor trabalho e os alunos portugueses já passam um tempo enorme na escola. Talvez seja de introduzir nesta equação a variável “áreas disciplinares e currículos”, considerando o número de áreas ou disciplinas, duração das aulas, organização de anos e de ciclos, etc.

Neste contexto, insisto, seria desejável reflectir sobre os tempos da escola com tempo, prudência e participação dos diferentes envolvidos e com base em evidência recolhida em diferentes cenários.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

DELINQUÊNCIA JUVENIL, VIOLÊNCIA E EDUCAÇÃO

 Foi divulgado o segundo relatório intercalar da Comissão de Análise Integrada da Delinquência Juvenil e da Criminalidade Violenta (CAIDJCV), coordenada por Isabel Oneto e integra elementos de diferentes ministérios.
Como se lê na peça do Público, para além do aumento de situações é particularmente preocupante a severidade dos comportamentos, o abaixamento da idade dos intervenientes, a sensação de impunidade percebida, o nível de ocorrências de criminalidade grupal entre jovens entre outras dimensões.
É também relevante a valorização da resposta dada pelos centros educativos em comparação com a colocação dos jovens em casas de acolhimento 
Tenho bordado aqui esta questão, delinquência e violência juvenil, e este relatório justifica que volte a esta matéria começando por recordar alguns dados.
Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna de 2021 verificou-se um aumento de 7,3% do número de ocorrências e no RASI de 2022 de 50,6%. Estes números dizem respeito a factos qualificados como crimes, mas cometidos por jovens entre os 12 e os 16 anos, idade a partir da qual se pode ser responsabilizado por um ilícito criminal. Também a criminalidade grupal cresceu em 2022 (18%) relativamente ao ano anterior, contabilizando 5895 ocorrências, ou seja, mais 11,5% do que as registadas em 2019.
A criminalidade grupal tem gerado uma preocupação crescente pois tem vindo a aumentar, a envolver adolescentes cada vez mais novos e mais raparigas. De acordo com dados da PSP estes grupos são distintos dos gangues, são constituídos por três a trinta elementos, não têm organização estruturada e muitos dos seus elementos têm “insucesso escolar, famílias fragilizadas, percursos desviantes” e as vítimas são também predominantemente jovens.
Mais alguns dados relativos a 2019 considerando a violência nas relações de namoro. Um trabalho de 2020 da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) que envolveu 4598 jovens, do 7.º ao 12.º com idade média de 15 anos, mostrou que para 67% é normal algum tipo de violência e 58% já terá sofrido pelo menos um comportamento de agressão.
Relativamente ao bullying, os estudos em Portugal sugerem uma prevalência entre 10 e 25% e a OMS indica que 1 em cada 3 crianças ou adolescentes será vítima de bullying. No caso mais particular do bullying homofóbico, um trabalho da Associação ILGA Portugal (2018) envolvendo 700 jovens dos 14 e aos 20 anos, refere que 73,6% já sentiu alguma forma de exclusão intencional por parte dos colegas.
Consumo de drogas, dados de 2019. Entre os 13 e os 18 anos aumentou o consumo de drogas não canábis e no grupo de 18 anos aumentou o consumo de canábis. O número de overdoses aumenta há três anos. O consumo de álcool por jovens está a aumentar desde 2017.
Deixem-me insistir em duas ou três notas que retomo de reflexões anteriores.
Os estilos de vida, as exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar.
Creio que já dificilmente se entende que a “família educa e a escola instrói”.
Creio que já dificilmente se entende que a escola forma “técnicos” e não cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas. Aliás, se bem repararem falamos de sistemas de educação e não de sistemas de ensino e ainda bem que assim é.
Creio que já dificilmente se entende que o conhecimento é asséptico. O conhecimento, a sua produção e a sua divulgação, tem, deve ter, sempre um enquadramento ético e não é imune a valores.
Creio que os tempos mais recentes são elucidativos de como a abordagem de matérias como Direitos Humanos; Igualdade de Género; Interculturalidade; Desenvolvimento Sustentável; Educação Ambiental; Saúde; Sexualidade; Media; Instituições e Participação Democrática; Literacia Financeira e Educação para o Consumo; Segurança Rodoviária; Risco, Empreendedorismo; Mundo do Trabalho, Segurança defesa e paz, Bem-estar animal e Voluntariado são fundamentais ao longo do processo de formação de crianças, jovens e adultos.
Nas sociedades contemporâneas um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.
Considerando todo este universo parece-me claro que as matérias integradas na "Educação para a Cidadania" devem obrigatoriamente fazer parte do trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar. Com o mesmo objectivo será importante o desenvolvimento de programas de natureza comunitária envolvendo diferentes áreas das políticas públicas.
Precisamos e devemos discutir como fazer sempre, com que recursos e objectivos, promover a autonomia das escolas, também nestas questões. Por outro lado, não acredito na “disciplinarização” destas matérias, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.
Sabemos que a prevenção e programas de natureza comunitária, socioeducativa, têm custos, mas importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da pobreza, exclusão, delinquência continuada e insegurança.

terça-feira, 21 de novembro de 2023

RETRATOS

 Alguns retratos produzidos pela PORDATA e divulgados na imprensa e que justificam reflexão e, sobretudo, acção.

DN. “Em 2022, havia em Portugal 1,3 milhões de crianças e jovens até aos 15 anos. A maior parte (51%) eram rapazes, 49% raparigas. Em cinco décadas, é uma redução de 46% - quase metade.

Em 2021, 266 mil crianças e jovens (76 mil os quais com menos de seis anos) eram pobres.

Comparando com a média europeia, Portugal era o 11.º país com maior taxa de pobreza entre as crianças e jovens e o 12.º com maior taxa de pobreza nas crianças com menos de seis anos.

Segundo o retrato feito, quanto mais velhas são as crianças e jovens, maior é a taxa de pobreza ou exclusão social (17,6% nos menores de 6 anos, 23,4% entre os 11 e os 15).”

Expresso. “Em 2021, duas em cada dez crianças até aos 15 anos viviam em situação de pobreza. São 226 mil pessoas, das quais 76 mil tinham menos de seis anos. Portugal é o segundo país da União Europeia com menor proporção de crianças e jovens na sua população. Este valor é apenas superado pela Itália.”

Público. ““São situações extremas.” Um quinto das crianças até aos 15 anos vive numa família pobre

Portugal é o país da União Europeia onde mais crianças entre os três e os seis anos passam 30 ou mais horas por semana no infantário. Se, no país, essa percentagem chega aos 87,2%, a média dos países da União Europeia (UE) fica-se pelos 53%.”

Apesar do seu enorme significado, são apenas alguns dos dados.

Daqui a pouco tempo vamos entrar formalmente em campanha eleitoral, aliás, já estamos em pré-campanha. A preocupação com estes indicadores relativamente a crianças jovens deveria obrigatoriamente integrar o caderno de encargos de quem vier a constituir governo. Mas, mais uma vez, não basta que constem de alguma forma nos programas eleitorais, importa que sejam operacionalizados os programas, as iniciativas e disponibilizados os recursos que sustentem a urgente mudança.

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

DO DIA UNIVERSAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA

O calendário das consciências determina que no dia 20 de Novembro se assinale o Dia Universal dos Direitos da Criança assente numa dupla comemoração, a proclamação da Declaração dos Direitos da Criança (1959) e adopção da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

É verdade que nestes 64 anos, pensando sobretudo na realidade portuguesa, muito evoluímos também no que respeita ao universo dos mais novos. No entanto, os Direitos da Criança continuam uma agenda por cumprir em múltiplas dimensões e por muitas e diferentes razões.

Os ventos malinos que sopram e o enorme conjunto de dificuldades que atravessamos apesar de algumas melhorias, ancorados num quadro de valores que tende a proteger mercados e interesses outros que conflituam com os interesses e bem-estar da maioria das pessoas vão criando exclusão, pobreza e negação de direitos. Aliás, é frequente o entendimento de que os direitos devem ser entendidos como sendo de geometria variável, ou seja, dependem da conjuntura económica pelo que os que menos têm também terão os seus direitos diminuídos.

Neste cenário, conforme os estudos e a experiência mostram, os mais novos constituem um grupo especialmente vulnerável. Aliás, recordo uma expressão de Laborinho Lúcio considerando que entre nós e em muitas circunstâncias, os direitos dos menores também parecem direitos menores.

Nesta vulnerabilidade existem três áreas em que me parece que os direitos estão particularmente ameaçados, as crianças e adolescentes em risco de maus tratos, abusos e negligência, a pobreza infantil e o direito à equidade nas oportunidades de acesso à educação de qualidade para todas as crianças, sublinho, todas as crianças.

De uma forma geral, os discursos e a retórica política sempre acentuam a importância destas matérias, mas é preciso ir um pouco mais longe. Por exemplo, dotar as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens dos meios suficientes e qualificados para a detecção e acompanhamento eficaz dos casos de risco, ou caminhar no sentido de diminuir o número de crianças institucionalizadas e sem projecto de vida.

No que respeita ao risco de pobreza, as crianças são sempre o elo mais fraco de uma sociedade com um fosso demasiado grande entre os mais ricos e os mais pobres. As políticas sociais não podem deixar de entender como prioritário, sobretudo nos tempos que atravessamos, os apoios sérios e fiscalizados aos problemas das famílias que envolvem, necessariamente, os mais novos. É o seu futuro que está em causa.

No que respeita à educação, a equidade e o objectivo de que todos atinjam o patamar possível de sucesso educativo e qualificação é o grande desafio. Os discursos políticos nunca esquecem o grande desígnio da educação ou a paixão pela educação. Os preâmbulos dos normativos são excelentes peças de retórica sobre direitos e qualidade.

No entanto, precisamos mesmo de caminhar de forma séria e não tentados pela sedução do sucesso estatístico, para a qualidade dos processos educativos que se traduza nos níveis de qualificação das pessoas (não da simples certificação), na diminuição das taxas de abandono e insucesso, enfim, na construção de projectos de vida viáveis e bem-sucedidos. Muitas crianças e adolescentes com necessidades especiais vêem atropelados os seus direitos a dimensões básicas da qualidade de vida, a educação, por exemplo.

A escassez de recurso de diferente natureza que permitam apoios suficientes, competentes e em tempo útil são constrangimentos grandes que ameaçam os direitos de crianças e adolescentes.

Torna-se imperativo promover a participação e fazer ouvir, escutando, a voz dos mais novos.

Continuamos com uma agenda por cumprir no que respeita ao seu bem-estar

domingo, 19 de novembro de 2023

A HISTÓRIA DO TORTO

 Uma história de Domingo. Era uma vez um rapaz chamado Torto. Desde pequeno que a sua vida foi uma vida difícil. Tinha uma família grande com posses tão pequenas que para ele sobrava pouco, sobretudo bem querer. Quando o Torto esteve no jardim de infância não brincava muito com os outros miúdos, mantinha-se num canto encantado com algum brinquedo que em casa nunca tinha conhecido.

A escola foi desde início algo de complicado, o Torto achava que o mundo dele não era dali, da mesma maneira que as outras pessoas também achavam que aquele mundo não era para o Torto.

Assim foi estando, desesperando, até que a idade o mandou embora da escola sem saberes que o crescessem.

Em grande, o estar não foi muito diferente do que sempre esteve, pequeno. Só, ou acompanhado ao acaso, enganava o fado com sonhos comprados pelo consumo do que calhava.

Aprendeu a viver do que pesava na consciência de uns ou nascia da generosidade de outros.

Cumpre-se assim o destino de quem nasce Torto, tarde ou nunca se endireita.

sábado, 18 de novembro de 2023

MAL-ESTAR, UM NOVO NORMAL?

 Vão sombrios os tempos. No Público divulga-se um inquérito realizado pela Universidade de Lisboa entre Abril e Junho de 2022 abrangendo 7756 alunos dos cerca de 52 000 de todas as faculdades da Universidade mostra alguns dados inquietantes.

Apenas 36,4% dos alunos refere sentir "engagement académico" pelo menos uma vez por semana. A equipa que promoveu o estudo define este quadro como “estado psicológico de bem-estar cognitivo-afectivo positivo".

Mais pesado se torna o cenário se considerarmos que apenas 14,5% diz sentir este bem-estar na maior parte do tempo. No que respeita a indicadores de saúde mental, 15,3% revelam sintomas burnout, 25% dos estudantes revelam níveis severos ou muito severos de stress, 26,4% apresenta níveis de ansiedade e 25,2% de depressão. Desde 2015 aumentaram 300% os serviços de apoio psicológico.

Os dados não são surpreendentes, estão em linha com outros estudos, nacionais ou internacionais, mas são preocupantes, muito preocupantes.

Estamos a falar de faixa etária entre os 18 e os 23 anos, ainda que também tenham sido inquiridos estudantes de doutoramento e estamos a falar de etapa muito relevante no seu percurso de vida.

Partindo do princípio que a maioria frequentará cursos escolhidos que sustentarão a construção de projectos de vida que, seria de esperar numa perspectiva optimista, que podendo ser uma etapa dura e com obstáculos pudesse criar uma imagem de futuro que motivasse e alimentasse um quotidiano de trabalho exigente, certamente, mas vivido com alguma motivação.

Embora a minha relação com alunos do superior seja, actualmente, pouco significativa, há já algum tempo que se poderia perceber alguns sinais de mal-estar.

O que me parece verdadeiramente inquietante é não conseguir vislumbrar como poderemos em tempo útil reverter esta situação e promover ajustamentos, e que ajustamentos, nos cenários de vida destes jovens que são o nosso futuro.

O mal-estar, em todas as faixas etárias, parece ser um novo normal. Que raio de mundo é este?

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

A VIAGEM DO CONDUTOR DO ROLLS-ROYCE

 Em Maio de 2022, no 2.º Encontro Nacional de Autonomia e Flexibilidade Curricular o Ministro da Educação fez uma intervenção de que na altura comentei aqui.

Alguns exemplos, já não é preciso “ir a países longínquos para ver um sistema educativo moderno e contemporâneo” porque “a escola pública portuguesa faz muito e muito bem”.

No mesmo encontro, Amapola Alama, especialista da UNESCO, afirmou "Vocês são o 'Rolls-Royce' dos sistemas de educação. Estão entre os 40 países de topo no mundo da educação"

Também registei que “Temos níveis históricos de abandono escolar precoce, numa redução rápida e sustentada. Temos níveis históricos de sucesso escolar e não fazemos [esse percurso] com o trabalho de menorizar as aprendizagens – fazemo-lo com este mote (…) de sermos cada vez mais exigentes naquilo que é a qualidade das aprendizagens”.

Sim, acabou e cito, “o tempo do currículo toca-e-foge, toma lá hoje, debita amanhã, esquece depois de amanhã”, pois agora as escolas propõem “um currículo muito mais desafiante e ambicioso, em que ensinam não apenas coisas que se aprendem e se sabem, mas também o raciocínio, a resolução de problemas, [a capacidade de] pensar criticamente e de criar”.

Também registei o desagrado do Senhor Ministro, pois “Já chega de pintar um retrato da escola portuguesa que não corresponde à realidade. Parece que andam sempre à procura do que corre mal, ignorando que, todos os dias, nas nossas escolas, há um milhão e 300 mil crianças a aprender e 100 mil professores a ensinar, e que as coisas correm bem”, declarou.

Talvez seja por isto que o condutor do Rolls-Royce tenha sido eleito Presidente do Comité de Políticas Educativas da OCDE a partir de Janeiro e nos próximos três anos.

Com toda a certeza, as Políticas Educativas da OCDE serão muito bem conduzidas.


quinta-feira, 16 de novembro de 2023

INOVAÇÃO, INOVAÇÃO, INOVAÇÃO

 Ao passar pelo blogue do sempre atento João Adelino Santos, Incluso, fiquei a saber que o Conselho Nacional de Educação tinha divulgado um “Referencial para a Inovação Pedagógicanas Escolas”.

Algum afastamento decorrente da aposentação terá levado a que não me dei conta da realização de um Seminário em que o Referencial foi analisado por um conjunto alargado de especialistas e a sua construção também envolveu, cito , “um grupo diversificado de atores – IAVE, DGE, DGEstE, IGEC, diretores de CFAE, Presidente da Confederação da Associação de Pais, diretores de agrupamentos de escolas, coordenadores de projetos de inovação, educadores e educandos.”

Peço desde já desculpa, será conversa de velho e corro o risco de ser injusto, mas, já aqui o tenho referido, cansa a recorrente narrativa da inovação. Por outro lado, e como também já disse, não simpatizo com a insistência sobre a necessidade de inovação em educação ou de uma "nova forma de ensinar".

Mudar algo na forma como se faz não é o mesmo que inovar, fazer qualquer coisa de novo. Nestas matérias, talvez de forma simplista, mas é intencional, penso como Almada Negreiros quando referia na "Invenção do Dia Claro”, "Nós não somos do século de inventar palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século de inventar outra vez as palavras que já foram inventadas”.

Dito de outra maneira, já conhecemos as palavras da educação, apenas temos que ir ajustando o que fazemos com elas.

As escolas são o agora, o presente, e é neste presente que se constrói o futuro. Não existem poções mágicas em educação por mais desejável que possa parecer a sua existência e desafiante a chuva de discursos e projectos de inovação.

Também sei, tantas vezes escrevo e afirmo, que são necessárias mudanças que acompanhem o tempo. As mudanças reflectem-se em dimensões como currículo e organização, práticas e metodologias, autonomia, organização e recursos das escolas, valorização dos professores, etc.

Por outro lado, e como disse, não simpatizo com a recorrente referência à inovação, ao “novo” incluindo alguns discursos da tutela que são velhos de tanta inovação. O desenvolvimento das comunidades exige ajustamentos regulares no que fazemos em matéria de educação e em todos os patamares do sistema, este é que é o grande desafio. Umas vezes melhor, outras vezes com mais sobressaltos, temos feito um caminho importante e muito mais ainda vamos ter que fazer, mas os ajustamentos que decorrem da regulação e avaliação não têm que ir atrás da “mágica” ideia da inovação.

Tal como as crianças que só aprendem a partir do que já sabem, nós também só mudamos a partir do fazemos e do que sabemos. Este processo assenta num processo que deve ser robusto e apoiado de auto-regulação e regulação que envolve actores e estruturas, ou seja, o aluno, o professor, a escola, o ME, o sistema educativo. Dito de outra maneira, a escola do futuro, seja lá isso o que for, constrói-se valorizando e cuidando da escola do presente, como disse acima, o futuro é agora.

Confesso que me preocupam mais os tratos que a escola actual recebe, que a inovação da escola do futuro.

Mais uma vez desculpem o risco de ser injusto, mas já sinto cansaço face à narrativa da "inovação".

terça-feira, 14 de novembro de 2023

EDUCAÇÃO E AUTONOMIA

 O Expresso tem uma peça com o título, “Os ‘pais-helicóptero’ já chegaram à universidade” que tem levantado alguma discussão. Parece estar a verificar-se um aumento significativo da “intromissão” dos pais na vida escolar dos alunos universitários. Contactam professores e funcionários, questionam procedimentos, reclamam avaliações, etc. Algumas instituições de ensino superior já reagem a esta interferência excessiva definindo limitações.

Na peça, são expressas razões para este tipo de comportamento de muitas famílias acentuando a imaturidade ou falta de autonomia dos jovens que ingressam no ensino superior.

Na verdade, e muito antes da idade de entrada no superior, a questão da autonomia na educação e desenvolvimento de crianças e jovens é fundamental e muitas vezes aqui e em trabalho com pais a tenho abordado.

Talvez, carregando na tinta, se possa afirmar que se tem verificado uma trajectória em que crianças e jovens parecem adquirir cada vez mais conhecimentos, mas parecem menos independentes e autónomos.

De há muito e sempre que penso ou falo de educação me lembro de um texto de Almada Negreiros em que se afirma "... queria que me ajudassem, para eu não estar assim, para que fosse eu o dono de mim, para que os que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de si! ...". Este enunciado ilustra, do meu ponto de vista, a essência da educação, seja familiar ou escolar, em qualquer idade.

Sem acreditar na educação perfeita, nem na criança perfeita, acredito num princípio fundador da educação familiar e escolar, a promoção da autonomia e da auto-regulação desde bebé, sim desde bebé, até …  sempre.

De facto, o que se pretende num processo educativo será a construção de gente que sabe tomar conta de si própria da forma adequada à idade e à função que em cada momento se desempenha. Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", no fundo, a velha ideia de "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".

Parece-me fundamental que adoptemos comportamentos que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens. No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das sociedades, questões de segurança, por exemplo, estamos a educar os nossos miúdos de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua autonomia. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia. É neste contexto que devem ser colocadas, trabalhadas e decidas as dúvidas sobre o que criança, adolescente ou jovem pode ou não fazer só.

Por outro lado, crianças e jovens são permanentemente bombardeados com saberes e actividades que serão obviamente importantes para o seu desenvolvimento e para o seu futuro, mas, ao mesmo tempo, continuam “miúdos”, pouco autónomos, pouco envolvidos nas decisões que lhes dizem respeito cumprindo agendas que lhes não dão margem de decisão sobre o quê e o porquê do que fazemos ou não fazemos. Acabam por se tornar menos capazes de decidir sobre o que lhes diz respeito, dependem da "decisão” de quem está à sua volta, companheiros ou adultos.

O que se pretende num processo educativo será a construção de gente que sabe tomar conta de si própria da forma adequada à idade e à função que em cada momento se desempenha. Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", em casa, na rua ou na escola.

Um exemplo, para clarificar. Um adolescente não habituado a tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente dirá não a uma oferta de um qualquer produto ou um a convite de um colega para um comportamento menos desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos companheiros da mesma idade. Numa sala de aula é bem mais provável que um adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.

Só crianças, adolescentes e jovens autónomos, autodeterminados, informados e orientados sobre os riscos e as escolhas serão mais capazes de dizer não ao que se espera que digam não e escolher de forma ajustada o que fazer ou pensar em diferentes situações do seu quotidiano, na sala de aula, no bairro ou em casa. Este entendimento sublinha a importância de em todo processo de educação, logo de muito pequeno, em casa e na escola, se estimular a autonomia e auto-regulação dos miúdos. É que se eles não tomarem bem conta se si passaremos, pais e professores, boa parte do tempo a "tomar conta deles" e ... muitas vezes não conseguimos.

Creio que este entendimento está pouco presente em muito do que fazemos em matéria de educação familiar ou escolar e para todos os miúdos.

Todos beneficiariam, os mais novos e os adultos.

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

A NÁUSEA. OUTRA VEZ

 A informação é, reconhecidamente, um instrumento de cidadania absolutamente imprescindível, sou dos que ainda conheceu a censura. No entanto, também não posso esconder a inquietação e a náusea provocada por tudo o que vai sendo conhecido, afirmado e promovido como se fosse informação. É insustentável.

Nas redes sociais pode encontrar-se através de escrutínio severo alguma informação, mas predomina o pântano, mas, bem mais grave e preocupante do meu ponto de vista, é uma imprensa, boa parte dela, que, sustentada em agendas variadas, também alimenta esse pântano.

Ainda temos, e é grave que assim seja, o pântano em que se atolam lideranças de diferentes sectores e entidades com afirmações e comportamentos que, para além de muitos deles nos lesarem, ainda destratam a inteligência, a ética ou a cidadania.

A náusea atinge-nos quando muita desta gente se afirma de consciência tranquila. Na verdade, imensas figuras que evidenciam comportamentos absolutamente deploráveis do ponto de vista ético e político e mesmo de natureza criminal sempre afirmam que o que disseram ou fizeram foi com “sentido de estado”, quando é o caso, ou estão com a consciência tranquila.

Na maioria das situações estas afirmações são um insulto à nossa inteligência e sustentam a baixa credibilidade que a generalidade da classe merece por parte dos cidadãos e o afastamento destes do envolvimento cívico reduzido quase exclusivamente às incidências da partidocracia e ao aparelhismo partidário onde se aprenderá o “sentido de estado” e as técnicas de “tranquilização da consciência”.

Na verdade, em milhentas situações e de escala variável na “dimensão” das figuras envolvidas, “sentido de estado” remete mais para “servi-me do estado” e o recurso a “consciência tranquila” só pode justificar-se pelo ignorar intencional do que significa consciência.

A teia de favores, jeitos, lugares bem remunerados, o joga das cadeiras em empresas, etc., é um polvo gigantesco que mina a democracia.

Onde estão os meus "Vomidrine”?

domingo, 12 de novembro de 2023

OS CONSUMOS DE ADOLESCENTES E JOVENS

 No Público encontram-se duas peças dedicadas a uma problemática que merece toda a atenção, o consumo excessivo de álcool por adolescentes e jovens.

De acordo com indicadores revelados pelo INEM, registaram-se 184 casos de intoxicação por consumo excessivo de álcool entre os jovens no intervalo etário dos 15 aos 17 anos, entre Outubro de 2022 e Outubro de 2023 e 554 situações envolvendo jovens entre os 18 e os 20 anos.

Mais preocupante é sabermos que estes indicadores estão longe de reflectir o consumo de álcool nestas idades.

Trata-se, de facto, de um cenário que merece atenção e retomo algumas notas envolvendo os consumos de adolescentes e jovens.

O consumo de diferentes substâncias, em quantidade e em grupo por adolescentes e jovens, sobretudo ao fim-de-semana, é muitas vezes entendido e sentido como o factor de pertença ao grupo, potenciando a escalada desse consumo, juntos bebemos ou fumamos mais do que sós, como é óbvio e o "estado" que se atinge é sentido como um "facilitador" relacional.

Por outro lado, a acessibilidade aos diferentes produtos não é complicada, antes pelo contrário, processa-se com a maior das facilidades apesar de algumas alterações legais. Muitos adolescentes ou jovens, ouvidos em estudos nesta matéria, referem ainda a ausência de regulação dos pais sobre os gastos, sobre os consumos ou sobre as horas de entrada em casa, que muitas vezes tem que ser discreta e directa ao quarto devido ao “mau estado” do protagonista.

Como é evidente, já muitas vezes aqui o tenho referido com base na experiência de contacto com pais de adolescentes, não estamos a falar de pais negligentes. Podem acontecer situações de negligência, mas, na maioria dos casos, trata-se de pais que sabem o que se passa, “apenas fingem” não perceber desejando que o tempo “cure” porque se sentem tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a questão.

De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles.

É preciso que a comunidade esteja atenta a estes adolescentes que, por vezes ainda antes dos 13 ou 14 anos começam a “aceder” às “litrosas”, aos shots, a qualquer outro produto para fumar ou consumir e também aos seus pais que estão tão perdidos quanto eles.

Apesar das alterações na legislação de natureza proibicionista, parecem-me imprescindíveis, evidentemente, a adequada fiscalização e, sobretudo a criação de programas envolvendo pais e aos adolescentes que minimizem o risco do consumo excessivo das diferentes substâncias.

É mais uma das áreas, comportamentos e saúde, que podem ser abordadas nas escolas com todos os alunos e sem que tenham de se constituir como “disciplinas” apesar de manifestos e discursos insustentáveis face a indicadores desta natureza.

Acresce que a proibição, como sempre, não basta e se prevenir e cuidar é caro que se façam as contas aos resultados do descuidar.

sábado, 11 de novembro de 2023

DA INDOMESTICÁVEL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. OUTRA VEZ

 É preciso insistir e vou repetir-me. De acordo com dados disponibilizados pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, entre Janeiro e Setembro registaram-se 18 mortes em contexto de violência doméstica, 14 mulheres, três homens e uma criança. Face ao mesmo período de 2022 verificou-se uma diminuição ligeira, três casos.

Relativamente a queixas apresentadas à PSP e GNR, registaram-se 23 306 casos um ligeiro aumento face a 2022, 22 260 casos.

Também aumentou de forma significativa o número de pessoas colocadas com medidas de coacção.  O número de pessoas em situação de teleassistência, 5110 é o mais elevado desde que existem registos e também se registou um aumento do número de reclusos por violência doméstica, 1322 com 998 em prisão efectiva e 324 em prisão preventiva.

Acresce que o mundo da violência doméstica é bem mais denso e grave do que a realidade que conhecemos, ou seja, aquilo que se conhece, apesar de recorrentemente termos notícias de casos extremos, é "apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que esconde muitas mais situações que diariamente ocorrem numa casa perto de si.

Por outro lado, para além da gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios trágicos de violência doméstica e como recorrentemente aqui refiro, é ainda inquietante o facto de que alguns estudos realizados em Portugal evidenciam um elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.

Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado, as condenações são bastante menos que os casos reportados e comprovados, bem como alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à situação de dependência que sentem relativamente ao parceiro, à percepção de eventual vazio de alternativas à separação ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos que as mantém num espaço de tortura e sofrimento. Felizmente este cenário parece estar em mudança, mas demasiado lentamente. Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época.

Torna-se ainda necessário que nos processos de educação e formação dos mais novos possamos desenvolver esforços que ajustem quadros de valores, de cultura e de comportamentos nas relações interpessoais que minimizem o cenário negro de violência doméstica em que vivemos. A educação e o desenvolvimento que sustenta constituem a ferramenta de mudança mais potente de que dispomos.

É uma aposta que urge e tão importante como os conhecimentos curriculares. Percebe-se também por estas questões a importância da abordagem do universo da “Cidadania e Desenvolvimento” na educação escolar e para todos os alunos.

Entretanto, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento suficientes e acessíveis para casos mais graves, um sistema de protecção e apoio eficiente aos menores envolvidos ou testemunhas destes episódios, e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.

A omissão ou desvalorização desta mudança é a alimentação de um sistema de valores que ainda “legitima” a violência nas relações amorosas, que a entende como “normal”.

Tudo isto tem como efeito a continuidade dos graves episódios de violência que regularmente se conhecem, muitos deles com fim trágico.

Apesar da natureza estranha e complexa dos dias que vivemos, é fundamental não esquecer questões como estas que devastam o quotidiano ou a vida de muita gente.

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

"QUANTO TEMPO É QUE TE FALTA?"

 No Público lê-se que 3520 docentes entram na reforma durante este ano, o número mais elevado nos últimos dez anos. Se considerarmos que em 2022 se reformaram 2441 docentes, o aumento para este ano é de 57%.

A peça aborda também a relação com a demografia escolar, redução de alunos, e as necessidades de docentes para os próximos anos, matéria que já aqui abordei e que o ME parece enfrentar num caminho que inquieta face ao risco de desprofissionalização.

Este cenário estava estudado e previsto há já alguns anos, mas as políticas públicas não acautelaram os efeitos do envelhecimento da população docente e a consequente e imperiosa necessidade de professores.

Aliás, as políticas seguidas em matéria de educação também contribuíram para o cansaço, desencanto e desejo de abandono da profissão que se foi instalando em muitos docentes e a baixa atractividade que inibiu a motivação pela carreira, única forma de a rejuvenescer.

A propósito, relembro que há já uns anos, uma professora, na altura minha aluna de doutoramento me perguntava, com um ar meio sério, meio a brincar, se podia desenvolver a sua tese a partir de uma questão que considerava a mais ouvida nas salas de professores, quando no meio da burocracia e das actividades ainda havia tempo para passar na sala de professores, “quanto tempo é que te falta?”. A sua ideia não foi para a frente enquanto doutoramento, mas o que lhe está subjacente é bem claro e bem preocupante. O resultado está à vista.

Na verdade, ser professor é uma das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente, mas é seguramente uma das mais difíceis e que mais valorização nas diferentes dimensões e apoio deveria merecer. Não adianta o discurso da “igualdade”, da “justiça” que mascara a essência ética de que nada mais justo e equitativo que o respeito pela diferença. Do seu trabalho competente e valorizado depende o nosso futuro, tudo passa pela educação e pela escola.

Qual é parte que não se percebe?

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

NOTÍCIAS DA CHAMADA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

 A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência divulgou o resultado do questionário sobre Educação Inclusiva 2021/2022 que merece reflexão, alguns dados breves. Foram inquiridas 806 unidades entre agrupamentos e escolas não agrupadas

Em linha com os anos anteriores o número de alunos com necessidades especiais aumento 6,6% face ao ano anterior. Antecipando alguma reacção do ME não me surpreende e não será uma “anomalia”. Os mais, vulneráveis são, naturalmente, afectados pelas situações adversas. Apesar de algum aumento de recursos, o número de professores com funções de apoio aumentou 1,9%, passando de 7122 para 7258 e o de técnicos especializados, psicólogos, terapeutas da fala e terapeutas ocupacionais, e outros subiu 2,4%, de 1508 para 1544 entre 20/21 e 21/22, as dificuldades são significativas.

A propósito, retomo algumas notas organizadas em torno do que podemos considerar o lado A e o lado B da tal educação inclusiva independentemente do que se entende que seja.

Comecemos pelo lado A.

O Ministro da Educação no final de Março de 2023 em intervenção na comissão parlamentar de Trabalho, Segurança Social e Inclusão sobre a situação da designada educação inclusiva, a operacionalização do incontornável DL 54/2018, desenhou um quadro muito positivo do trabalho realizado pelo ME permitindo que nas escolas as coisas corram bem.

De acordo com o Ministro, mais de metade das turmas, 55,6%, têm 20 alunos, foram criadas mais 4959 turmas devido à redução do efectivo de turma, aumentaram substantivamente o número de professores de educação especial, de psicólogos e outros técnicos e estão em curso mudanças que optimizarão o processo de transição pós cumprimento da escolaridade obrigatória. Fiquei entusiasmado, claro.

Em Abril de 2022 foi divulgado pela OCDE o trabalho, “Review of Inclusive Education in Portugal” que, com base numa análise a seis agrupamentos e a que na altura fiz referência, encontrou “um ambiente genuinamente inclusivo” e em linha com a apreciação de que a legislação portuguesa relativa à promoção de educação inclusiva é “das mais abrangentes dos países da OCDE. Pensei naqueles agrupamentos e escolas onde tudo vai bem, muito bem. Só lamento pelos outros.

Aliás, recupero o que será certamente uma fonte de inspiração para o ME. No 2.º Encontro Nacional de Autonomia e Flexibilidade Curricular realizado em Abril de 2022, Amapola Alama, especialista da UNESCO, afirmou, "Vocês são o 'Rolls-Royce' dos sistemas de educação. Estão entre os 40 países de topo no mundo da educação". É bonito e gosto da imagem. A questão é que se, felizmente, muitos alunos andarão no “Rolls Royce”, muitos outros andam de bicicleta ou a pé, mas será, provavelmente, por razões ambientais.

Consideremos agora o lado B.

Em Maio deste ano o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos de Escolas Públicas refere a insuficiência preocupante dos recursos humanos, professores e técnicos, designadamente psicólogos e terapeutas, um crescimento significativo do número de alunos sinalizados com algum tipo de dificuldade. Aliás, também se conhecem situações em que professores com funções de apoio assumem outro trabalho minimizando a falta de professores.

 Deste quadro resulta a impossibilidade de assegurar a muitos alunos aquilo que é “apenas” um direito e não um privilégio, uma resposta educativa de acordo com as suas necessidades.

Recordo ainda que num levantamento realizado no início de 22/23 pela Fenprof com a colaboração de direcções de agrupamentos foram referenciadas diferentes questões. Existirão múltiplas situações em que o limite de alunos com necessidades educativas especiais por turma não é cumprido, sendo que em turmas de 1º ciclo com diferentes com alunos de diferentes anos de escolaridade as dificuldades agravam-se.

É referida a insuficiência e docentes, de técnicos (psicólogos e terapeutas) e mantém-se a carência de auxiliares que acompanhem os alunos “dentro e fora da sala de aula”.

Também é questionado o modelo de funcionamento e financiamento dos Centros de Recurso para a Inclusão.

Ainda considerando dados divulgados também pela Fenprof em Julho de 2022 e recolhidos junto de 80 agrupamentos de escolas, cerca de 10% do total dos estabelecimentos de ensino, regista-se que entre os mais de 89 mil alunos das escolas inquiridas, 5544 beneficiam de medidas selectivas ou adicionais e a maioria (81,7%) passa mais de 60% do tempo lectivo em sala de aula. O problema é que muitos não têm apoio especializado, um pequeno pormenor.

De acordo com os resultados do inquérito, 40% dos alunos com necessidades especiais não têm qualquer apoio directo do docente de educação especial, que apenas aconselha o professor da turma.

Também um relatório da Inspecção-Geral de Educação e Ciência, “Organização do ano lectivo 2020-2021”, que na altura aqui referi, realizado em 97 escolas ou agrupamentos mostrou que em 30,8% das turmas de 5º ano com alunos com relatório técnico-pedagógico o limite de dois alunos por turma não era cumprido. Também 12,4% das escolas avaliadas não conseguem operacionalizar todas as medidas de apoio definidas nos relatórios técnico-pedagógicos. As direcções referem a insuficiência de recursos humanos adequados.

Mais recentemente, a OCDE terá mudado um pouco de opinião pois em 2022 no relatório Review of Inclusive Education in Portugal, também referido pelo Público, referia diferenças significativas nas aprendizagens e bem-estar de alunos com necessidades especiais de diferente natureza e definiu um conjunto de recomendações de investimento e qualidade nas respostas à diversidade dos alunos.

Como tenho afirmados e escrito inúmeras vezes, acompanhei com esperança e expectativa a mais do que necessária, reafirmo, mudança legislativa desencadeada no âmbito da Educação Inclusiva que se traduziu no DL 54/2018 ele próprio associado a todo um quadro de mudança envolvendo, designadamente a definição do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, das Aprendizagens Essenciais ou o Decreto-Lei n.º 55/2018 relativamente ao currículo. Todo este edifício potenciaria a inovação, a mudança de paradigma, de vários paradigmas aliás, e alguns falavam mesmo da revolução que estava em marcha e anunciavam os amanhãs que cantam que se foram encontrando e encontram, aparentemente, em algumas escolas visitadas pelo Senhor Ministro.

Com confiança em algumas virtudes do novo quadro aguardei expectante pela revelação da escola inclusiva de 2ª geração. No entanto, para meu desconforto e cansaço, o que fui conhecendo e vai sendo divulgado não me ajudou a perceber o que seria.

Continuo a verificar que, tal como aconteceu com o velho 319/91, (nesta altura eu já trabalhava neste universo há 15 anos), quer com o 3/2008 e depois com o actual 54/2018 existiam e existem professores e escolas a realizar trabalhos notáveis que devem ser conhecidos e reconhecidos.

A avaliação dos alunos, a definição dos apoios nas diferentes tipologias (já usadas como categorização uma vez que a outra categorização já não existe), o funcionamento das Equipas, os recursos disponíveis, a organização da intervenção, os papéis ou a articulação dos intervenientes continuam com inúmeros sobressaltos. Recebo muitos testemunhos e dados mais robustos conhecidos também não são particularmente animadores como alguns relatórios da IGEC.

Apesar de agora estar mais desligado em termos profissionais, o interesse e a paixão por este universo mantêm-se e apesar do cansaço, sempre me animo quando conheço situações muito positivas que, felizmente, acontecem todos os dias em tantas escolas.

No entanto, nem tudo vai bem, muito longe disso. Não torturem a realidade que ela não vai confessar.

Há muito que fazer, muito para caminhar.

 

PS - Talvez já vá sendo tempo de não insistir no uso da designação "educação inclusiva" para referir a educação dos alunos que têm algum tipo de dificuldade e que se encaixam nas novas "categorias", os "universais", os "selectivos" e os "adicionais" criadas pelo DL 54, a educação inclusiva é de todos e, portanto, deveria ser “apenas” educação.

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

A PEGADA ÉTICA

Um dos eixos dos Planos de Recuperação e Resiliência a desenvolver pelos países da UE para os anos pós-pandemia, é a transição ambiental, na qual, aliás, Portugal tem ainda um longo caminho a percorrer, ainda que não esteja sozinho.

A verdade é que apesar da lentidão da mudança o despertar das consciências para as questões doambiente e da qualidade de vida colocou na agenda a questão das pegadas, das marcas, que imprimimos no mundo através dos nossos comportamentos. Este novo sentido dado às pegadas tornou secundárias e ultrapassadas as míticas pegadas dos dinossauros e as românticas pegadas que os pares de namorados deixam na areia da praia.

Fomo-nos habituando a ouvir referências às várias pegadas que produzimos com nomes e sentidos mais próximos ou mais distantes, mas, sobretudo, tem-se acentuado a grande preocupação com a diminuição do seu peso, isto é, do impacto das nossas pegadas. Conhecemos a pegada ecológica numa perspectiva mais global ou, em entendimentos mais direccionados, a pegada hídrica, a pegada energética, a pegada verde, a pegada do papel, a pegada do carbono, etc.

No entanto, do meu ponto de vista e também preocupado com o ambiente, com a qualidade de vida e com a herança que deixaremos a quem nos continuar, vejo poucas referências e muito menos inquietações sérias com a pegada ética, isso mesmo, a pegada ética.

Os comportamentos, discursos e valores que genericamente mobilizamos têm, obviamente, uma consequência na qualidade ética da nossa vida que não é despicienda. Os maus-tratos e negligência que dedicamos aos princípios éticos mais substantivos provocam um empobrecimento e degradação do ambiente e da qualidade de vida das quais cada vez parece mais difícil recuperar.

As lideranças, as várias lideranças de diferentes áreas, hipotecando a sua condição de promotores de mudanças positivas são fortemente responsáveis pelo peso e impacto que esta pegada ética está a assumir. Não passa semana que não tenhamos mais um episódio ilustrativo desta pantanosa pátria nossa amada.

Nas sociedades democráticas é exigido que os quadros legais sejam protectores e promotores dos direitos dos cidadãos. No entanto, tanto ou mais do que a “qualidade” do quadro legal importa a robustez ética da cidadania, em particular dos cidadãos com funções mais relevantes nas diferentes áreas de funcionamento das comunidades.

Os sucessivos episódios, comportamentos e discursos a que recorrentemente assistimos são a prova da imperiosa necessidade de reconfigurar padrões éticos.

Vai sendo tempo de incluir a pegada ética no universo da luta pelo ambiente, pela qualidade de vida, pela sustentabilidade do planeta ou pelo futuro, o que quiserem.

Em termos mais pragmáticos e face aos numerosos e despudorados incidentes que regularmente surgem, talvez fosse de considerar a instalação urgente de uma ETAR – Estação de Tratamento do Ambiente da República.

Gostava de acreditar que ainda estaremos a tempo de recuperar o ambiente da República.

Haverá ETAR que responda? Sim, nós.

terça-feira, 7 de novembro de 2023

O "SOZINHISMO"

 Segundo a imprensa, a operação (Censos Sénior 2023), realizada pela GNR em Outubro, identificou mais de 44.100 idosos que vivem sozinhos e/ou isolados, ou ainda em situação de vulnerabilidade.

Os distrito com mais idosos sinalizados foram Guarda (5.477), Vila Real (5.360), Viseu (3.528), Faro (3.513), Bragança (3.347) e Beja (3.230) .

De facto, Portugal é um país particularmente marcado pelo rápido envelhecimento da população. Temos duas vezes mais idosos que crianças e jovens, Portugal é o país da União Europeia a envelhecer mais rapidamente, com quase duas vezes mais idosos do que crianças e jovens, 182 por cada 100, dados da PORDATA. A mudança que tem vindo a verificar-se sugere que a situação se vá acentuando. O director Observatório da Solidão refere que "Os nossos dados apontam para que exista a possibilidade de solidão em cerca de 5 em cada dez pessoas".

Num tempo em que toda a gente parece integrar uma ou várias redes sociais parece estranha a referência à solidão que se pode tornar numa condição de alto risco. Muitos trabalhos identificam consequências sérias da solidão, quer na saúde física, quer na saúde mental.

De facto, a solidão, o sozinhismo, é uma condição que afecta imensa gente de várias idades, mesmo nos mais novos, mas que atinge com particular incidência os mais velhos e tem vindo a acentuar-se na sequência da alteração dos estilos de vida e dos valores que tecem a vida das comunidades que vão perdendo as relações de vizinhança.

No entanto a questão agrava-se com os muitos que, para além de viverem sós, vivem isolados. São sobretudo estes que o sozinhismo ataca.

De facto, algumas pessoas, por condições económicas, dignidade e preservação da autonomia vivem sós, mas não estão isolados. Outros acumulam, vivem sós e isolados, por impotência, falta de recursos ou de família.

Apesar do que consta nas certidões de óbito, especialmente nos tempos do frio, estou convencido que a verdadeira causa da morte de muitos velhos é o sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós, isolados, que perderam o amparo. Ataca especialmente os velhos, mas não só os velhos.

Trata-se de uma doença moderna, cujas causas são conhecidas, cujo terapia também está encontrada, mas que parece difícil combater. Estão em extinção as relações de vizinhança e a vivência comunitária, fontes privilegiadas de protecção dos mais velhos.

Quem não vive só, isolado, mais facilmente resiste às mazelas de diferente natureza que a idade traz quase sempre. As pessoas são, espera-se, fonte de saúde e calor. E o frio que está a chegar aumenta a necessidade desse calor.

Reafirmo que, embora tenha referido mais em particular a situação dos velhos, o sozinhismo também ataca crianças e jovens com consequências por vezes devastadoras.

Na verdade, o sozinhismo poderá ser verdadeiramente a causa ou o gatilho de problemas para muita gente.

No entanto e como sempre, para além das necessárias políticas sociais emergentes do estado e das instituições privadas de solidariedade impõe-se a percepção pelas comunidades, designadamente pelas famílias, do drama da solidão e do isolamento.

Na peça são referidas diferentes iniciativas, por cá e fora, que podem ser bons contributos no combate à solidão.

É sempre questão de redes sociais, mas não das virtuais.

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

DAS PROVAS DE AFERIÇÃO E DO DESLUMBRAMENTO DIGITAL

 O ME divulgou a decisão de manter a realização das provas de aferição do 2.º ano em formato digital. Não me surpreende, o deslumbramento tolda a reflexão. Retomo algumas notas relativas às provas de aferição e a sua realização em formato digital, sobretudo nos primeiros anos de escolaridade.

Dado que ainda não foi alterada, a Lei de Bases do Sistema Educativo define que o ensino básico se organiza numa lógica de ciclos e não de disciplinas como o secundário. Assim, parece claro que uma avaliação externa de aferição deveria ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, quando os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo. Acresce que no 4º e no 6º não existem exames finais pelo que não temos a imprescindível avaliação externa.

A argumentação para a sua realização nestes anos, assenta na ideia de que a identificação de dificuldades e a devolução de resultados permitiriam a correcção de trajectórias futuras dos alunos. Certo, assim sendo e neste caso a avaliação não é de aferição, mas de diagnóstico. No entanto, espera-se que diariamente nas salas de aula os professores realizem, mais formal ou mais informalmente, avaliações desta natureza, mais formativa, pois é a mais sólida ferramenta que possuem de regulação do trabalho dos alunos e do seu próprio trabalho.

O deslumbramento com o novo mantra, transição digital, sustentou a decisão apressada de que as provas serão realizadas de forma digital. O ME reforçou agora que as provas deste ano lectivo, no 2º ano continuarão em formato digital.

Tinha alguma esperança de que o bom senso e a reflexão sobre o que se passa noutros sistemas educativos que desencadearam uma reflexão e tomadas de decisão relativamente à introdução em termos excessivos dos recursos digitais pudesse contribuir para um maior equilíbrio e prudência na utilização destes recursos, designadamente nos primeiros anos de escolaridade.

Por outro lado, são conhecidas com demasiada frequência queixas relativas ao acesso a equipamentos por parte dos alunos, à qualidade dos equipamentos, que, de acordo com os directores de escolas e agrupamentos, a insuficiência dos recursos necessários à adequada utilização dos equipamentos, nas escolas, mas em particular nas salas de aulas, infra-estruturas eléctricas e rede de net eficientes, por exemplo. Acontece ainda que existe uma enorme diversidade na literacia digital dos alunos. Deste cenário podem decorrer situações sérias de desigualdade entre escolas e entre alunos e todos conhecemos múltiplas situações que evidenciam a enorme disparidade de recursos e da sua utilização.

Acresce que, para além da disparidade de recursos e competências e pensando sobretudo nos alunos do 2º ano, mas não esquecendo todos os outros, a aprendizagem da escrita é realizada, e bem, com o recurso predominante à escrita manual. Existem razões advindas da evidência, como agora se diz, que sustentam este caminho. Assim sendo, a proficiência da escrita em formato digital será na esmagadora maioria dos alunos de natureza e nível diferente o que pode contaminar os resultados ainda que, de acordo como o IAVE na amostra estudada as diferenças não sejam significativas.

Acompanho de perto a experiência do meu neto no 2.º e é muito clara a importância que para ele e para o seu desenvolvimento assumem, designadamente a escrita manual e a leitura embora, naturalmente, se interesse pelos recursos digitais a que também tem acesso.

A Associação Nacional de Professores de Informática referiu há algum tempo as dificuldades existentes e também o Presidente do IAVE afirmou já em 2023 que não estavam reunidas as “condições ideais”.

A tutela, que parece entender que a realidade é a projecção dos seus desejos, insiste na digitalização, na base do “vai correr bem” habitual e, por deslumbramento ou por intenção menos clara insiste nas provas digitais no 2º ano.

De facto, o processo de realização das provas de aferição em formato digital tem decorrido em modo, ia escrever “cada tiro, cada melro”, mas como não sou dado às coisas da cinegética e para prevenir alguma reacção, escrevo, “cada cavadela, cada minhoca”.

Como já aqui escrevi, este processo não podia correr assim ou então … será mesmo para ser assim, no fundo, no fundo, as provas não serão assim tão relevantes e reparamos menos noutras questões.

É mau, muito mau.

domingo, 5 de novembro de 2023

DAS APRENDIZAGENS ESSENCIAIS

 A terminologia que vai sendo criada em matéria de educação, aliás, como noutras áreas, deixa-me vezes um pouco confuso, deve ser da idade, ou pior, da ignorância. Um dos últimos exemplos remete para a definição de aprendizagens essenciais, coisa que não me parece assim muito clara.

Aparentemente, dir-se-á que as aprendizagens essenciais se realizam na escola, restando para fora da escola as aprendizagens não essenciais.

Como disse há dias, iniciámos aqui no monte a colheita da azeitona tarefa na qual este ano tenho uma diminuta intervenção, o que me deixa bem incomodado.

Neste fim de semana, felizmente, recebemos uma ajuda extra, a dos netos e pais. O neto grande, o Simão, decidiu do alto dos seus dez anos que daria uma ajuda. E deu mesmo, ajudou a bater com a vara algumas oliveiras e, como é vontadeiro, fê-lo com empenho. A tarefa que realizou contente e feliz por ajudar e ver o resultado não consta, evidentemente, das aprendizagens essenciais.

Sendo certo que não consta do currículo escolar, tenho a certeza de que, tal como eu, o Simão a achou uma aprendizagem essencial.

E são, também assim, os dias do Alentejo.



sexta-feira, 3 de novembro de 2023

DOS PERCURSOS DE SUCESSO

 A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência divulgou dados relativamente ao percurso dos alunos dos cursos científico-humanísticos e dos cursos profissionais ao longo dos últimos anos.

Alguns dados. Em 21/22, 79% dos alunos completaram o secundário nos três anos face a 55% verificado em 14/15 um salto de 24%. Também nos cursos profissionais se registou uma subida, 70% concluíram o curso no tempo esperado, mais 17% que em 14/15. No Norte e Centro “chumba-se” menos registando-se taxas de sucesso de 85% e 82% respectivamente.

Nos cursos profissionais também se verificaram subidas das taxas de sucesso, maiores no Norte e Área Metropolitana de Lisboa com 2% e uma região estagnada, o Alentejo.

Regista-se também uma ligeira melhoria nas taxas de abandono embora seja ainda significativo nos cursos profissionais, 10%. Sem surpresa, o nível de sucesso é superior nos alunos que chegam sem retenções ao secundário assim como os alunos que não são abrangidos Acção Social Escolar evidenciam percursos de sucesso com desempenho mais elevado.

Mais uma vez fico embaraçado com os dados disponibilizados pela DGEEC assentes nas avaliações internas.

Seria suposto ficar satisfeito com a evolução verificada, mas as incongruências entre as avaliações internas e os dados das avaliações externas suscitam dúvidas nessa satisfação e a situação verifica-se logo durante o básico, como recentemente foi verificado considerandos dados das avaliações internas, provas de aferição e estudos do IAVE.

No que diz respeito ao secundário, diminuiu o número de exames finais, apenas se realizando para acesso ao superior. Acresce que mesmo nos exames que se realizam temos sempre a incontornável discussão da dificuldade dos exames.

Este cenário mina a confiança no sistema educativo.

Considerando como indicador os percursos de sucesso, concluir o ciclo no tempo esperado, coloca-se a questão que já aqui tenho abordado. Poderemos interpretar a transição de ano como sucesso na aprendizagem de competências e conhecimentos ou teremos de considerar que ter sucesso é a “a passagem de ano” na velha fórmula de “transita, mas não progride”?

De facto, como referi, é clara a incongruência entre avaliações internas e externas que constituem uma ferramenta imprescindível de regulação do sistema e que deveriam merecer toda a confiança. Já aqui tenho abordado a questão a propósito de resultados de outros anos escolares.

Importa sublinhar com muita clareza que levantar esta questão não significa a defesa da retenção como ferramenta de sucesso e qualidade. Não é, sabemos que o “chumbo”, só por si, não gera sucesso e qualidade. Nenhuma dúvida sobre isto.

E volto a insistir. A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens e com regulação externa, sim, naturalmente, mas também com a avaliação justa e competente do trabalho dos professores e das escolas, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar e que significam conhecimentos e competências adquiridas.

É o que ainda não conseguimos fazer acontecer de forma consistente, generalizada e sustentada em Portugal, apesar da imensidade de projectos, iniciativas, inovação, actividades que, demasiadas vezes chegam do exterior às escolas, podem ser interessantes … mas não são mágicos, por mais que num exercício de "wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal.

Não será este o caminho.