A Direcção-Geral de Estatísticas
da Educação e Ciência divulgou o resultado do questionário sobre Educação Inclusiva 2021/2022 que merece reflexão, alguns dados breves. Foram inquiridas 806
unidades entre agrupamentos e escolas não agrupadas
Em linha com os anos anteriores o
número de alunos com necessidades especiais aumento 6,6% face ao ano anterior.
Antecipando alguma reacção do ME não me surpreende e não será uma “anomalia”.
Os mais, vulneráveis são, naturalmente, afectados pelas situações adversas.
Apesar de algum aumento de recursos, o número de professores com funções de apoio
aumentou 1,9%, passando de 7122 para 7258 e o de técnicos especializados, psicólogos,
terapeutas da fala e terapeutas ocupacionais, e outros subiu 2,4%, de 1508 para
1544 entre 20/21 e 21/22, as dificuldades são significativas.
A propósito, retomo algumas notas organizadas em torno do que podemos considerar o lado A e o lado B da
tal educação inclusiva independentemente do que se entende que seja.
Comecemos pelo lado A.
O Ministro da Educação no final
de Março de 2023 em intervenção na comissão parlamentar de Trabalho, Segurança
Social e Inclusão sobre a situação da designada educação inclusiva, a
operacionalização do incontornável DL 54/2018, desenhou um quadro muito
positivo do trabalho realizado pelo ME permitindo que nas escolas as coisas
corram bem.
De acordo com o Ministro, mais de
metade das turmas, 55,6%, têm 20 alunos, foram criadas mais 4959 turmas devido
à redução do efectivo de turma, aumentaram substantivamente o número de
professores de educação especial, de psicólogos e outros técnicos e estão em
curso mudanças que optimizarão o processo de transição pós cumprimento da
escolaridade obrigatória. Fiquei entusiasmado, claro.
Em Abril de 2022 foi divulgado
pela OCDE o trabalho, “Review of Inclusive Education in Portugal” que, com base
numa análise a seis agrupamentos e a que na altura fiz referência, encontrou
“um ambiente genuinamente inclusivo” e em linha com a apreciação de que a
legislação portuguesa relativa à promoção de educação inclusiva é “das mais
abrangentes dos países da OCDE. Pensei naqueles agrupamentos e escolas onde
tudo vai bem, muito bem. Só lamento pelos outros.
Aliás, recupero o que será
certamente uma fonte de inspiração para o ME. No 2.º Encontro Nacional de
Autonomia e Flexibilidade Curricular realizado em Abril de 2022, Amapola Alama,
especialista da UNESCO, afirmou, "Vocês são o 'Rolls-Royce' dos sistemas
de educação. Estão entre os 40 países de topo no mundo da educação". É
bonito e gosto da imagem. A questão é que se, felizmente, muitos alunos andarão
no “Rolls Royce”, muitos outros andam de bicicleta ou a pé, mas será,
provavelmente, por razões ambientais.
Consideremos agora o lado B.
Em Maio deste ano o presidente da
Associação Nacional de Directores de Agrupamentos de Escolas Públicas refere a
insuficiência preocupante dos recursos humanos, professores e técnicos,
designadamente psicólogos e terapeutas, um crescimento significativo do número
de alunos sinalizados com algum tipo de dificuldade. Aliás, também se conhecem
situações em que professores com funções de apoio assumem outro trabalho
minimizando a falta de professores.
Deste quadro resulta a impossibilidade de
assegurar a muitos alunos aquilo que é “apenas” um direito e não um privilégio,
uma resposta educativa de acordo com as suas necessidades.
Recordo ainda que num
levantamento realizado no início de 22/23 pela Fenprof com a colaboração de
direcções de agrupamentos foram referenciadas diferentes questões. Existirão
múltiplas situações em que o limite de alunos com necessidades educativas
especiais por turma não é cumprido, sendo que em turmas de 1º ciclo com
diferentes com alunos de diferentes anos de escolaridade as dificuldades
agravam-se.
É referida a insuficiência e
docentes, de técnicos (psicólogos e terapeutas) e mantém-se a carência de
auxiliares que acompanhem os alunos “dentro e fora da sala de aula”.
Também é questionado o modelo de
funcionamento e financiamento dos Centros de Recurso para a Inclusão.
Ainda considerando dados
divulgados também pela Fenprof em Julho de 2022 e recolhidos junto de 80
agrupamentos de escolas, cerca de 10% do total dos estabelecimentos de ensino,
regista-se que entre os mais de 89 mil alunos das escolas inquiridas, 5544 beneficiam
de medidas selectivas ou adicionais e a maioria (81,7%) passa mais de 60% do
tempo lectivo em sala de aula. O problema é que muitos não têm apoio
especializado, um pequeno pormenor.
De acordo com os resultados do
inquérito, 40% dos alunos com necessidades especiais não têm qualquer apoio
directo do docente de educação especial, que apenas aconselha o professor da
turma.
Também um relatório da
Inspecção-Geral de Educação e Ciência, “Organização do ano lectivo 2020-2021”,
que na altura aqui referi, realizado em 97 escolas ou agrupamentos mostrou que
em 30,8% das turmas de 5º ano com alunos com relatório técnico-pedagógico o
limite de dois alunos por turma não era cumprido. Também 12,4% das escolas
avaliadas não conseguem operacionalizar todas as medidas de apoio definidas nos
relatórios técnico-pedagógicos. As direcções referem a insuficiência de
recursos humanos adequados.
Mais recentemente, a OCDE terá
mudado um pouco de opinião pois em 2022 no relatório “Review of Inclusive
Education in Portugal”, também referido pelo Público, referia diferenças
significativas nas aprendizagens e bem-estar de alunos com necessidades
especiais de diferente natureza e definiu um conjunto de recomendações de investimento
e qualidade nas respostas à diversidade dos alunos.
Como tenho afirmados e escrito
inúmeras vezes, acompanhei com esperança e expectativa a mais do que
necessária, reafirmo, mudança legislativa desencadeada no âmbito da Educação
Inclusiva que se traduziu no DL 54/2018 ele próprio associado a todo um quadro
de mudança envolvendo, designadamente a definição do Perfil dos Alunos à Saída
da Escolaridade Obrigatória, das Aprendizagens Essenciais ou o Decreto-Lei n.º
55/2018 relativamente ao currículo. Todo este edifício potenciaria a inovação,
a mudança de paradigma, de vários paradigmas aliás, e alguns falavam mesmo da
revolução que estava em marcha e anunciavam os amanhãs que cantam que se foram
encontrando e encontram, aparentemente, em algumas escolas visitadas pelo
Senhor Ministro.
Com confiança em algumas virtudes
do novo quadro aguardei expectante pela revelação da escola inclusiva de 2ª
geração. No entanto, para meu desconforto e cansaço, o que fui conhecendo e vai
sendo divulgado não me ajudou a perceber o que seria.
Continuo a verificar que, tal
como aconteceu com o velho 319/91, (nesta altura eu já trabalhava neste
universo há 15 anos), quer com o 3/2008 e depois com o actual 54/2018 existiam
e existem professores e escolas a realizar trabalhos notáveis que devem ser
conhecidos e reconhecidos.
A avaliação dos alunos, a
definição dos apoios nas diferentes tipologias (já usadas como categorização
uma vez que a outra categorização já não existe), o funcionamento das Equipas,
os recursos disponíveis, a organização da intervenção, os papéis ou a articulação
dos intervenientes continuam com inúmeros sobressaltos. Recebo muitos
testemunhos e dados mais robustos conhecidos também não são particularmente
animadores como alguns relatórios da IGEC.
Apesar de agora estar mais
desligado em termos profissionais, o interesse e a paixão por este universo
mantêm-se e apesar do cansaço, sempre me animo quando conheço situações muito
positivas que, felizmente, acontecem todos os dias em tantas escolas.
No entanto, nem tudo vai bem,
muito longe disso. Não torturem a realidade que ela não vai confessar.
Há muito que fazer, muito para
caminhar.
PS - Talvez já vá sendo tempo de
não insistir no uso da designação "educação inclusiva" para referir a
educação dos alunos que têm algum tipo de dificuldade e que se encaixam nas
novas "categorias", os "universais", os "selectivos"
e os "adicionais" criadas pelo DL 54, a educação inclusiva é de todos
e, portanto, deveria ser “apenas” educação.