sábado, 1 de outubro de 2022

PÚBLICAS VIRTUDES, VÍCIOS PRIVADOS

 À semelhança do que acontece em muitos países, também a Igreja em Portugal se tem vindo a mostrar inaceitavelmente tolerante com casos comprovados de abusos sexuais de crianças ou adolescentes por parte de membros do clero ou de instituições sob sua tutela. As queixas e denúncias têm sido recorrentes como recorrentes são os arquivamentos por razões processuais e formais, não porque se tenha provado que não existiram abusos. Em alguns casos, no limite, a hierarquia da igreja “deslocalizou” os sacerdotes envolvidos mantendo-os em funções ou num discreto retiro sem qualquer procedimento mais significativo, .

Recordo que há já alguns anos o então bispo de Setúbal, D. Manuel Martins, afirmar que a Igreja está "atrasada" e não presta atenção às "transformações do mundo".

Na verdade, D. Manuel Martins tinha razão, a reconhecida perda de influência da Igreja, sobretudo nos países mais desenvolvidos, deve-se também ao seu imobilismo, à forma conservadora como não reage às óbvias mudanças sociais, políticas, económicas e culturais sustentando um progressivo afastamento da vida das pessoas, como reconhecia D. Manuel Martins e, acrescento eu, a comportamentos como os que tem adoptado face a sucessivas noticias de abusos por parte de membros do clero ou praticados em instituições religiosas marcado por encobrimento, compra do silêncio das vítimas e negligência. É verdade que foi criada a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa cujos resultados aguardamos.

Um dia, talvez a instituição Igreja aceite e perceba a necessidade de mudança no discurso sobre a anti-concepção, o casamento, o celibato dos padres, a abertura do sacerdócio às mulheres, a ostentação visível em parte da hierarquia da igreja, na necessidade de manter transparência e rigor face a comportamentos que para além do sofrimento das vítimas também acabam por penalizar a própria Igreja, etc.

Enquanto assim não for, talvez a simpatia e as boas intenções e dscursos do Papa Francisco não sejam suficiente para esbater uma ideia de “públicas virtudes, vícios privados” que não sendo, evidentemente, generalizável, também não pode ser tolerada.

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