quarta-feira, 25 de maio de 2022

(QUASE) TUDO VAI BEM. OU NÃO?

 

Como sempre, li com muito interesse no Expresso as referências à intervenção do Ministro da Educação no 2.º Encontro Nacional de Autonomia e Flexibilidade Curricular ontem realizado

Do que li registei que já não é preciso “ir a países longínquos para ver um sistema educativo moderno e contemporâneo” porque “a escola pública portuguesa faz muito e muito bem”. Aliás, Amapola Alama, especialista da UNESCO, afirmou no mesmo encontro, "Vocês são o 'Rolls-Royce' dos sistemas de educação. Estão entre os 40 países de topo no mundo da educação" disse a especialista em currículos escolares da UNESCO. É bonito e gosto da imagem. Acredito que, felizmente, muitos alunos andarão no “Rolls Royce”, mas muitos outros andam de bicicleta ou a pé, provavelmente por razões ambientais.

Não pude deixar de ficar satisfeito porque “Temos níveis históricos de abandono escolar precoce, numa redução rápida e sustentada. Temos níveis históricos de sucesso escolar e não fazemos [esse percurso] com o trabalho de menorizar as aprendizagens – fazemo-lo com este mote (…) de sermos cada vez mais exigentes naquilo que é a qualidade das aprendizagens”.

Soube com particular agrado que acabou “o tempo do currículo toca-e-foge, toma lá hoje, debita amanhã, esquece depois de amanhã”, alegando que, na atualidade, as escolas propõem “um currículo muito mais desafiante e ambicioso, em que ensinam não apenas coisas que se aprendem e se sabem, mas também o raciocínio, a resolução de problemas, [a capacidade de] pensar criticamente e de criar”.

Registei ainda o desagrado do Senhor Ministro, pois “Já chega de pintar um retrato da escola portuguesa que não corresponde à realidade. Parece que andam sempre à procura do que corre mal, ignorando que, todos os dias, nas nossas escolas, há um milhão e 300 mil crianças a aprender e 100 mil professores a ensinar, e que as coisas correm bem”, declarou.

Curiosamente, estas afirmações foram proferidas num encontro em que se apresentou o estudo, “Observatório Escolar: Monitorização e Ação - Saúde Psicológica e Bem-estar”, encomendado pelo Ministério da Educação, evidenciando em síntese que um terço dos alunos inquiridos (cerca de 8 000 e metade dos docentes inquiridos (cerca de 1400) apresenta sinais de sofrimento psicológico. Provavelmente, para o Senhor Ministro este quadro é tranquilo, chega de ver problemas onde não existem.

Nesta intervenção achei também interessante a inevitável referência ao estudo do bem-estar emocional em contexto educativo como um dos novos instrumentos a que se pretende recorrer para sustentar as decisões do Ministério em indicadores concretos “e não em laxismos ou opiniões”.

É verdade que sempre me anima e não esqueço o que de positivo diariamente acontece nas escolas, mas ao fim de umas décadas, o cansaço é grande. Sim Senhor Ministro, temos caminhado positivamente em muitos sentidos, mas estamos longe do que ainda precisamos de caminhar. O desenvolvimento das sociedades, os períodos críticos pelos quais passamos, a enorme desigualdade que ainda se verifica, levantam desafios gigantes a alunos, professores e famílias e o "Rolls-Royce" não transporta todos.

Não quero fazer o papel do miúdo que diz que o “rei vai nu”, primeiro porque já não tenho idade para isso e, segundo, porque não seria de todo justo, o rei anda composto, por assim dizer.

Também não gosto de me sentir o Waldorf ou o Statler, os velhos dos Marretas que estão sempre na crítica, até porque, de novo, muita coisa de bom acontece, mas … a verdade é que julgo que só afirmar a mudança, ainda que num caminho ajustado, só por si, não significa … que a mudança aconteça generalizadamente.

Décadas de trabalho neste universo não me deixam acreditar na chegada dos amanhãs que cantam. Não queria repetir porque, sim, existem muitas coisas muito bonitas, mas … nem tudo vai bem. Não torturemos a realidade que ela não vai confessar. Na verdade, nem sempre conseguimos perceber os “Rolls-Royce” que nos dizem existir.

Aliás, e pegando na incontornável referência à inclusão, devo acrescentar que não acredito em escolas inclusivas. Não me batam, tento explicar.

Como disse Biesta, a história da inclusão é a história da democracia. Olhando para os tempos actuais e apesar de confiar no poder transformador da escola a inevitável ligação entre a sociedade e a escola e sociedade leva a que também nesta se reflictam estes tempos e Portugal não é excepção.

Acredito sim em escolas e professores, a maioria, que com visão, competência e esforço assentes em princípios de educação inclusiva procuram diariamente combater os riscos e as situações de exclusão que muitas crianças pelas mais variadas razões correm ou vivem.

Precisamos de políticas públicas integradas e adequadas. Projectos, iniciativas, inovação, actividades que, demasiadas vezes chegam do exterior às escolas, podem ser interessantes … mas não são mágicos por mais que num exercício de "wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal.

Daí este meu cansaço.

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