Lê-se no JN que, de acordo com informação da Autoridade Nacional do Medicamento, metilfenidato foi o medicamento mais prescrito durante o ano de 2021 a crianças e adolescentes entre os 10 e os 14 anos, 169000 embalagens.
A prescrição deste fármaco, comercializado como Ritalina, Concerta ou Rubifen, é destinada ao tratamento da designada perturbação de hiperactividade e défice de atenção (PHDA). Apesar de, felizmente, o consumo ter vindo a diminuir desde 2014, ainda é muito utilizado como os dados agora conhecidos evidenciam.
Estes fármacos são muitas vezes referidos como “o comprimido
da concentração” e usados em quadros de alegados problemas de comportamento,
hiperactividade, défice de atenção ou instabilidade. No entanto, é também usada
como “auxílio” aos resultados escolares sendo ainda conhecida pelo “comprimido
da inteligência”.
Retomo algumas notas pois o consumo destes fármacos envolve
muitos milhares de crianças e adolescentes.
Esta matéria tem sido objecto de intervenções recorrentes e
dada a sua relevância importa continuarmos atentos. Já em 2015 no seu Relatório
Anual, “Estado da Educação 2015”, o Conselho Nacional de Educação relevava o
preocupante consumo desta medicação por parte de crianças e adolescentes.
Também em diferentes intervenções públicas, especialistas como Mário Cordeiro, Gomes Pedro ou Ana Vasconcelos têm revelado sempre uma atitude cautelosa e prudente face aos riscos de hipermedicação ou sobrediagnóstico e alertado para os consequências destas práticas que, aliás, não se verificam em todos os países. A pressão enorme que envolve pais, professores, técnicos e clínicos face ao comportamento de algumas crianças ajuda a perceber a tentação da medicação. Conheço de forma directa algumas situações verdadeiramente preocupantes.
Quem lida com o universo de crianças e jovens que
existe um conjunto de problemas que pode afectar crianças e adolescentes, esses
problemas devem, se necessário é claro, ser abordados com medicação evidentemente, mas,
felizmente, não são tantas as situações como por vezes parece. Inquieta-me
muito a ligeireza com que possam ser produzidos "diagnósticos" e
rótulos que se colam aos miúdos, dos quais dificilmente se libertarão e que
pela banalização da sua utilização se produza uma perigosa indiferença sobre o
que se observa nos miúdos. Aliás, é curioso, insisto, perceber o que se passa noutras realidades.
Inquieta-me que muitos miúdos surjam medicados, chamo-lhes
"ritalinizados", sem que os respectivos diagnósticos conhecidos
pareçam suportar seguramente o recurso à medicação. A sobreutilização ou uso
sem justificação do metilfenidato e de outros fármacos terá riscos, uns já
referenciados, outros em investigação.
Esta matéria, avaliar e explicar o que se passa com crianças
e adolescentes, exige um elevadíssimo padrão ético e deontológico para além da
óbvia competência técnica e científica. Não podemos facilitar embora compreenda
e sinta que a pressão é muita, quer nos contextos familiares, quer nos
contextos escolares e que os recursos, apoios e orientações são muitas vezes
insuficientes.
Creio que, com alguma frequência, alguns comportamentos e
dificuldades escolares dos miúdos, sobretudo nos mais novos que por vezes,
sublinho por vezes, são de uma forma aligeirada remetidos para problemas como
hiperactividade ou défice de atenção, podem estar associados aos seus estilos
de vida ou aos modelos educativos, universo onde se incluem os hábitos e
padrões de sono como, aliás, alguns estudos e a experiência de muitos
profissionais parecem sugerir.
Recordo um estudo, já de 2016, realizado pela Universidade
do Minho que sugere que cerca de 72% de mais de quinhentas crianças e
adolescentes inquiridos, dos 9 aos 17, dormem menos do que seria recomendável
para as suas idades. Aliás, estudos liderados pela Professora Teresa Paiva, uma
conhecida especialista nesta área, vão no mesmo sentido.
E, de uma forma geral, para além das questões ligadas aos
estilos de vida e às rotinas, uma das causas apontadas é a presença de aparelhos
como computadores, tablets ou smartphones no quarto. O período de confinamento
e sobrevalorização da presença dos dispositivos digitais no dia-a-dia acentuou
algumas preocupações.
Assim, acontece que durante o período que seria dedicado ao
sono, sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes continuam diante de
um ecrã. Como é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar
consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção,
ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro
geral de pior qualidade de vida.
Também sabemos que este período de pandemia e pós-pandemia
tem evidenciado um acréscimo de situações de mal-estar de crianças e jovens pelo
que aumentarão os pedidos de ajuda. No entanto, a prudência é um bem de
primeira necessidade.
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