É preciso insistir e vou repetir-me. De acordo com dados disponibilizados pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, entre Janeiro e Setembro registaram-se 18 mortes em contexto de violência doméstica, 14 mulheres, três homens e uma criança. Face ao mesmo período de 2022 verificou-se uma diminuição ligeira, três casos.
Relativamente a queixas
apresentadas à PSP e GNR, registaram-se 23 306 casos um ligeiro aumento face a
2022, 22 260 casos.
Também aumentou de forma significativa
o número de pessoas colocadas com medidas de coacção. O número de pessoas em situação de
teleassistência, 5110 é o mais elevado desde que existem registos e também se
registou um aumento do número de reclusos por violência doméstica, 1322 com 998
em prisão efectiva e 324 em prisão preventiva.
Acresce que o mundo da violência
doméstica é bem mais denso e grave do que a realidade que conhecemos, ou seja,
aquilo que se conhece, apesar de recorrentemente termos notícias de casos
extremos, é "apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que
esconde muitas mais situações que diariamente ocorrem numa casa perto de si.
Por outro lado, para além da
gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios trágicos de
violência doméstica e como recorrentemente aqui refiro, é ainda inquietante o
facto de que alguns estudos realizados em Portugal evidenciam um elevado índice
de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando
mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador
entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente
configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.
Importa ainda combater de forma
mais eficaz o sentimento de impunidade instalado, as condenações são bastante
menos que os casos reportados e comprovados, bem como alguma “resignação” ou
“tolerância” das vítimas face à situação de dependência que sentem relativamente
ao parceiro, à percepção de eventual vazio de alternativas à separação ou a uma
falsa ideia de protecção dos filhos que as mantém num espaço de tortura e
sofrimento. Felizmente este cenário parece estar em mudança, mas demasiado
lentamente. Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais
lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores
sociais presentes em cada época.
Torna-se ainda necessário que nos
processos de educação e formação dos mais novos possamos desenvolver esforços
que ajustem quadros de valores, de cultura e de comportamentos nas relações
interpessoais que minimizem o cenário negro de violência doméstica em que
vivemos. A educação e o desenvolvimento que sustenta constituem a ferramenta de
mudança mais potente de que dispomos.
É uma aposta que urge e tão
importante como os conhecimentos curriculares. Percebe-se também por estas
questões a importância da abordagem do universo da “Cidadania e
Desenvolvimento” na educação escolar e para todos os alunos.
Entretanto, torna-se fundamental
a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições
de acolhimento suficientes e acessíveis para casos mais graves, um sistema de
protecção e apoio eficiente aos menores envolvidos ou testemunhas destes
episódios, e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.
A omissão ou desvalorização desta
mudança é a alimentação de um sistema de valores que ainda “legitima” a
violência nas relações amorosas, que a entende como “normal”.
Tudo isto tem como efeito a
continuidade dos graves episódios de violência que regularmente se conhecem,
muitos deles com fim trágico.
Apesar da natureza estranha e
complexa dos dias que vivemos, é fundamental não esquecer questões como estas
que devastam o quotidiano ou a vida de muita gente.
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