O Expresso tem uma peça com o título, “Os ‘pais-helicóptero’ já chegaram à universidade” que tem levantado alguma discussão. Parece estar a verificar-se um aumento significativo da “intromissão” dos pais na vida escolar dos alunos universitários. Contactam professores e funcionários, questionam procedimentos, reclamam avaliações, etc. Algumas instituições de ensino superior já reagem a esta interferência excessiva definindo limitações.
Na peça, são expressas razões
para este tipo de comportamento de muitas famílias acentuando a imaturidade ou
falta de autonomia dos jovens que ingressam no ensino superior.
Na verdade, e muito antes da
idade de entrada no superior, a questão da autonomia na educação e
desenvolvimento de crianças e jovens é fundamental e muitas vezes aqui e em trabalho
com pais a tenho abordado.
Talvez, carregando na tinta, se
possa afirmar que se tem verificado uma trajectória em que crianças e jovens
parecem adquirir cada vez mais conhecimentos, mas parecem menos independentes e
autónomos.
De há muito e sempre que penso ou
falo de educação me lembro de um texto de Almada Negreiros em que se afirma
"... queria que me ajudassem, para eu não estar assim, para que fosse eu o
dono de mim, para que os que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube
cuidar de si! ...". Este enunciado ilustra, do meu ponto de vista, a
essência da educação, seja familiar ou escolar, em qualquer idade.
Sem acreditar na educação
perfeita, nem na criança perfeita, acredito num princípio fundador da educação
familiar e escolar, a promoção da autonomia e da auto-regulação desde bebé, sim desde
bebé, até … sempre.
De facto, o que se pretende num
processo educativo será a construção de gente que sabe tomar conta de si
própria da forma adequada à idade e à função que em cada momento se desempenha.
Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das
crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", no
fundo, a velha ideia de "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".
Parece-me fundamental que
adoptemos comportamentos que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens.
No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de
vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das
sociedades, questões de segurança, por exemplo, estamos a educar os nossos
miúdos de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua
autonomia. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os
desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de
desenvolvimento e promoção dessa autonomia. É neste contexto que devem ser
colocadas, trabalhadas e decidas as dúvidas sobre o que criança, adolescente ou
jovem pode ou não fazer só.
Por outro lado, crianças e jovens
são permanentemente bombardeados com saberes e actividades que serão obviamente
importantes para o seu desenvolvimento e para o seu futuro, mas, ao mesmo
tempo, continuam “miúdos”, pouco autónomos, pouco envolvidos nas decisões que
lhes dizem respeito cumprindo agendas que lhes não dão margem de decisão sobre
o quê e o porquê do que fazemos ou não fazemos. Acabam por se tornar menos
capazes de decidir sobre o que lhes diz respeito, dependem da "decisão” de
quem está à sua volta, companheiros ou adultos.
O que se pretende num processo
educativo será a construção de gente que sabe tomar conta de si própria da
forma adequada à idade e à função que em cada momento se desempenha. Este
entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das crianças
e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", em casa, na
rua ou na escola.
Um exemplo, para clarificar. Um
adolescente não habituado a tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente
dirá não a uma oferta de um qualquer produto ou um a convite de um colega para
um comportamento menos desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos
companheiros da mesma idade. Numa sala de aula é bem mais provável que um
adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é
assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.
Só crianças, adolescentes e
jovens autónomos, autodeterminados, informados e orientados sobre os riscos e
as escolhas serão mais capazes de dizer não ao que se espera que digam não e
escolher de forma ajustada o que fazer ou pensar em diferentes situações do seu
quotidiano, na sala de aula, no bairro ou em casa. Este entendimento sublinha a
importância de em todo processo de educação, logo de muito pequeno, em casa e
na escola, se estimular a autonomia e auto-regulação dos miúdos. É que se eles não tomarem bem
conta se si passaremos, pais e professores, boa parte do tempo a "tomar
conta deles" e ... muitas vezes não conseguimos.
Creio que este entendimento está
pouco presente em muito do que fazemos em matéria de educação familiar ou
escolar e para todos os miúdos.
Todos beneficiariam, os mais
novos e os adultos.
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