Para que não nos esqueçamos, o calendário das consciências determina para hoje o Dia Mundial do Combate ao Bullying. Não há muito de novo a dizer, a não ser que nos tempos que atravessamos o fenómeno do bullying e em particular do cyberbullying, continua a ser fonte de sofrimento para muitas crianças e jovens e, naturalmente, uma fonte de preocupação para famílias, professores e técnicos. Ainda assim, algumas notas.
Mesmo durante os períodos de
confinamento a variante cyberbullying constituiu uma fonte de enorme
inquietação como emergiu no estudo “Cyberbullying em Portugal durante a
pandemia da covid-19” do Centro de Investigação e Intervenção Social do ISCTE –
Instituto Universitário de Lisboa, que aqui
referi, e nos dados revelados pela Associação Portuguesa Contra a
Obesidade Infantil, uma em cada cinco crianças com obesidade foi pela primeira
vez vítima de cyberbullying durante os meses de confinamento e ensino à
distância.
Um trabalho que aqui já referi, “Global estimates of violence against children with disabilities: an updated systematic review and meta-analysis”, divulgado este ano na The Lancet Child &
Adolescent Health, mostrou com indicadores alarmantes, mas, lamentavelmente,
não surpreendentes. Cerca de uma em cada três crianças ou adolescentes com
deficiência é vítima de algum tipo de violência, física, emocional, sexual ou
negligência. No caso mais particular do bullying verifica-se um significativo
nível de vitimização, cerca de 40% das crianças com deficiência terá sido alvo
deste tipo de comportamento. O bullying presencial, violência física, verbal ou
social como bater, pontapear, insultar, ameaçar ou excluir é mais comum, 37%,
do que o cyberbullying (23%).
O estudo recorreu a dados
relativos a mais de 16 milhões de crianças de 25 países, recorrendo ao
tratamento de 98 estudos, realizados entre 1990 e 2020, de que 75 respeitam a
países de mais elevados rendimentos e 23 relativos a sete países de baixo ou
médio rendimento.
Os dados conhecidos no que
respeita ao bullying e considerando que não correspondem ao universo de
ocorrências, mostram a necessidade de
uma área reflexão e intervenção nos contextos educativos que chegue a todos os alunos e que promova a
qualidade das relações interpessoais, a empatia, solidariedade e inteligência
emocional, etc.
O cyberbullying parece ser
actualmente a variante de bullying mais preocupante. Contrariamente ao bullying
presencial o cyberbullying não tem “intervalos”, normalmente os fins-de-semana
pois ocorrem predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s)
agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento
infringido o que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e
inibir o comportamento agressivo. Esta situação é potenciada quando se junta a
um menor nível de empatia pelo outro o que ficou muito claro no primeiro
trabalho citado acima e que merece leitura.
Também por estas razões é
fundamental uma atitude ajustada face a este tipo de comportamentos.
Em termos globais e como já
referi sabemos que a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao
número de casos que são relatados. Uma das características do fenómeno, nas
suas diferentes formas, incluindo o cyberbullying, é justamente o medo e a
ameaça de represálias a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a
queixa pelo que ainda mais se justifica a atenção proactiva e preventiva de
adultos, pais, professores, técnicos ou funcionários.
Este cenário determinaria, só por
si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem
minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.
Neste contexto e dada a gravidade
e frequência com que ocorrem estes episódios, é imprescindível que lhes
dediquemos atenção ajustada a sinais dados por crianças e adolescentes, nem
sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade,
nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.
Neste universo e mais uma vez
importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais
conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta
intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais
de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com
alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por
castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam
por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição,
quando for caso disso.
Esta utilização mostra a
necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais
para que pais, professores e alunos possam obter informação e apoio. Entretanto
estão criados vários portais e disponíveis alguns canais de denúncia e procura
de orientação e suporte dirigido a pais, professores, técnicos e, naturalmente,
alunos.
Lamentavelmente, parte importante
das entidades e iniciativas de apoio e suporte é exterior às escolas e ilustra
a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das
insuficiências de recursos e na formação de técnicos e de professores sobre
esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento e identificação.
A existência de dispositivos de
apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes,
designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de
supervisão dos espaços escolares, é uma tarefa urgente.
Do meu ponto de vista, o
argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar ou não
fazer são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre
mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário. Muitas crianças e
adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes,
não damos ou não conseguimos dar atenção, seja em casa, ou na escola.
Estes sinais não devem ser
ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.
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