Nos últimos tempos tem emergido um ruidoso, eu diria que de certa forma hipócrita, alarido relativo a uma situação que é de há alguns anos conhecida no Alentejo, mas não só, e que tem vindo, por várias razões, a aumentar, a situação de exploração brutal, condições de habitação degradantes, vitimização por redes organizadas de “tráfico” de mão-de-obra em que se encontram milhares de cidadãos estrangeiros. Nas primeiras levas surgiram muitos cidadãos oriundos de países de leste e mais recentemente de países asiáticos.
A escandalosa e irresponsável
política (?!) em matéria de agricultura e ambiente estarão gradualmente a
transformar o Alentejo, o Algarve também, num deserto, mas que neste momento
alimenta quilómetros e quilómetros de culturas intensivas e depredadoras que
para já exigem mão-de-obra não existente no país e a prazo condenarão os
alentejanos a viver no deserto. Os responsáveis assobiam para o lado e agora
parecem virgens ofendidas face a algo que toda gente conhecia.
Têm sido cada vez são mais
frequentes as referências situações inaceitáveis de exploração e maus-tratos
como a actual situação relatada na imprensa retrata ainda que também existam em
matéria de contratação e protecção algumas boas práticas.
Este cenário, o tráfico de
pessoas e a exploração quase escravizante, tal como a fome, é das matérias que
maior embaraço pode causar em sociedades actuais e deveria ser algo de
improvável no séc. XXI em sociedades desenvolvidas. Parece algo “fora do tempo”
e de impossível existência nos nossos países, estamos a falar da Europa. Mas
existe e é sério o problema que, como não podia deixar de ser, atinge os mais
vulneráveis.
Este negócio, o tráfico e
exploração de pessoas de todas as idades, um dos mais florescentes e rentáveis
em termos mundiais, alimenta-se da vulnerabilidade social, da pobreza e da
exclusão o que, como sempre, recoloca a imperiosa necessidade de repensar modelos
de desenvolvimento económico que promovam, de facto, o combate à pobreza e,
caso evidente em Portugal, às enormes assimetrias na distribuição da riqueza.
Também por isso, são recorrentes as notícias de portugueses usados como
escravos em explorações agrícolas espanholas ou redes de contratação de
trabalhadores da construção civil para países do primeiro mundo europeu, como o
Holanda, Bélgica ou Reino Unido.
Estes tempos são marcados por
competição, diminuição de direitos e apoios sociais, pressão sobre a
produtividade. Tudo isto é submetido a um deus mercado que não tem alma, não
tem ética, é amoral e pode alimentar, sem particulares sobressaltos, algumas formas
de escravatura mais "leves" ou, sobretudo em casos de particular
fragilidade dos envolvidos, bastante pesadas.
As pessoas, muitas pessoas,
apenas possuem como bem, a sua própria pessoa e o mercado aproveita tudo, por
isso, compra e vende as pessoas dando-lhe a utilidade que as circunstâncias, a
idade, e as necessidades de "consumo" exigirem.
O que parece ainda mais
inquietante é o manto de silêncio e negligência, quando não cumplicidade, que
frequentemente cai sobre este drama tornando transparentes as situações de
exploração ou escravatura, não se vêem, não se querem ver.
Neste universo não conseguimos
ouvir o coro dos escravos, não têm voz.
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