quinta-feira, 9 de novembro de 2023

NOTÍCIAS DA CHAMADA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

 A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência divulgou o resultado do questionário sobre Educação Inclusiva 2021/2022 que merece reflexão, alguns dados breves. Foram inquiridas 806 unidades entre agrupamentos e escolas não agrupadas

Em linha com os anos anteriores o número de alunos com necessidades especiais aumento 6,6% face ao ano anterior. Antecipando alguma reacção do ME não me surpreende e não será uma “anomalia”. Os mais, vulneráveis são, naturalmente, afectados pelas situações adversas. Apesar de algum aumento de recursos, o número de professores com funções de apoio aumentou 1,9%, passando de 7122 para 7258 e o de técnicos especializados, psicólogos, terapeutas da fala e terapeutas ocupacionais, e outros subiu 2,4%, de 1508 para 1544 entre 20/21 e 21/22, as dificuldades são significativas.

A propósito, retomo algumas notas organizadas em torno do que podemos considerar o lado A e o lado B da tal educação inclusiva independentemente do que se entende que seja.

Comecemos pelo lado A.

O Ministro da Educação no final de Março de 2023 em intervenção na comissão parlamentar de Trabalho, Segurança Social e Inclusão sobre a situação da designada educação inclusiva, a operacionalização do incontornável DL 54/2018, desenhou um quadro muito positivo do trabalho realizado pelo ME permitindo que nas escolas as coisas corram bem.

De acordo com o Ministro, mais de metade das turmas, 55,6%, têm 20 alunos, foram criadas mais 4959 turmas devido à redução do efectivo de turma, aumentaram substantivamente o número de professores de educação especial, de psicólogos e outros técnicos e estão em curso mudanças que optimizarão o processo de transição pós cumprimento da escolaridade obrigatória. Fiquei entusiasmado, claro.

Em Abril de 2022 foi divulgado pela OCDE o trabalho, “Review of Inclusive Education in Portugal” que, com base numa análise a seis agrupamentos e a que na altura fiz referência, encontrou “um ambiente genuinamente inclusivo” e em linha com a apreciação de que a legislação portuguesa relativa à promoção de educação inclusiva é “das mais abrangentes dos países da OCDE. Pensei naqueles agrupamentos e escolas onde tudo vai bem, muito bem. Só lamento pelos outros.

Aliás, recupero o que será certamente uma fonte de inspiração para o ME. No 2.º Encontro Nacional de Autonomia e Flexibilidade Curricular realizado em Abril de 2022, Amapola Alama, especialista da UNESCO, afirmou, "Vocês são o 'Rolls-Royce' dos sistemas de educação. Estão entre os 40 países de topo no mundo da educação". É bonito e gosto da imagem. A questão é que se, felizmente, muitos alunos andarão no “Rolls Royce”, muitos outros andam de bicicleta ou a pé, mas será, provavelmente, por razões ambientais.

Consideremos agora o lado B.

Em Maio deste ano o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos de Escolas Públicas refere a insuficiência preocupante dos recursos humanos, professores e técnicos, designadamente psicólogos e terapeutas, um crescimento significativo do número de alunos sinalizados com algum tipo de dificuldade. Aliás, também se conhecem situações em que professores com funções de apoio assumem outro trabalho minimizando a falta de professores.

 Deste quadro resulta a impossibilidade de assegurar a muitos alunos aquilo que é “apenas” um direito e não um privilégio, uma resposta educativa de acordo com as suas necessidades.

Recordo ainda que num levantamento realizado no início de 22/23 pela Fenprof com a colaboração de direcções de agrupamentos foram referenciadas diferentes questões. Existirão múltiplas situações em que o limite de alunos com necessidades educativas especiais por turma não é cumprido, sendo que em turmas de 1º ciclo com diferentes com alunos de diferentes anos de escolaridade as dificuldades agravam-se.

É referida a insuficiência e docentes, de técnicos (psicólogos e terapeutas) e mantém-se a carência de auxiliares que acompanhem os alunos “dentro e fora da sala de aula”.

Também é questionado o modelo de funcionamento e financiamento dos Centros de Recurso para a Inclusão.

Ainda considerando dados divulgados também pela Fenprof em Julho de 2022 e recolhidos junto de 80 agrupamentos de escolas, cerca de 10% do total dos estabelecimentos de ensino, regista-se que entre os mais de 89 mil alunos das escolas inquiridas, 5544 beneficiam de medidas selectivas ou adicionais e a maioria (81,7%) passa mais de 60% do tempo lectivo em sala de aula. O problema é que muitos não têm apoio especializado, um pequeno pormenor.

De acordo com os resultados do inquérito, 40% dos alunos com necessidades especiais não têm qualquer apoio directo do docente de educação especial, que apenas aconselha o professor da turma.

Também um relatório da Inspecção-Geral de Educação e Ciência, “Organização do ano lectivo 2020-2021”, que na altura aqui referi, realizado em 97 escolas ou agrupamentos mostrou que em 30,8% das turmas de 5º ano com alunos com relatório técnico-pedagógico o limite de dois alunos por turma não era cumprido. Também 12,4% das escolas avaliadas não conseguem operacionalizar todas as medidas de apoio definidas nos relatórios técnico-pedagógicos. As direcções referem a insuficiência de recursos humanos adequados.

Mais recentemente, a OCDE terá mudado um pouco de opinião pois em 2022 no relatório Review of Inclusive Education in Portugal, também referido pelo Público, referia diferenças significativas nas aprendizagens e bem-estar de alunos com necessidades especiais de diferente natureza e definiu um conjunto de recomendações de investimento e qualidade nas respostas à diversidade dos alunos.

Como tenho afirmados e escrito inúmeras vezes, acompanhei com esperança e expectativa a mais do que necessária, reafirmo, mudança legislativa desencadeada no âmbito da Educação Inclusiva que se traduziu no DL 54/2018 ele próprio associado a todo um quadro de mudança envolvendo, designadamente a definição do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, das Aprendizagens Essenciais ou o Decreto-Lei n.º 55/2018 relativamente ao currículo. Todo este edifício potenciaria a inovação, a mudança de paradigma, de vários paradigmas aliás, e alguns falavam mesmo da revolução que estava em marcha e anunciavam os amanhãs que cantam que se foram encontrando e encontram, aparentemente, em algumas escolas visitadas pelo Senhor Ministro.

Com confiança em algumas virtudes do novo quadro aguardei expectante pela revelação da escola inclusiva de 2ª geração. No entanto, para meu desconforto e cansaço, o que fui conhecendo e vai sendo divulgado não me ajudou a perceber o que seria.

Continuo a verificar que, tal como aconteceu com o velho 319/91, (nesta altura eu já trabalhava neste universo há 15 anos), quer com o 3/2008 e depois com o actual 54/2018 existiam e existem professores e escolas a realizar trabalhos notáveis que devem ser conhecidos e reconhecidos.

A avaliação dos alunos, a definição dos apoios nas diferentes tipologias (já usadas como categorização uma vez que a outra categorização já não existe), o funcionamento das Equipas, os recursos disponíveis, a organização da intervenção, os papéis ou a articulação dos intervenientes continuam com inúmeros sobressaltos. Recebo muitos testemunhos e dados mais robustos conhecidos também não são particularmente animadores como alguns relatórios da IGEC.

Apesar de agora estar mais desligado em termos profissionais, o interesse e a paixão por este universo mantêm-se e apesar do cansaço, sempre me animo quando conheço situações muito positivas que, felizmente, acontecem todos os dias em tantas escolas.

No entanto, nem tudo vai bem, muito longe disso. Não torturem a realidade que ela não vai confessar.

Há muito que fazer, muito para caminhar.

 

PS - Talvez já vá sendo tempo de não insistir no uso da designação "educação inclusiva" para referir a educação dos alunos que têm algum tipo de dificuldade e que se encaixam nas novas "categorias", os "universais", os "selectivos" e os "adicionais" criadas pelo DL 54, a educação inclusiva é de todos e, portanto, deveria ser “apenas” educação.

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