O ME divulgou a decisão de manter a realização das provas de aferição do 2.º ano em formato digital. Não me surpreende, o deslumbramento tolda a reflexão. Retomo algumas notas relativas às provas de aferição e a sua realização em formato digital, sobretudo nos primeiros anos de escolaridade.
Dado que ainda não foi alterada,
a Lei de Bases do Sistema Educativo define que o ensino básico se organiza numa
lógica de ciclos e não de disciplinas como o secundário. Assim, parece claro
que uma avaliação externa de aferição deveria ser realizada no ano final de
cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, quando os alunos estão
a meio do seu caminho de um ciclo. Acresce que no 4º e no 6º não existem exames
finais pelo que não temos a imprescindível avaliação externa.
A argumentação para a sua
realização nestes anos, assenta na ideia de que a identificação de dificuldades
e a devolução de resultados permitiriam a correcção de trajectórias futuras dos
alunos. Certo, assim sendo e neste caso a avaliação não é de aferição, mas de
diagnóstico. No entanto, espera-se que diariamente nas salas de aula os
professores realizem, mais formal ou mais informalmente, avaliações desta
natureza, mais formativa, pois é a mais sólida ferramenta que possuem de
regulação do trabalho dos alunos e do seu próprio trabalho.
O deslumbramento com o novo
mantra, transição digital, sustentou a decisão apressada de que as provas serão
realizadas de forma digital. O ME reforçou agora que as provas deste ano
lectivo, no 2º ano continuarão em formato digital.
Tinha alguma esperança de que o
bom senso e a reflexão sobre o que se passa noutros sistemas educativos que desencadearam
uma reflexão e tomadas de decisão relativamente à introdução em termos excessivos
dos recursos digitais pudesse contribuir para um maior equilíbrio e prudência
na utilização destes recursos, designadamente nos primeiros anos de escolaridade.
Por outro lado, são conhecidas com
demasiada frequência queixas relativas ao acesso a equipamentos por parte dos
alunos, à qualidade dos equipamentos, que, de acordo com os directores de
escolas e agrupamentos, a insuficiência dos recursos necessários à adequada
utilização dos equipamentos, nas escolas, mas em particular nas salas de aulas,
infra-estruturas eléctricas e rede de net eficientes, por exemplo. Acontece
ainda que existe uma enorme diversidade na literacia digital dos alunos. Deste
cenário podem decorrer situações sérias de desigualdade entre escolas e entre
alunos e todos conhecemos múltiplas situações que evidenciam a enorme
disparidade de recursos e da sua utilização.
Acresce que, para além da
disparidade de recursos e competências e pensando sobretudo nos alunos do 2º
ano, mas não esquecendo todos os outros, a aprendizagem da escrita é realizada,
e bem, com o recurso predominante à escrita manual. Existem razões advindas da
evidência, como agora se diz, que sustentam este caminho. Assim sendo, a
proficiência da escrita em formato digital será na esmagadora maioria dos
alunos de natureza e nível diferente o que pode contaminar os resultados ainda
que, de acordo como o IAVE na amostra estudada as diferenças não sejam
significativas.
Acompanho de perto a experiência
do meu neto no 2.º e é muito clara a importância que para ele e para o seu
desenvolvimento assumem, designadamente a escrita manual e a leitura embora,
naturalmente, se interesse pelos recursos digitais a que também tem acesso.
A Associação Nacional de
Professores de Informática referiu há algum tempo as dificuldades existentes e
também o Presidente do IAVE afirmou já em 2023 que não estavam reunidas as
“condições ideais”.
A tutela, que parece entender que
a realidade é a projecção dos seus desejos, insiste na digitalização, na base
do “vai correr bem” habitual e, por deslumbramento ou por intenção menos clara
insiste nas provas digitais no 2º ano.
De facto, o processo de
realização das provas de aferição em formato digital tem decorrido em modo, ia
escrever “cada tiro, cada melro”, mas como não sou dado às coisas da cinegética
e para prevenir alguma reacção, escrevo, “cada cavadela, cada minhoca”.
Como já aqui escrevi, este
processo não podia correr assim ou então … será mesmo para ser assim, no fundo,
no fundo, as provas não serão assim tão relevantes e reparamos menos noutras
questões.
É mau, muito mau.
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