Quando caminhamos para velho tendemos a pensar que o risco de nos surpreendermos com a realidade é menor pois, talvez seja por isso, já vimos muito.
A verdade é que não passa de
uma crença, a realidade, no melhor e no pior, não pára de nos surpreender.
Hoje viajámos de comboio para o
Alentejo, foi necessário, mas é sempre uma viagem bonita de se fazer, embora
dispensasse uma paragem demasiado prolongada numa estação intermédia.
No banco atrás de nós no lado
contrário viajavam, presumo, mãe e filho, um gaiato que não teria
mais de quatro anos.
Durante toda a viagem até onde
saímos, quase duas horas, a criança esteve com um telemóvel na mão e mãe com
outro, bem concentrados.
Não demos conta de diálogo entre
a mãe e o gaiato, apenas fomos ouvindo o som que os sucessivos jogos do
telemóvel da criança produziam.
Ainda me lembro de uma história
que aqui contei de numa conversa com pais de crianças a frequentar o
pré-escolar, uma mãe me perguntar a que idade eu entendia ser apropriada para
oferecer um telemóvel à filha. Perguntei a idade, quatro anos, e, talvez pela
minha reacção, a mãe acrescentou qualquer coisa como, muitas crianças da sala
já têm.
Já muitas vezes aqui tenho abordado
esta questão, o “peso” do uso do telemóvel pelos mais novos e os riscos
diversos do excesso de tempo e a desadequação da utilização prolongada.
Importa referir que as
preocupações relativas ao uso excessivo de telemóveis ou de tablets e
smartphones como “baby sitters” para as crianças, desde muito novas e,
frequentemente, sem controlo parental, bem como o também excessivo uso destes
dispositivos por parte de adolescentes e adultos contaminando negativamente a
sua disponibilidade para os mais novos, não visam diabolizar a sua utilização.
Pretendem apenas que essa
utilização obedeça tanto quanto possível a regras de bom senso e adequação e
que não corra o risco de substituir a mais importante e potente das ferramentas
educativas em contexto familiar, a relação, comunicação, entre pais e filhos e
o tempo que as permita.
Acresce ainda que os estilos e
circunstâncias de vida actuais são poderosos inimigos do tempo disponível para
esta relação o que mais sublinha a necessidade de o usar da melhor forma.
Voltando à situação de hoje, o
que se via pela janela apesar do mau tempo, a própria viagem de comboio,
histórias ou outro tipo de jogos, poderiam ser alternativas mais interessantes e
contributivas para a construção e reforço da comunicação entre pais e filhos
que, frequentemente, esbarra no telemóvel que cada um tem na mão.
De qualquer forma, os verdes
campos do Alentejo, carregados de água e ainda debaixo de chuva, continuam
lindos.
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