Vão negros os tempos.
Desta vez o choque e o horror
aconteceram em Uvalde, Texas, Estados Unidos. Um jovem de 18 anos assassinou
pel0 menos 19 crianças de uma escola primária, uma professora, tendo ele
próprio sido abatido pela polícia. Provavelmente, os números serão mais
elevados e os efeitos gerados nas famílias e na comunidade são devastadores.
Acrescenta-se mais um marco
trágico num caminho que já vai longo, demasiado longo. Recorde-se alguns dos
mais brutais, Santa Fé, Texas e Parkland, (2018), Columbine (1999), Virgina
Tech (2007), ou Sandy Hook (2012) .
Em cada momento desta trágica
natureza invade-nos um sentimento de perplexidade. Porquê?
No que diz respeito aos Estados
Unidos a insanidade do quadro legal de acesso às armas é por demais evidente e constitui
uma variável crítica que, no entanto, não explica tudo.
Acontecem com regularidade
episódios desta natureza ainda que alguns com menor gravidade. Para além dos
episódios que referi nos Estados Unidos também a Noruega, França ou Finlândia
assistiram a grandes tragédias.
Em alguns casos, lembro-me, por
exemplo, dos distúrbios de há uns anos em Inglaterra em que os comportamentos
observados assemelhavam-se grotescamente a um videojogo violento com
personagens reais.
Também em Portugal se têm
verificado alguns casos de violência extrema envolvendo jovens, apesar de
terem, felizmente, efeitos menos trágicos, levando-nos a questionar os nossos
valores, modelos educativos, códigos e leis pela perplexidade que nos causam.
Esta perplexidade exige a
necessidade de tentarmos perceber um processo que designo como "incubação
do mal" que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na infância e
adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente
despercebidas, mas que insidiosamente começam a ganhar um peso interior
insuportável cuja descarga apenas precisa de um gatilho, de uma oportunidade. O
que se vai conhecendo do jovem envolvido nesta mais recente tragédia é por
demais expressivo.
A fase seguinte pode passar por
duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva,
possa drenar esse mal-estar, nessa altura já desregulação de valores, ódio e
agressividade. Uma outra via em que aumenta exponencialmente o risco de um pico
que pode ser um tiroteio numa escola ou noutro espaço público, a bomba
meticulosamente e obsessivamente preparada ou uma investida contra alguém
arriscando a entrada numa espiral de violência cheia de "adrenalina",
em nome de coisa nenhuma a não ser de um "mal-estar" que destrói
valores e gente. O jovem envolvido neste episódio parece corresponder ao
padrão de quem “incubava o mal”, foi vitimizado e vivia entregue ao seu
isolamento e mal-estar.
É evidente que a punição e a
detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade
perigosamente presente na nossa comunidade, mas é minha forte convicção de que
só punir e prender não basta assim, como apenas a mudança do quadro legal de
acesso a armas não faria, só por si, com que não acontecessem episódios desta
dimensão trágica.
Sabendo que prevenção e programas
comunitários e de integração têm custos, importa ponderar entre o que custa
prevenir e os custos posteriores da violência, da delinquência continuada e da
insegurança.
Importa ainda estratégias mais
proactivas e eficientes de minimizar, a exclusão, o abandono e insucesso
educativos, o “mal-estar” psicológico, a guetização e "quase total" e,
muitas vezes, a desocupação de quem não estuda, nem trabalha. Para esta gente,
o futuro passa por onde, por quem e porquê?
Finalmente, a importância de uma
precoce e permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar,
tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho
que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.
Nos Estados Unidos, na Noruega,
na França, na Alemanha, no Brasil ... ou em Portugal.
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