terça-feira, 31 de maio de 2022

DO SUCESSO ESCOLAR

 A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência divulgou o relatório “Resultados escolares: sucesso e equidade”, que analisa o percurso escolar dos alunos entre 2018 e 2020.

Considerando o indicador utilizado, conclusão de cada ciclo e do ensino secundário no número de anos que tem, temos que 89% dos alunos do 1º ciclo, 95% no 2º ciclo e 86% no 3º ciclo terminaram no tempo esperado.

No que respeita ao secundário, 67% dos estudantes acabaram o 12º nos três anos previstos e nos cursos profissionais do secundário 65% dos alunos terminaram também nos três anos.

Estes resultados mostram melhorias relativamente a anos anteriores.

Considerando o percurso escolar dos alunos abrangidos pela Acção Social Escolar e sem estranheza os resultados são inferiores, 78% do total de alunos abrangido acabaram no tempo esperado.

De uma forma um pouco mais particular, registam-se significativas assimetrias geográficas, as regiões do Baixo Alentejo, Algarve e Área Metropolitana de Lisboa continuam a registar indicadores mais baixos.

Neste contexto umas notas necessariamente breves

Genericamente, o facto de se registar uma melhoria de resultados é positivo e regista-se.

Mas, lá vem o mas, o estudo tem como indicador de sucesso a transição de ano o que, do meu ponto de vista, sugere alguma prudência conhecendo o nosso sistema educativo e a forma como, por vezes, é gerida a “passagem” de ano dos alunos.

Para sustentar a melhoria dos resultados, do sucesso, seria imprescindível a existência de dispositivos externos de regulação que nos dessem “retratos” robustos e comparáveis dos trajectos escolares.

O ME entende que não se realizando exames nacionais no 4º e 6º ano (que não me parecem imprescindíveis) a reintrodução das provas de aferição no 2º, 5º e 8º ano servem com avaliação externa o que não me parece, como aqui já tenho afirmado. Dado que ainda não foi alterada, a Lei de Bases do Sistema Educativo define que o ensino básico se organiza numa lógica de ciclo e não de disciplina como o secundário.

Assim, uma avaliação externa de aferição teria de ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo.

Aliás, o IAVE também divulgou resultados das provas de aferição realizadas em 2021. No 2º ano, na prova de aferição de Português e Estudo de Meio, apenas 7,8% dos alunos responderam de forma completamente correcta, isto é, “apresentaram uma explicação fundamentada, analisando as ideias e construindo um raciocínio”. Na “análise e avaliação do conteúdo” de um texto, a percentagem média de respostas correctas situou-se nos 19%.

Em Matemática os alunos do 2º e do 8º evidenciam dificuldades persistente na “resolução de problemas”.

Em termos gerais, no 2º apenas em dois domínios, Oralidade em Português e Tecnologia em Estudo do Meio, se verificou que a maioria de alunos resolveu as questões colocadas.

No 5.º e no 8.º ano o cenário foi mais negativo, a percentagem de alunos que respondeu sem dificuldades, variou, conforme os domínios em avaliação, entre 2,7% e 44,2%, sendo que na maioria dos domínios analisados ficou abaixo dos 20%.

Tenho algumas dúvidas relativas à coerência dos resultados entre os resultados das provas de aferição com os indicadores de sucesso que são baseados nas taxas de completamento dos ciclos nos anos definidos. Dito de outra maneira, será que o sucesso significa conhecimentos e competências adquiridas ou a “passagem” de ano?

Devo dizer que colocar esta questão não significa defender a retenção, o chumbo não produz sucesso e, muito menos, combate a desigualdade, nenhuma dúvida sobre isto.

A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.

É o que ainda não conseguimos fazer acontecer de forma consistente, generalizada e sustentada em Portugal, apesar da imensidade de projectos, iniciativas, inovação, actividades que, demasiadas vezes chegam do exterior às escolas, podem ser interessantes … mas não são mágicos, por mais que num exercício de "wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal.

Não vale a pena insistir.

segunda-feira, 30 de maio de 2022

A ESCOLA PODE FAZER A DIFERENÇA

 Numa peça do Público divulga-se o trabalho muito interessante desenvolvido na  Escola Luís António Verney em Lisboa. No âmbito do combate ao insucesso e abandono tornou-se uma escola de ensino artístico especializado na área de música e dança e tem agora os seus primeiros finalistas.

Não conheço a realidade abordada, conheço outras e sei que é possível. A escola e os professores, não sendo a solução para os todos os males do mundo, podem e fazem a diferença e tornam-se uma dimensão essencial na construção de projectos de vida positivos para os seus alunos. Algumas notas de natureza global.

A escola, no seu sentido genérico, não tem responsabilidade directa por décadas de políticas urbanísticas, sociais, educativas, económicas que produzem exclusão e pobreza.

A escola, no sentido genérico, não tem responsabilidade directa na manutenção de estereótipos, preconceitos ou representações sociais sobre pessoas ou grupos.

No entanto, é também pela escola que passam as consequências deste cenário e as alterações positivas que desejamos que aconteçam e importa reconhecer que a escola continua a enfrentar dificuldades enormes e acrescidas.

Ainda assim, não sendo por milagre, não sendo por acaso, não sendo por mistério, com recursos e visão a escola, cada escola, pode e deve procurar fazer a diferença e contrariar os riscos e as dificuldades que aguardam (sobretudo) as crianças nascidas no lado menos confortável da vida, mas que também podem envolver qualquer criança de qualquer família.

Apesar de todas as dificuldades são possíveis as boas práticas que merecem divulgação e reconhecimento.

Do meu ponto de vista, tantas vezes aqui afirmado, a questão central será a valorização da escola pública. Esta valorização deverá assentar em quatro eixos fundamentais, a qualidade considerando resultados, desburocratização de processos, autonomia e gestão optimizada de recursos, segundo eixo, a promoção de um projecto sólido de promoção de qualidade para todos, a melhor forma de combater os mecanismos de exclusão e a desigualdade de entrada, terceiro eixo, diferenciação de metodologias, diferenciação progressiva e não prematura dos percursos de educação e formação para responder à diversidade dos alunos e, quarto eixo, dispositivos de apoio oportunos, suficientes e competentes às dificuldades de alunos e professores.

Este entendimento, do meu ponto de vista, não carece de uma cansativa retórica em torna da inovação e, muito menos, da revolução sempre anunciada nas nossas escolas com novos paradigmas alimentada por uma nuvem de iniciativas e projectos que muitas vezes não têm grande potencial de mudança e alimentam pequenas ou grandes agendas.

domingo, 29 de maio de 2022

A MAÇÃ É BOA, TEM BICHO

Nos últimos dias surgiu na imprensa a referência a que maçãs e pêras produzidas em Portugal estão no 2º lugar na maior proporção de fruta contaminada. O estudo foi desenvolvido em 2019 pela "Pesticide Action Network", uma rede de mais de 600 organizações não governamentais, instituições e cidadãos de mais de 60 países, que combate os efeitos negativos dos pesticidas perigosos e promove alternativas mais amigáveis e ecológicas.

Os resultados divulgados referem que em 85% das pêras portuguesas e em 58% de todas as maçãs testadas foi encontrada contaminação por pesticidas perigosos.

Organizações ligadas à agricultura e a Ministra da tutela já vieram “desdramatizar” a notícia, desvalorizam o estudo e sublinham a qualidade da nossa fruta.

Esta leitura recordou-me um episódio passado lá no Alentejo. Num daqueles encontros com petiscos, lérias e cante, um dos companheiros afirmou que só comia fruta que tinha bicho, "é a que presta".

Perante a nossa estranheza explicou, "essa fruta que se vê aí grande e a brilhar e sem bicho não presta, está carregada de “cobertura”. Então nem o bicho lhe pega e vou eu comê-la? Isso é que era bom, se a fruta não é boa para o bicho, é boa para mim?".

Sendo certo que os olhos também comem, o embrulho nem sempre corresponde ao conteúdo.

Eu também prefiro a fruta lá do Monte, mesmo que tenha umas “imperfeições”, falta de calibre ou não pareça que foi “engraxada”.


sábado, 28 de maio de 2022

DELINQUÊNCIA, ADOLESCENTES E JOVENS

 

Foi divulgado o Relatório Anual de Segurança Interna relativo a 2021. Registou-se uma subida de 0,9% da criminalidade geral, mas uma descida de 6,9% na criminalidade violenta e grave.

Alguns indicadores no que respeita aos comportamentos de adolescentes e jovens. Os crimes que envolvem grupos de indivíduos entre os 15 e os 25 subiu 7,7% e a criminalidade juvenil, entre os 12 e os 16 anos, aumentou 7,3%, o segundo maior aumento da última década.

Considerando as ocorrências registadas em meio escolar em 20/21, regista-se uma diminuição de 6,8%, tendo-se evidenciado um abaixamento do número de registos em todos os tipos de ilícito à excepção das ofensas sexuais.

A propósito destes dados umas notas breves.

A questão de comportamentos desajustados nos adolescentes e jovens é complexa e remete para um conjunto alargado de dimensões das políticas públicas e, naturalmente, da definição de prioridades, recursos, iniciativas e actividades.

A educação escolar e, claro, a educação familiar constituem áreas críticas. Sabemos que escola não pode, nem lhe compete, resolver todos os problemas de crianças, adolescentes e jovens, mas também sabemos que escola pode fazer a diferença na vida de muita gente, incluindo as famílias. Mais uma vez teremos de colocar em cima da mesa as prioridades e objectivos, as competências, os recursos e os procedimentos.

As sociedades actuais, os estilos de vida, as exigências de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na educação em contexto familiar.

Creio que já dificilmente se entende que a “família educa e a escola instrói”.

Nas sociedades contemporâneas um sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. É através de uma educação global de qualidade que se minimiza o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis e, também, se minimiza o risco de comportamentos anti-sociais.

Apesar de algumas vozes dissonantes, creio que já dificilmente se entende que a escola forma “técnicos” e não cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos conhecimentos em múltiplas áreas. Aliás, se bem repararem quase sempre falamos de sistemas de educação e não de sistemas de ensino e ainda bem que assim é.

Também me parece que já dificilmente se entende que o conhecimento é asséptico. O conhecimento, a sua produção e a sua divulgação, tem, deve ter, sempre um enquadramento ético e não é imune a valores.

Creio que os tempos mais recentes são elucidativos de como a abordagem de matérias como Direitos Humanos; Igualdade de Género; Interculturalidade; Desenvolvimento Sustentável; Educação Ambiental; Saúde; Sexualidade; Media; Instituições e Participação Democrática; Literacia Financeira e Educação para o Consumo; Segurança Rodoviária; Risco, Empreendedorismo; Mundo do Trabalho, Segurança defesa e paz, Bem-estar animal e Voluntariado são fundamentais ao longo do processo de formação de crianças, jovens e adultos.

Neste contexto, entendo a necessidade de que matérias desta natureza devem integrar o trabalho desenvolvido na acção educativa em contexto escolar. Com o mesmo objectivo será importante o desenvolvimento de programas de natureza comunitária envolvendo diferentes áreas das políticas públicas.

Precisamos e devemos discutir como fazer sempre, com que recursos e objectivos, promover a autonomia das escolas., também nestas questões. Por outro lado, não acredito na disciplinarização destas matérias, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.

Sabemos que a prevenção e programas de natureza comunitária, socioeducativa, têm custos, mas importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da pobreza, exclusão, delinquência continuada e da insegurança.

sexta-feira, 27 de maio de 2022

SEMENTES DO MAL

 Vão negros os tempos.

Desta vez o choque e o horror aconteceram em Uvalde, Texas, Estados Unidos. Um jovem de 18 anos assassinou pel0 menos 19 crianças de uma escola primária, uma professora, tendo ele próprio sido abatido pela polícia. Provavelmente, os números serão mais elevados e os efeitos gerados nas famílias e na comunidade são devastadores.

Acrescenta-se mais um marco trágico num caminho que já vai longo, demasiado longo. Recorde-se alguns dos mais brutais, Santa Fé, Texas e Parkland, (2018), Columbine (1999), Virgina Tech (2007), ou Sandy Hook (2012) .

Em cada momento desta trágica natureza invade-nos um sentimento de perplexidade. Porquê?

No que diz respeito aos Estados Unidos a insanidade do quadro legal de acesso às armas é por demais evidente e constitui uma variável crítica que, no entanto, não explica tudo.

Acontecem com regularidade episódios desta natureza ainda que alguns com menor gravidade. Para além dos episódios que referi nos Estados Unidos também a Noruega, França ou Finlândia assistiram a grandes tragédias.

Em alguns casos, lembro-me, por exemplo, dos distúrbios de há uns anos em Inglaterra em que os comportamentos observados assemelhavam-se grotescamente a um videojogo violento com personagens reais.

Também em Portugal se têm verificado alguns casos de violência extrema envolvendo jovens, apesar de terem, felizmente, efeitos menos trágicos, levando-nos a questionar os nossos valores, modelos educativos, códigos e leis pela perplexidade que nos causam.

Esta perplexidade exige a necessidade de tentarmos perceber um processo que designo como "incubação do mal" que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na infância e adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas, mas que insidiosamente começam a ganhar um peso interior insuportável cuja descarga apenas precisa de um gatilho, de uma oportunidade. O que se vai conhecendo do jovem envolvido nesta mais recente tragédia é por demais expressivo.

A fase seguinte pode passar por duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva, possa drenar esse mal-estar, nessa altura já desregulação de valores, ódio e agressividade. Uma outra via em que aumenta exponencialmente o risco de um pico que pode ser um tiroteio numa escola ou noutro espaço público, a bomba meticulosamente e obsessivamente preparada ou uma investida contra alguém arriscando a entrada numa espiral de violência cheia de "adrenalina", em nome de coisa nenhuma a não ser de um "mal-estar" que destrói valores e gente. O jovem envolvido neste episódio parece corresponder ao padrão de quem “incubava o mal”, foi vitimizado e vivia entregue ao seu isolamento e mal-estar.

É evidente que a punição e a detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade perigosamente presente na nossa comunidade, mas é minha forte convicção de que só punir e prender não basta assim, como apenas a mudança do quadro legal de acesso a armas não faria, só por si, com que não acontecessem episódios desta dimensão trágica.

Sabendo que prevenção e programas comunitários e de integração têm custos, importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da violência, da delinquência continuada e da insegurança.

Importa ainda estratégias mais proactivas e eficientes de minimizar, a exclusão, o abandono e insucesso educativos, o “mal-estar” psicológico, a guetização e "quase total" e, muitas vezes, a desocupação de quem não estuda, nem trabalha. Para esta gente, o futuro passa por onde, por quem e porquê?

Finalmente, a importância de uma precoce e permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.

Nos Estados Unidos, na Noruega, na França, na Alemanha, no Brasil ... ou em Portugal.

quinta-feira, 26 de maio de 2022

DIA DA ESPIGA

 Muito provavelmente, com tantas coisas a acontecer e a inquietar, já pouca gente notará que passa o Dia da Espiga, como se dizia quando era pequeno para referir a Quinta-feira da Ascensão. A verdade é que cada vez menos gente se irá lembrando do Dia da Espiga.

O Dia da Espiga sempre me leva a umas dezenas de anos lá para trás no tempo.

Na minha casa íamos sempre procurar a sorte prometida no ramo da Espiga. Com o meu pai, pegávamos nas bicicletas, na altura o meio de transporte familiar, e íamos à quinta onde vivia a Avó Leonor apanhar o ramo da Espiga, papoilas, flores silvestres, sobretudo malmequeres amarelos e brancos, o que se encontrasse de espigas de cereais e o ramo de oliveira.

Fazia-se o ramo atado com ráfia, arranjávamos sempre mais do que um para oferecer aos vizinhos e colocava-se pendurado lá em casa por cima da mesa do jantar como chamariz da sorte. Saía apenas quando era substituído por um novo ramo da Espiga. Nunca me lembro de termos conseguido associar a presença do ramo ao que de bom nos ia acontecendo, mas o ramo da Espiga lá estava e a tradição era sempre cumprida.

Nas novas qualidades que o mundo vem tomando, não parece que possam caber minudências como andar no campo, se houver campo, à cata de flores, espigas e um raminho de oliveira. Por estes dias parece ainda menos provável.

Não sei se é bom, ou se é mau, mas eu gostava de ir à Espiga, mesmo se não confiava muito na sorte.

Resta dizer que o ramo da Espiga será construído daqui a pouco com o que vamos encontrar no campo aqui do monte. Cá em casa algumas tradições mantêm-se.

Coisas de velhos, já se vê.

Amanhã, voltamos à agenda e que a espiga nos traga sorte.

quarta-feira, 25 de maio de 2022

(QUASE) TUDO VAI BEM. OU NÃO?

 

Como sempre, li com muito interesse no Expresso as referências à intervenção do Ministro da Educação no 2.º Encontro Nacional de Autonomia e Flexibilidade Curricular ontem realizado

Do que li registei que já não é preciso “ir a países longínquos para ver um sistema educativo moderno e contemporâneo” porque “a escola pública portuguesa faz muito e muito bem”. Aliás, Amapola Alama, especialista da UNESCO, afirmou no mesmo encontro, "Vocês são o 'Rolls-Royce' dos sistemas de educação. Estão entre os 40 países de topo no mundo da educação" disse a especialista em currículos escolares da UNESCO. É bonito e gosto da imagem. Acredito que, felizmente, muitos alunos andarão no “Rolls Royce”, mas muitos outros andam de bicicleta ou a pé, provavelmente por razões ambientais.

Não pude deixar de ficar satisfeito porque “Temos níveis históricos de abandono escolar precoce, numa redução rápida e sustentada. Temos níveis históricos de sucesso escolar e não fazemos [esse percurso] com o trabalho de menorizar as aprendizagens – fazemo-lo com este mote (…) de sermos cada vez mais exigentes naquilo que é a qualidade das aprendizagens”.

Soube com particular agrado que acabou “o tempo do currículo toca-e-foge, toma lá hoje, debita amanhã, esquece depois de amanhã”, alegando que, na atualidade, as escolas propõem “um currículo muito mais desafiante e ambicioso, em que ensinam não apenas coisas que se aprendem e se sabem, mas também o raciocínio, a resolução de problemas, [a capacidade de] pensar criticamente e de criar”.

Registei ainda o desagrado do Senhor Ministro, pois “Já chega de pintar um retrato da escola portuguesa que não corresponde à realidade. Parece que andam sempre à procura do que corre mal, ignorando que, todos os dias, nas nossas escolas, há um milhão e 300 mil crianças a aprender e 100 mil professores a ensinar, e que as coisas correm bem”, declarou.

Curiosamente, estas afirmações foram proferidas num encontro em que se apresentou o estudo, “Observatório Escolar: Monitorização e Ação - Saúde Psicológica e Bem-estar”, encomendado pelo Ministério da Educação, evidenciando em síntese que um terço dos alunos inquiridos (cerca de 8 000 e metade dos docentes inquiridos (cerca de 1400) apresenta sinais de sofrimento psicológico. Provavelmente, para o Senhor Ministro este quadro é tranquilo, chega de ver problemas onde não existem.

Nesta intervenção achei também interessante a inevitável referência ao estudo do bem-estar emocional em contexto educativo como um dos novos instrumentos a que se pretende recorrer para sustentar as decisões do Ministério em indicadores concretos “e não em laxismos ou opiniões”.

É verdade que sempre me anima e não esqueço o que de positivo diariamente acontece nas escolas, mas ao fim de umas décadas, o cansaço é grande. Sim Senhor Ministro, temos caminhado positivamente em muitos sentidos, mas estamos longe do que ainda precisamos de caminhar. O desenvolvimento das sociedades, os períodos críticos pelos quais passamos, a enorme desigualdade que ainda se verifica, levantam desafios gigantes a alunos, professores e famílias e o "Rolls-Royce" não transporta todos.

Não quero fazer o papel do miúdo que diz que o “rei vai nu”, primeiro porque já não tenho idade para isso e, segundo, porque não seria de todo justo, o rei anda composto, por assim dizer.

Também não gosto de me sentir o Waldorf ou o Statler, os velhos dos Marretas que estão sempre na crítica, até porque, de novo, muita coisa de bom acontece, mas … a verdade é que julgo que só afirmar a mudança, ainda que num caminho ajustado, só por si, não significa … que a mudança aconteça generalizadamente.

Décadas de trabalho neste universo não me deixam acreditar na chegada dos amanhãs que cantam. Não queria repetir porque, sim, existem muitas coisas muito bonitas, mas … nem tudo vai bem. Não torturemos a realidade que ela não vai confessar. Na verdade, nem sempre conseguimos perceber os “Rolls-Royce” que nos dizem existir.

Aliás, e pegando na incontornável referência à inclusão, devo acrescentar que não acredito em escolas inclusivas. Não me batam, tento explicar.

Como disse Biesta, a história da inclusão é a história da democracia. Olhando para os tempos actuais e apesar de confiar no poder transformador da escola a inevitável ligação entre a sociedade e a escola e sociedade leva a que também nesta se reflictam estes tempos e Portugal não é excepção.

Acredito sim em escolas e professores, a maioria, que com visão, competência e esforço assentes em princípios de educação inclusiva procuram diariamente combater os riscos e as situações de exclusão que muitas crianças pelas mais variadas razões correm ou vivem.

Precisamos de políticas públicas integradas e adequadas. Projectos, iniciativas, inovação, actividades que, demasiadas vezes chegam do exterior às escolas, podem ser interessantes … mas não são mágicos por mais que num exercício de "wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal.

Daí este meu cansaço.

terça-feira, 24 de maio de 2022

SAÚDE MENTAL, BEM-ESTAR E ESCOLA

 Serão apresentados hoje os resultados e conclusões do estudo “Saúde Psicológica e Bem-estar” promovido pelo Ministério da Educação que procura caracterizar a saúde mental e bem-estar de alunos e professores. O estudo envolveu 8.067 crianças e adolescentes do pré-escolar até ao 12.º ano e 1.457 professores.

O estudo merece atenção e análise aos dados encontrados.

Alguns indicadores retirados da peça no Público

 


A experiência abrupta dos períodos de confinamento total por que passaram milhões de crianças e adolescentes em todo o mundo com o encerramento de escolas e, praticamente, de todos os serviços da comunidade de que são utentes, não podia deixar de ter implicações no seu bem-estar.

Desde logo e naturalmente pelo impacto no seu trajecto educativo e de aprendizagem, mas também no seu bem-estar, na sua saúde mental. Aliás, também nos adultos é considerável este impacto como agora se regista nos docentes.

O confinamento a que foram sujeitos em contextos familiares em que nem sempre os factores de protecção equilibravam os factores de risco, sustentou mudanças no seu bem-estar e comportamentos e a emergência de quadros de risco que agora viajam na "mochila" que os alunos carregam para a escola.

De facto, têm sido múltiplos os estudos que referem esta questão, a deterioração da saúde mental de crianças e jovens, mas também de adultos, designadamente professores no quadro da pandemia e, no caso de docentes, de questões de natureza profissional. Os confinamentos a que se associaram os períodos de isolamento, a falta de rede social dos pares, as dificuldades de diversa ordem sentidas nos contextos familiares terão dado um contributo significativo. Os dados mais recentes acentuam a importância desta matéria.

Deste quadro resulta a necessidade e urgência de atenção à saúde mental de crianças e jovens ainda que habitualmente a saúde mental seja um parente pobre das políticas públicas de saúde.

Assim, é fundamental que as comunidades educativas tenham os recursos ou dispositivos de acesso a esses recursos que acomodem as situações de vulnerabilidade psicológica e mal-estar. As crianças e adolescentes com necessidades específicas estarão muito provavelmente em situação de risco acrescido.

Crianças e adolescentes são mais resistente do que por vezes parecem, felizmente. No entanto, como já tenho escrito, importa um ambiente sereno que tranquilize e apoie alunos, professores, pais e técnicos.

É preciso sublinhar os professores e todos os que estão nas escolas precisam dessa tranquilidade para que possam ter mais bem-estar e melhor ensinem, apoiem e aprendam.

Será bom não esquecer que, par além dos recursos existem circunstâncias de risco para os quais se exigem políticas públicas adequadas.

Contextos familiares vulneráveis são, por exemplo, uma ameaça ao bem e estar e saúde mental de crianças e adolescentes. No que respeita aos professores, as condições de carreira e avaliação, a instabilidade nos trajectos profissionais a desvalorização sentida pelos professores, a asfixia da burocracia, o clima de escola em algumas situações, são, entre outras razões, um forte contributo para um mal-estar que afecta muitos docentes.

Por todo este cenário é crítico que a recuperação no plano das aprendizagens estivesse associada a uma forte preocupação com a saúde mental de alunos e professores com os apoios e recursos necessários.

Ao que tem sido divulgado o Plano de Recuperação e Resiliência prevê um investimento nos serviços de saúde incluindo a saúde mental, a ver vamos.

Uma nota final para a sublinhar a importância de que os recursos e iniciativas a desenvolver integrem as escolas no âmbito da sua autonomia e não “apareçam” traduzidos numa imensidade de projectos e iniciativas vindas “de fora” como, lamentavelmente, é frequente.

segunda-feira, 23 de maio de 2022

BRINCAR NA RUA

 A propósito do Dia Nacional da Segurança Infantil que hoje se assinala, a Associação Para a Promoção da Segurança Infantil promove em dezenas de escolas um conjunto de iniciativas que têm como ponto comum a utilização do espaço público para brincar.

Muitas vezes aqui tenho abordado a importância do brincar no bem-estar e desenvolvimento dos miúdos, sublinhando o brincar na rua. Brincar é a actividade mais séria que as crianças realizam, nela põem tudo quanto são e constroem a base de tudo o que virão a ser.

Com as alterações nos estilos de vida e as opções em matéria de organização do trabalho, muitas crianças têm a vida preenchida por um tempo significativo de estadia na escola e muitos pais recorrem ainda ao envolvimento dos filhos em múltiplas actividades transformando-as numa espécie de crianças-agenda. Todas estas actividades, a oferta é variadíssima, são percebidas como imprescindíveis à excelência, aliás, muitas crianças são educadas (pressionadas) para a excelência. Promovem níveis "fantásticos" de desenvolvimento intelectual e da linguagem, desenvolvimento motor, maturidade emocional, criatividade, interacção social, autonomia e certamente de mais alguns aspectos que agora não recordo. Assim, as crianças e adolescentes estão sempre envolvidos em qualquer actividade, a quase todas as horas pois delas se espera não menos que a excelência.

Nada disto esquece a importância que, de facto, podem ter algumas actividades, mas apenas sublinhar alguns riscos no excesso.

Os pais, alguns pais, seduzidos pela sofisticação desta oferta, pressionados por estilos de vida que não conseguem ou podem ajustar e com a culpa que carregam pela falta de tempo para os filhos e sem vislumbrar alternativas aceitam que os trabalhos dos miúdos se desenvolvam para além do que seria desejável, eu diria saudável.

Somos dos países da Europa em que adultos e crianças menos desenvolvem actividades no exterior contrariamente, por exemplo ao que se verifica nos países nórdicos. É verdade que esses países têm habitualmente climas bastante mais amenos que o nosso, mas, ainda assim, poderíamos ter durante mais tempo crianças e adultos a realizar actividades no exterior. Por princípio e sempre que possível, a área curricular Estudo do Meio, mas não só, poderia ser também Estudo no Meio.

Muitas experiências, incluindo em Portugal, sugerem múltiplos benefícios para as crianças, desenvolvem maior autonomia, maior consciência ambiental e competências em dimensões como bem-estar emocional, a partilha de emoções, a autonomia, a autoconfiança, auto-regulação, a criatividade ou o pensamento crítico para além, naturalmente dos benefícios mais directamente associados a qualquer actividade.

Embora consciente das questões como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível alguma oportunidade de “devolver” aos miúdos o circular e brincar na rua, ter mais algum tempo as crianças fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã promovendo, por exemplo, níveis de literacia motora frequentemente aquém do desejável.

Creio que o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a auto-regulação, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. O brincar, o brincar na rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento, de literacia motora também, e promoção dessa autonomia.

Importa sublinhar a necessidade de controlar um eventual perigo que, ainda assim, é diferente do risco, as crianças também “aprendem” a lidar com o risco.

Talvez, devagarinho e com os perigos e riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias.

É, pois, importante que todos os que lidam com crianças, em particular, os que têm “peso” em matéria de orientação, pediatras, professores, psicólogos, etc. assumam como “guide line” para a sua intervenção a promoção do brincar. E a actividade de brincar na infância não se esgota, longe disso, numa disciplina curricular.

Os mais novos vão gostar e faz-lhes bem.

 

PS – Este texto também serve para uma referência ao Professor Carlos Neto que hoje se jubila na Faculdade de Motricidade Humana e que ao longo de décadas tem tido uma actividade e uma voz permanentemente ao serviço da defesa do brincar, do brincar na rua, ou seja, em defesa do desenvolvimento saudável dos miúdos. Aqui fica um abraço e o reconhecimento, estimado Carlos Neto.

domingo, 22 de maio de 2022

PAIS E ESCOLA

 No Expresso encontra-se um trabalho interessante sobre a proliferação de grupos de pais na aplicação WhatsApp. É um fenómeno recente que o confinamento potenciou.

O cenário descrito parece, sem estranheza, mas com alguma inquietação, reproduzir o que genericamente se pode afirmar relativamente às redes sociais, podem constituir-se como excelentes redes de comunicação e conhecimento ou, lado B, tornarem-se formas intrusivas de relação, veicularem ruído e de desinformação, para ser simpático na descrição. No fundo, o que poderia fazer parte da solução para uma melhor e imprescindível melhoria na relação entre pais e escola, agilizando contactos entre pais e entre pais e escola, pode acabar por criar problemas acrescidos a professores, alunos e, por tabela, também aos pais e à sua função educativa. A peça do Expresso é elucidativa.

Os recursos digitais podem e devem ser ferramentas que integrem os dispositivos de relação entre pais e entre pais e escolas, tal como entre a relação entre pessoas ou entre grupos e instituições. No entanto, como todos os dispositivos de relação solicitam regulação na sua utilização.

Se tal não acontecer, será mais um problema que entra na escola que tantas dificuldades ainda sente na operacionalização eficaz da relação entre pais e escola.

Do meu ponto de vista a questão central continua a ser que relação regular se estabelece entre pais e encarregados de educação e a escola. Trata-se de uma necessidade que se verifica na generalidade os sistemas educativos. Parece dispensável sublinhar a sua importância e na situação mais particular de alunos com necessidades especiais este envolvimento é crítico e, muitas vezes, não acomodado da melhor forma, para recorrer a um termo em moda.

No entanto, neste universo, a relação entre os pais e a escola devem considerar-se outros aspectos e que, provavelmente, envolvem os pais que menos integrarão grupos no WhatsApp. Para além dos pais negligentes que existem e requerem outra abordagem, creio que os pais e encarregados de educação que apesar de o poderem fazer vão pouco à escola ou nunca vão, se podem dividir em dois grupos, os pais que não alcançam a escola e os pais que a escola não alcança.

Os primeiros são os que entendem, consciente ou inconscientemente, que a sua presença é irrelevante, não sabem discutir a escola, a escola é que sabe e decide sobre os filhos e deve resolver os seus problemas. Os outros, são os pais a quem o discurso produzido com alguma frequência pela escola sobre os seus filhos os leva a afastarem-se progressivamente. A experiência mostra que quando as crianças são mais pequenas, pré-escolar e 1º ciclo, os pais vão aparecendo e começam a afastar-se sobretudo a partir do 2º ciclo.

Neste quadro, creio que se o desejo de maior envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos for mais do que uma retórica, o sistema, através dos modelos de funcionamento, autonomia real e recursos das escolas, deverá introduzir alguns ajustamentos no sentido que algumas boas práticas sustentam.

Redefinição urgente do papel dos Directores de Turma e das condições de exercício da função pois são peças nucleares nos processos educativos e estão muitas vezes entregues a tarefas quase administrativas, criação de dispositivos com professores motivados, existem muitos, que possam ir ao encontro dos pais que a escola não alcança. Talvez da carga burocrática que rouba tantas horas de professores se pudessem recuperar algumas para outro tipo de trabalho não docente, mais útil e mais motivador.

Mudança nas formas e suporte do contacto, relação, comunicação entre a escola e a família, por exemplo, repensar a tipologia e conteúdos das reuniões de pais. Será neste contexto que os recursos digitais podem ser úteis se utilizados de forma regulada, não tóxica.

Parece também importante a existência de estruturas de mediação entre a escola e a família o que implica a existência de recursos humanos qualificados e disponíveis.

Recurso concertado às Associações de Pais como mediadores entre a escola e os pais que não vindo à escola, também não são dos que integram as Associações.

O espaço é curto, mas creio que no actual quadro é possível ir um pouco mais longe na tentativa imprescindível de maior envolvimento dos pais na vida escolar dos miúdos, questão em mudança, sempre, e que obriga a uma contínua reflexão sobre os papéis e os processos e formas de envolvimento.

O risco da inacção é, por exemplo, dar asas ao que acontece, por vezes, com o funcionamento de grupos de pais no WhatsApp, que se transforma em mais um problema.

sábado, 21 de maio de 2022

OS MALABARISTAS

 Era uma vez uma terra, aquela terra de que às vezes falo e onde acontecem coisas, em que havia muitos Malabaristas, bons Malabaristas.

Os Malabaristas daquela terra tinham-se especializado em várias artes dentro do malabarismo.

Havia um grupo muito bom nos malabarismos com as palavras. É verdade, deixavam o povo espantado, os Malabaristas das Palavras pegavam nelas e davam-lhes tantas voltas que elas diziam uma coisa e passado pouco tempo já diziam outra, e logo depois significavam ainda outra coisa. Eram uns verdadeiros artistas com as palavras, faziam delas o que queriam para elas dizerem o que lhes apetecesse, sobre o que quer fosse. Como se sabe as palavras servem para tudo.

Havia também um grupo que fazia autênticos milagres com a verdade, com as verdades. As coisas nunca eram o que pareciam, os Malabaristas da Verdade, conseguiam que qualquer coisa que toda gente via de uma maneira fosse referida como sendo de outra. Algo que de manhã era verdade, nas mãos dos Malabaristas deixava de o ser e eles com as suas habilidades mostravam a verdade que entendiam e que depressa deixava de o ser substituída por outra verdade diferente.

Na terra dos malabaristas também existia um conjunto de Malabaristas dos Números, verdadeiros artistas a manipular números. Quando toda a gente estava convencida que os números contavam uma história simples, os Malabaristas dos Números davam-lhes umas piruetas e os mesmos números contavam outra história ou então organizavam os números de forma a contar a história que os Malabaristas queriam contar. Eram mesmo bons a mexer nos números.

O Malabaristas estavam tão convencidos da sua arte que se achavam reis daquela terra. Mas as gentes estavam mesmo fartas dos Malabaristas, de todos os Malabaristas daquela terra.

Um dia os Malabaristas irão perceber.

sexta-feira, 20 de maio de 2022

OS ERRANTES

 Nas escolas, em todas as escolas, existe um grupo de miúdos, sobretudo na fase da adolescência, a que podemos chamar de Errantes, não são, naturalmente, os miúdos que erram no que fazem, são aqueles miúdos que erram pela vida e pela escola numa espécie de deriva sem destino sonhado e, muito menos, com destino desejado.

Parece relativamente fácil identificar os errantes, quase sempre não têm boas notas, embora alguns, poucos, as consigam, quase sempre nos mostram o seu Errante estado com comportamentos que nos incomodam e embaraçam, de que muitos deles também não gostam, mas que fazem questão de assumir, numa tentativa, perante si próprios, de esconder a condição de Errante e de ganharem uma identidade. Existem também alguns Errantes que parecem transparentes, transparecem tristeza, mal damos por eles de tão invisíveis.

Estes Errantes estragam as estatísticas do sucesso e da qualidade, contribuem para as estatísticas dos problemas e, por isso, não são desejados, sobretudo nas escolas muito boas, que não gostam de Errantes, preferem os Destinados, ou seja, os miúdos que já no presente carregam o destino que lhes sonharam e que eles assumem, desejando ou não.

Os Errantes que agora estão na escola, tal como aconteceu com a maioria dos Errantes que já por lá andaram, serão os Errantes da vida, seja lá o que for a vida que os espera, porque eles não esperam a vida. Imaginam apenas o amanhã, que ainda assim e como se costuma dizer, já é longe demais. E esse amanhã imaginado é rigorosamente igual ao hoje vivido.

Se nos abeirarmos dos Errantes, o que nem sempre conseguimos, sabemos, podemos ou queremos, fazer talvez possamos perceber como é difícil a história dos Errantes.

Ninguém gosta de andar perdido.

quinta-feira, 19 de maio de 2022

AS CAUSAS DA FALTA DE PROFESSORES. A SÉRIO?

 No contexto grave que atravessamos com a falta de docentes levando a que, nesta altura do ano lectivo ainda tenhamos alunos sem professor a algumas disciplinas, a realização do Seminário, “Faltam Professores! E Agora?”, organizado pelo Conselho Nacional de Educação suscitou múltiplas referências na imprensa.

Ainda me consigo surpreender neste universo que julgo conhecer melhor. Na abordagem ao que serão as causas ou motivos da falta de docentes e em linha com o que habitualmente se vai ouvindo e lendo, afirma-se que uma das causas será o envelhecimento e consequente aposentação de um número muito significativo de professores, outra será a baixa atractividade da profissão e encontram-se ainda referências ao abandono da profissão também por um número elevado de docentes.

Estas afirmações são produzidas por gente com responsabilidades em matéria de educação ao longo de diferentes períodos, bem como por actores de há muito presentes no mundo da educação.

A sério?!

O envelhecimento é uma causa da falta de professores? Não, o envelhecimento é um processo natural que nos toca a todos. A causa é a incompetência de decisões em matéria de políticas públicas de educação quando há muitos anos se conhecem estudos sobre a demografia dos professores e se sabia … que os anos passam e chega a idade da reforma. As causas remetem para a irresponsabilidade da narrativa dos “professores a mais”, do “convite à emigração”, da condução de políticas que inibem a óbvia necessidade de renovação de qualquer grupo profissional.

Fala-se da baixa atractividade da carreira como causa. Como? A carreira de professor deixou de ser atractiva, mais uma vez, em consequência da gestão incompetente que sucessivas equipas ministeriais fizeram desta matéria. Maria de Lourdes Rodrigues ou Nuno Crato foram bons exemplos desta incompetência com resultados desastrosos em matéria de carreira docente. Aliás, há pouco tempo Maria de Lourdes Rodrigues a propósito desta matéria afirmou despudoradamente, “Não sei como chegámos aqui assim. Não sei e não quero saber.” Mas nós sabemos as consequências na desvalorização dos professores, na definição de modelos de carreira inadequados (incluindo o estatuto salarial), de modelos de avaliação injustos e incompetentes.

É isto e o que aqui não refiro que tem tornado a profissão menos atractiva. Existem responsáveis.

A terceira nota relativa ao abandono da profissão, seja por mudança profissional, seja pela aposentação precoce com perdas, mais uma vez  esta situação é também uma consequência do que referi no ponto anterior e não uma das causa da falta de professores.

O que é que não se percebe?

quarta-feira, 18 de maio de 2022

A MIRAGEM DA RASPADINHA

 Na imprensa de hoje lê-se que o Conselho Económico e Social irá desencadear um estudo sobre a população que aposta na popular “raspadinha”. O trabalho envolve a colaboração de Pedro Morgado e Luís Aguiar-Conraria da Universidade do Minho e quatro outras entidades.

A raspadinha é um dos mais populares jogos sociais da “oferta” da Santa Casa da Misericórdia e de estudos anteriores sabe-se que perto de 80% dos jogadores pertence às classes mais desfavorecidas, D e E, 61% jogam regular ou frequentemente e 37.5% dos apostadores estão acima dos 55 anos.

Antes de mais uma nota prévia já aqui sublinhada. Neste cenário parece completamente despropositado o lançamento de uma nova “raspadinha do Património Cultural” cuja receita se destina a financiar a valorização e recuperação do património cultural. Como? O reforço do financiamento da valorização e recuperação do património é suportado pelas classes sociais mais desfavorecidas que, também por isso, são as mais susceptíveis de ser atraídas pela miragem de um ganho imediato e, aparentemente, de baixo investimento, mas na verdade com um enorme risco de adição. Aliás a percepção e estudo deste risco é um dos objectivos da investigação agora anunciada.

É de recordar um trabalho desenvolvido por Pedro Morgado (um dos responsáveis do trabalho a desenvolver) e Daniela Vilaverde da Escola de Medicina da Universidade do Minho e divulgado em 2020 na The Lancet Psychiatry que mostra como a relação de muitos apostadores portugueses com a vulgar “Raspadinha” tem vindo configurar um comportamento aditivo, indutor de sofrimento e mal-estar social e familiar. Dados de 2018 mostram que os gastos nestas apostas foram de 1594 milhões de euros, 160€ por ano em média por apostador o que é superior ao que se verifica em muitos países, 14€ por em Espanha, por exemplo.

A verdade é que para além do caso particular da Raspadinha tem aumentado de forma geral o investimento dos portugueses nos “jogos sociais” da Santa Casa e nas apostas online. De facto, o Totobola e depois o Euromilhões, o Totoloto, posteriormente a Raspadinha, fortemente apelativa pela possibilidade de retorno imediato e grande acessibilidade, e mais recentemente as apostas online estabeleceram-se firmemente na vida de muitos de nós e criaram mesmo uma imagem criadora de futuro que nos move. Provavelmente e para muitas pessoas, será a única imagem criadora de futuro.

Importa reconhecer que as imagens criadoras de futuro são imprescindíveis, tanto mais quando atravessamos tempos duros em que a esperança também tem sido revista em baixa e dificilmente vislumbramos a recuperação.

Creio que esta perspectiva é parte importante desta equação e apesar de sabermos que a decisão de apostar é sempre de natureza individual, o contexto em que muita gente vive, os estilos de vida e quadro de valores são variáveis que também devem ser consideradas.

Por outro lado e em termos culturais, também encontramos algumas pistas para entendimento. Julgo poder afirmar-se que em muitos lares portugueses e em muitas conversas e talvez mais do que nunca, uma das frases mais ouvidas é “nunca mais me sai o Euromilhões, (ou a raspadinha) para deixar de trabalhar”. Muito provavelmente, cada um de nós já ouviu, pensou ou disse esta expressão alguma vez ou vezes e que não será usada apenas pelos cidadãos com maiores dificuldades.

Acho curiosa a sua utilização. Entendo, naturalmente, a ideia subjacente à primeira parte. Um prémio de valor substantivo representaria, seguramente, a hipótese de acesso a um patamar superior de bem-estar económico, desejado, naturalmente, por toda a gente. O que de facto me parece mais interessante é o complemento “para deixar de trabalhar”. É certo que nem todas as expressões devem ser entendidas no seu valor “facial”, mas é também verdade que a recorrente afirmação deste desejo acaba por ilustrar a relação que muitos de nós estabelecemos com o lado profissional da nossa vida, isto é, “quero livrar-me dele o mais depressa possível”. Não será grave, mas é um indicador que possibilita várias leituras.

Neste contexto e cultura sabem qual é a minha inquietação para além dos riscos associados a comportamentos aditivos? É se os miúdos, considerando a agitação que vai pelo seu mundo “laboral” e os discursos dos adultos, desatam a pedir, se puderem, um aumento de mesada que lhes permita apostar no Euromilhões para … deixar de ir à escola.

Já estivemos mais longe. Talvez, também por questões desta natureza, a abordagem deste tipo de questões nos contextos educativos num quadro desenvolvimento e cidadania faça sentido sem que daqui resulte, evidentemente, mais uma disciplina ou mais um projecto.

terça-feira, 17 de maio de 2022

DIVERSIDADE E INCLUSÃO

 No Público encontra-se uma peça que divulga um trabalho da Universidade do Porto sobre a situação de adolescentes e jovens entre os 14 e os 19 anos que fazem parte de minorias sexuais e de género (LGBTQ).

Os dados conhecidos são elucidativos do caminho que está por fazer no âmbito da inclusão e na protecção dos direitos e bem-estar de todas as pessoas.

Estes adolescentes e jovens são bastante mais vitimizados em situações de bullying que os seus colegas da mesma idade, quatro em cada cinco alunos nesta situação não o revelam a professores ou funcionários da escola. Na relação com os colegas e amigos parece haver um pouco mais abertura, 37% dos jovens afirmou que tinha dito a toda a turma ou à maior parte, mas apenas 13% admite ter assumido que era LGBTQ a colegas de outras maior parte ou a todos os estudantes de outras turmas. Relativamente aos amigos, 43,8% dos adolescentes e jovens LGBTQ afirmaram que todos sabiam, mas 27,4% contou a apenas alguns ou a nenhum amigo.

Estes indicadores evidenciam uma “experiência de invisibilidade” na escola e na família referida por Jorge Gato, um dos autores do estudo.

Estes indicadores não surpreendem e tornam necessário reafirmar mais uma vez que os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como lidam com os grupos mais vulneráveis e com as suas problemáticas. Este entendimento é tanto mais importante quanto mais difíceis são os contextos em que se vivem e os tempos actuais parecem bem duros.

É também por razões desta natureza que entendo que "Educação para a Cidadania" deve obrigatoriamente integrar o trabalho desenvolvido na educação em contexto escolar. Aliás, de acordo com o estudo referido, três em cada cinco alunos referem nunca ter sido tratados em contexto escolar matérias relativas à aceitação de minorias sexuais e de género.

Precisamos e devemos discutir como fazer a abordagem destas questões sempre considerando a autonomia das escolas. Não acredito na imprescindibilidade de disciplinarização destes conteúdos, julgo mais interessantes iniciativas integradas, simplificadas e desburocratizadas em matéria de organização e operacionalização.

segunda-feira, 16 de maio de 2022

A HISTÓRIA DO ACOSTUMADO

 Era uma vez um rapaz chamado Acostumado, um nome deveras estranho. Como provavelmente acontece a todas as pessoas com um nome estranho foi ficando Acostumado desde que lhe puseram esse nome. Tinha uns catorze anos e nada na sua vida o tinha surpreendido, era um Acostumado.

Sentia-se um bocado só, não falava muito e lá em casa pouca atenção lhe davam. O pouco tempo que aos pais sobrava da lida de fora, era quase todo utilizado com a irmã pequena. Ele já era um Acostumado.

Nunca teve notas que o fizessem sobressair. De vez em quando pensava que gostava de ter, assim um Bom num trabalho, ou um 90% num teste, mas nunca conseguiu. Tinha pena, mas estava Acostumado.

Não tinha muitos amigos. Aliás, podia mesmo dizer-se que não tinha amigos. Às vezes, olhava para os colegas que jogavam e estavam em grupos, tentava chegar perto, mas como não tinha muito jeito e os outros também não o chamavam, acabava por ficar de lado. Aborrecido, mas Acostumado como sempre.

Um dia, o Acostumado estava num canto a olhar para os colegas, aproximou-se a Filipa que ele conhecia do 8º B e veio falar com ele. Ficou embaraçado e sem saber muito bem o que dizer. Mais estranho achou o facto de a Filipa começar a vir ter com ele todos os dias e a todos os intervalos. Num deles, deu-lhe a mão e disse-lhe baixinho ao ouvido "Gosto mesmo de ti".

Pela primeira vez sentiu que não estava Acostumado e gostou, gostou mesmo. Nunca alguém lhe tinha dito tal coisa.

domingo, 15 de maio de 2022

OS EFEITOS TERAPÊUTICOS

 De há uns anos para cá têm surgido referências ao bem-estar, ao efeito terapêutico, até quase ao nível do milagre, que muitíssimas fontes nos podem proporcionar e aos mais variados níveis. Muitas vezes estas referências são sustentadas por uma afirmada base científica.

Multiplicam-se as chamadas de atenção para múltiplas actividades de natureza mais ou menos sofisticada ou com proveniência mais ou menos exótica que fazem bem a tudo e mais alguma coisa. 

Descobrem-se e publicitam-se as inúmeras propriedades terapêuticas ou, mais simplesmente, promotoras de bem-estar de mil e uma plantas ou produtos mais ou menos sofisticados e com as mais diversas origens.

Apregoam-se a os efeitos extraordinários de aromas e objectos.

Todos os dias conhecemos novas propostas à nossa disposição em requintados espaços que criam um menu infindável de cuidados com lamas e águas e uma combinação inesgotável de soluções que nos transformam noutros seres.

Dizem-nos que os animais têm uma enorme capacidade de nos fazer sentir melhor em múltiplos aspectos e a escola é variada.

Uma primeira nota que ao ir constatando tamanha oferta sempre me ocorre e me faz pensar, é sobre o que temos vindo a fazer dos nossos estilos de vida que nos tornou permeáveis e instalou em nós a necessidade de nos envolvermos e nos convencermos de que tudo isto, no todo ou em parte, é A solução, seja para o que for. Importa que, para além de eventuais efeitos terapêuticos, se considere o efeito placebo e o peso do marketing.

Uma outra nota que me parece importante, independentemente do recurso a tal oferta, é não esquecer o papel das pessoas no nosso bem-estar. Tendemos a viver cada vez mais isolados ainda que escondidos na imensidade das redes sociais com inúmeros amigos. Parece importante não esquecer que o essencial do nosso bem-estar advém das relações com os outros, gostar e ser gostado, respeitar e ser respeitado, ser conhecido e reconhecido, conhecer e reconhecer, ajudar e ser ajudado, falar e escutar, estar atento e receber atenção, manter a dignidade e proteger a dignidade dos outros, etc.

O resto, desculpem lá, em boa parte tratar-se-á de ocupação de tempos livres, com melhor ou pior qualidade.

sábado, 14 de maio de 2022

OS DESATINOS DOS MIÚDOS

 Há poucos dias, numa conversa com gente da educação, profissionais e amadores, ou seja, educadores e pais, dizia-se que os miúdos andam muito “indisciplinados”, logo no jardim-de-infância, acrescentavam preocupados com os desatinos dos miúdos.

Não tenho nenhuma convicção em que os miúdos estejam a vir com mais dificuldades de origem do que é habitual. Além de que não se podem trocar, uma vez que são fornecidos sem garantia e também sem manual de instruções. Pode acontecer, naturalmente, que o “desatino” venha de dentro deles, mas talvez não tenham nascido com ele. Talvez para os perceber a eles tenhamos que olhar para nós.

Pode ser que eles gritem tanto e em qualquer circunstância porque nós estamos a ficar mais surdos, ou seja, ouvimo-los pouco, falamos para eles, mas não os ouvimos. Pode até acontecer que eles aprendam também a ficar surdos e depois também já não nos ouvem.

Pode ser que eles pareçam não aceitar regras e se comportem de forma desregulada porque nós, pelas mais variadas razões, começámos, de mansinho, a ter medo de dizer Não. Eles aprenderam que tudo, ou quase tudo, pode ser sim e mesmo que digamos não, com uma birrazinha bem feita, esse não transforma-se em sim, é uma questão de tempo.

Pode ser que os miúdos façam asneiras grossas porque nós nem reparámos muito bem quando eles começaram a fazer asneiras pequenas e agora já estamos tão aflitos que nem sabemos o que fazer.

Pode ser que muitos miúdos tenham coisas e actividades de mais e atenção de menos, servindo-se então do que fazem e como fazem, para solicitar a atenção que é um bem de primeira necessidade e não substituível por “montes” de coisas e actividades “fantásticas”.

Pode até acontecer que os desatinos dos miúdos façam parte do kit de sobrevivência com que todos nascemos, e que os faz emitir sinais alertando para que alguma coisa não vai bem.

Finalmente, talvez esta conversa seja ela própria um desatino. A gente aprende com os miúdos o que eles aprendem connosco.

sexta-feira, 13 de maio de 2022

IDEOLOGIA E EDUCAÇÃO

 Umas notas repescadas que uma discussão recente me parece tornar oportunas.

Acho sempre curiosas as discussões em torno das “questões ideológicas” designadamente no universo da educação. Tenho para mim que não existem políticas públicas de educação, ou de outra área, que sejam neutras, assépticas, imunes, etc. em matéria de valores sociais ou ideologia, seja tudo isto o que for.

Ao defender, por exemplo, princípios de educação inclusiva, já me tem acontecido ser “acusado” de produzir um discurso ideológico. Muito provavelmente os meus interlocutores esperariam que me procurasse “defender” através da evidência científica. No entanto, a minha resposta começa habitualmente com algo como, “ainda bem que fui claro, o meu discurso corresponde a uma visão de sociedade e, de educação e de escola. Agora vamos à evidência científica que a sustenta". Provavelmente, nas mais das vezes, ficamos na mesma, cada qual com a sua visão ideológica, pois claro.

Acontece ainda que, com frequência se confunde ideologia com partidarismo. Como já afirmei, tenho uma visão ideológica o mundo que me rodeia, mas não consigo encaixar-me numa visão partidária o que, naturalmente, será uma limitação da minha parte.

A verdade é que já cansa a forma habilidosa como muitas questões são abordadas em função da “ideologia”.

Boa parte das pessoas que contestam o que afirmam constituir uma visão ideológica entende que o que defendem não tem carga ideológica, é asséptico, sendo que as ideias contrárias, essas sim, são sustentadas pela ideologia e devem ser combatidas.

Tantas e tantas vezes tropeço com este entendimento. Tantos interlocutores me dizem com a maior tranquilidade que quando os estudos ou a experiência não vão ao encontro das suas ideias, certas e pragmáticas, os estudos são mal feios e contaminados pela ideologia ou que a experiência não serve de argumento. Quando discordo, o meu discurso é ideológico e o do interlocutor é correcto, asséptico do ponto de vista ideológico, obviamente, suportado com a evidência científica que ao meu é negado porque os estudos … são ideológicos. Sim, como disse, o que penso tem uma carga ideológica, é assim que entendo o mundo.

Na verdade, não acredito em visões de sociedade sem arquitectura ideológica. Isso não existe, só por desonestidade intelectual se pode afirmar tal.

Como disse e reafirmo, há décadas que não tenho qualquer espécie de filiação partidária, não me orgulho nem me queixo, é assim que penso. No entanto, tenho posições que são de natureza ideológica sobre o que me rodeia e o que respeita à vida da gente.

Não as entendo como únicas, imutáveis ou exclusivas, aliás, gosto mais de discutir e aprender com alguém que também assim se posiciona, sem manha, sem a falsidade do “não tenho ideologia” como se isso fosse uma fonte de autoridade.

quinta-feira, 12 de maio de 2022

DO ABANDONO ESCOLAR

 O INE divulgou os dados relativos ao abandono escolar precoce no primeiro trimestre deste ano que se situou em 5,1%, a mais baixa taxa de sempre. Trata-se de um indicador estatístico do Eurostat, que é usado por todos os países europeus para medir a percentagem de jovens entre os 18 anos e os 24 anos que chegam ao mercado de trabalho sem o ensino secundário completo e que não estão a frequentar um programa de formação. Continua, pois a verificar-se tendência de descida que está abaixo da média europeia, 10%. Algumas notas e alguma prudência.

Recordo que no final de 2021 a Direcção-Geral de Estatística da Educação divulgou que estava a desenvolver uma ferramenta com o objectivo de avaliar e construir uma informação mais robusta sobre o abandono escolar. Em linha com o que já e feito noutros países pretende-se construir informação que permita o acompanhamento próximo do aluno e das escolas, identificando perfis de risco ou preditores de abandono que possibilitarão o desenvolvimento de intervenções oportunas prevenido e combatendo o abandono escolar. Já agora é de desejar que o dispositivo a estruturar não seja mais um contributo para a burocracia platafórmica. Se assim for não ficará do lado da solução, mas do problema.

No mesmo sentido, importa ainda recuperar que em 2020 o Tribunal de Contas divulgou um relatório defendendo que no sistema educativo nacional não existem indicadores ajustados para medir o abandono escolar, o que não permite conhecer "os reais números do Abandono em Portugal, frustrando quer a implementação eficiente das medidas preventivas e de recuperação dos alunos em Abandono ou em risco de Abandono, quer o direcionamento adequado do financiamento".

Relativamente aos dados agora conhecidos, uma primeira nota para realçar o trabalho de alunos, professores, escolas e famílias.

Para além dos efeitos do prolongamento para 12 anos da escolaridade obrigatória nos resultados dos últimos anos, o ME tem vindo associar esta evolução ao sucesso de programas como as escolas TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), ao Programa de Promoção do Sucesso Escolar, ao Apoio Tutorial Específico, à aposta no Ensino Profissional, e Autonomia e Flexibilidade Curricular e, obviamente, à revolução na educação inclusiva.

A segunda nota para relembrar que apesar do abaixamento do abandono escolar precoce, o caderno de encargos que ainda continuamos a ter pela frente é pesado, pois sendo importante que os alunos não abandonem ainda precisamos de assegurar que a sua continuidade tenha sucesso. Os dados conhecidos de escolas e agrupamentos para construção dos rankings evidencia isso mesmo. Aliás, à semelhança do que tem sido o caminho da designada educação inclusiva, não basta que tenhamos os alunos com necessidades especiais “entregados” nas escolas regulares para que possamos falar de educação inclusiva.

Temos indicadores que mostram que muitos alunos, estando “ligados” à máquina educativa, ainda lutam, por razões diversas, por uma trajectória bem-sucedida e importa que cumprir a escolaridade signifique mesmo carreiras escolares promotoras de competências e capacidades.

Só assim se promove a construção de projectos de vida viáveis, que proporcionem realização pessoal e base do desenvolvimento das comunidades.

Neste caminho é fundamental que a qualidade dos processos educativos e que a existência de dispositivos de apoio competentes e suficientes às dificuldades de alunos e professores na generalidade das comunidades educativas seja uma opção clara pois é uma ferramenta imprescindível à minimização do insucesso.

Por outro lado, importa não perder de vista a população que abandona e que está em alto risco de que tal aconteça. Neste sentido é fundamental que a oferta de trajectos diferenciados de formação e qualificação ou iniciativas em desenvolvimento como o programa Qualifica, sucessor do Novas Oportunidades, ou os anunciados no âmbito do ensino superior tenha os meios necessários e se resista à tentação do trabalho para a “estatística”, confundindo certificar com qualificar.

Apesar dos indicadores de progresso é necessário insistir, merecemos e precisamos de mais e melhor sucesso e qualificação e menos abandono e exclusão.

quarta-feira, 11 de maio de 2022

TAL PAI, TAL FILHO

 O Banco de Portugal divulgou no seu Boletim Económico um trabalho sobre a relação entre o trajecto escolar dos filhos e o estatuto económico e nível de escolarização dos pais. O trabalho foi realizado com dados do Instituto nacional de Estatística de 2019 e do “EU Statistics on Income and Living Conditions”, do Eurostat, de 2021.

Apesar do aumento significativo do nível de escolarização nos últimos anos os indicadores mostram que apenas cerca de 10% dos filhos de famílias pobres e com pais com escolaridade até ao 9º chegam ao ensino superior. O conjunto dos dados apurados sustenta a forte associação entre estatuto económico e escolarização das famílias e o percurso escolar dos filhos. Nada de novo, desde que se realizam este tipo de estudos esta relação é evidenciada.

Também sabemos que isto é tanto mais evidente quanto maiores são os níveis de desigualdade nas comunidades. Em Portugal verifica-se ainda um dos maiores fossos entre ricos e pobres da União Europeia pelo que a relação entre os níveis escolar e salarial dos pais e os dos filhos é ainda mais forte. O trabalho agora apresentado vem, mais uma vez, confirmar a realidade que conhecemos, a enorme dificuldade da escola de promover mobilidade social, ou seja, o nível de escolaridade dos pais marca de forma excessiva o nível atingido pelos filhos. Apesar de alguma evolução, a situação sempre assim foi, ainda me lembro de quando era pequeno, haver quem se admirasse dos meus pais, um serralheiro e uma costureira, terem decidido que eu continuaria a estudar após a escolaridade obrigatória, na época a 4ª classe.

Acresce que as circunstâncias conjunturais e estruturais das políticas educativas, apesar de alguma recuperação não garantem equidade nas oportunidades, dificilmente sustentam que a educação e a qualificação também com equidade.

Deste quadro, resulta uma complexa situação que poderemos de forma simplista colocar nestes termos, a escola ao acabar por reproduzir a desigualdade social à entrada, compromete o papel fundamental que lhe cabe na promoção da mobilidade social, ou seja, a escola que deveria ser parte da solução, na prática, corre o risco de continuar a ser parte do problema. No entanto e apesar disto, creio que muito poderá e deverá ser feito no sentido da promoção efectiva da chamada e distante equidade e igualdade de oportunidades. No entanto, não teremos alternativa, é a escola pode e deve, de facto, fazer a diferença.

Assim, mais uma vez, a questão central será a qualidade na escola pública. Esta qualidade deverá assentar em três eixos fundamentais, a qualidade considerando resultados, processos, autonomia e gestão optimizada de recursos, segundo eixo, qualidade para todos, a melhor forma de combater os mecanismos de exclusão e a desigualdade de entrada e, terceiro eixo, diferenciação de metodologias, diferenciação progressiva e não prematura dos percursos de educação e formação.

No actual cenário, quando se entende e espera que a educação e qualificação possam ter um papel decisivo na minimização de assimetrias, as políticas, os custos e a dificuldade de acesso podem, pelo contrário, alimentar essas assimetrias e manter a narrativa, "tal pai, tal filho", pai (mãe) letrado, filho letrado e pai (mãe) pouco letrado, filho pouco letrado.

Assim sendo, são necessárias políticas públicas para o médio prazo, estabelecidas com base no interesse de todos, com definição clara de metas, recursos, processos e avaliação. Apesar de algumas melhorias que se registam, a continuidade de alguns aspectos levará a que daqui a algum tempo um novo estudo de dentro ou de fora venha dizer ... provavelmente o mesmo.

terça-feira, 10 de maio de 2022

DA ONDA DE CAPACITAÇÃO

 Peço desculpa pela insistência. Continuo a dar conta da frequência com que recorremos à mudança de terminologia como instrumento de mudança acreditando que esta ocorre apenas porque a designação se altera.

Parece também ser verdade que cada novo termo é divulgado para ser, só por si, uma inovação e não existe área que em não se afirme a narrativa da inovação. Também é certo que os conhecedores de estratégias de comunicação, também conhecidas por marketing, sabem que alterando a designação de um “produto” pode impulsionar-se uma nova “vida” para esse produto.

Vem esta introdução a propósito da onda de “capacitação” que nos está a atingir, o mantra passou a ser capacitar. Em múltiplas iniciativas, institucionais ou privadas, há que capacitar tudo o que mexe, pois, aparentemente, mexe mal. Sem estranheza, nesta onda  navegam inúmeros surfistas que espalham a boa nova, em qualquer lugar e para qualquer bolsa

Vai daí, e só para me situar no universo que melhor conheço, a educação, desatamos a capacitar em todas as direcções.

Há algum tempo promovia-se formação de professores, uma das áreas em me tenho movido, mas, certamente devido aos maus caminhos seguidos, mea culpa, agora promove-se capacitação de professores em áreas sem fim e todas certamente da maior necessidade e pertinência.

Umas das áreas em alta na onda de capacitação é a área das “emoções”. Ao que parece e sem que nos déssemos conta durante décadas, as escolas são também geladas emocionalmente, a generalidade dos professores não sabe lidar com emoções, tal como alunos, os técnicos que estão nas escolas incluindo os funcionários. Dito da maneira actual, não estão capacitados.

Percebe-se, assim, que nos últimos tempos se tenha desencadeado uma onda de promoção, perdão, capacitação, nas escolas com a mobilização de imensos projectos e iniciativas de escala variável visando o desenvolvimento da inteligência emocional, da empatia, da Social-Emotional Learning (SEL) e outras designações. 

É obviamente importante registar o esforço no âmbito da formação, aliás, capacitação, dos profissionais da educação, mas, certamente por incompetência ou desconhecimento vou sentindo algumas reservas face a esta onda, que pela visão mágica com que parece ser informada, quer pela regular apresentação de um receituário ou programa que garante que se vai aprender a fazer o que nunca foi feito nas escolas, “lidar com as emoções” por exemplo, independentemente da formulação. Dito isto, sublinho que em muitas circunstâncias nos confrontamos com dificuldades neste domínio.

Estávamos habituados a dar aulas, a ensinar, a leccionar, mas agora capacitamos os alunos, ah, e já agora também é preciso capacitar os pais.

Aproveitando o “tsunami” de capacitação, também será importante capacitar as lideranças das escolas e todos os técnicos que nelas trabalham e, evidentemente, tal como os professores, promover essa capacitação em múltiplas áreas.

Sendo optimista, em pouco tempo teremos um sistema educativo totalmente capacitado

Só ficará mesmo a faltar, acho eu, a capacitação na promoção de diferentes dimensões das políticas públicas de educação.

Bom, agora vou voltar para um trabalho de auto-capacitação que estava a realizar, ler uns artigos sobre trabalhos recentes na minha área.

segunda-feira, 9 de maio de 2022

DA EVIDÊNCIA

 De há uns tempos para cá instalou-se de forma mais generalizada o recurso a “Segundo um estudo …”, “De acordo com um estudo …”, “Foi divulgado um estudo que …” ou a outras variações do mesmo tema, para afirmar e sustentar ideias ou opiniões. A educação não escapa a este tipo de funcionamento.

Neste espaço faço-o com alguma frequência, também.

Mais recentemente, importa ir actualizando, deixámos de referir os estudos e passamos a usar a “evidência”, ou seja, “Segundo a evidência ...”, “De acordo com a evidência …”, “A evidência mostra …, etc.

O que me parece curioso é que se mantém a tentação de com alguma frequência se construir, interpretar e divulgar os estudos para mostrar … a evidência desejada.

Na educação, também.

domingo, 8 de maio de 2022

A HISTÓRIA DO JAIME

 Era uma vez um rapaz chamado Jaime que não gostava muito de si.

O Jaime olhava para os seus colegas e pensava que nunca seria tão bom nem tão conhecido na escola pelas notas altas como a Joana, uma excelente aluna.

O Jaime olhava para os seus colegas e pensava que nunca seria tão bom jogador de futebol e até de basquetebol como o Mário que era o melhor da escola a praticar desporto.

O Jaime olhava para os seus colegas e pensava que nunca seria tão bom a tocar guitarra como o Fábio que até estava a pensar ter uma banda quando ficasse mais velho.

O Jaime olhava para os seus colegas e pensava que nunca as raparigas gostariam tanto de si como do João.

Quanto mais olhava para os seus colegas mais pensava que não gostava de si, não era bom a fazer nada.

O Jaime ia andando com estes pensamentos na cabeça e de mansinho começou a tentar resolver estas inquietações. Quase sem se dar conta algumas coisas foram mudando, e muito, achavam as pessoas.

Um dia, ao olhar para os seus colegas pensava que nenhum deles se portava pior nas aulas do que ele, era mesmo bom nisso.

O Jaime, ao olhar para os seus colegas, pensava que nenhum deles aborrecia tanto os professores como ele, era mesmo bom nisso.

O Jaime, ao olhar para os seus colegas, pensava que nenhum era tantas vezes chamado ao director da escola como ele, era mesmo bom nisso.

O Jaime, ao olhar para os seus colegas, pensava que nenhum deles tinha tantas faltas, de atraso, de material, de indisciplina, como ele, era mesmo bom nisso.

Assim, finalmente, o Jaime pensou, "Já sou bom, um dos melhores".

E continuou infeliz, como sempre foi.

sábado, 7 de maio de 2022

E SE SIMPLIFICAR FOSSE UMA ORIENTAÇÃO

 No Público encontra-se um trabalho sobre o relatório da primeira monitorização feita pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência ao Plano de Recuperação das Aprendizagens 21/23 Escola+.

A leitura da peça, ainda não tive oportunidade de ler o relatório, deixou-me alguma perplexidade. É impressionante a multiplicidade de processos, situações, medidas, iniciativas, designações, acções, actividades, em que se enredam os processos educativos escolares.

A esta dimensão do trabalho das escolas e agrupamentos cresce a gama sem fim de, Planos, Projectos, Programas, Iniciativas, as combinações são múltiplas, destinados a tudo e mais alguma coisa, certamente relevantes e, sobretudo, inovadores.

Já por aqui tenho sugerido, desejado, que alguma vez e de forma bem vincada, o ME estabeleça a simplificação como orientação central nas diferenres dimensões das políticas públicas de educação.

Seria desejável e necessário que o trabalho a desenvolver, os conteúdos envolvidos, os dispositivos em utilização, a organização de tempos e rotinas, etc., tivessem como preocupação a simplificação, professores alunos e famílias ganhariam. Esta simplificação deve incluir a avaliação e registos. Seria positivo que, tanto quanto possível, se aliviasse a pressão “grelhadora” e a burocracia asfixiante a que habitualmente escolas e professores estão sujeitos

Como é evidente, este apelo à simplificação não tem a ver com menos rigor, qualidade, intencionalidade educativa ou não proporcionar tempo de efectiva aprendizagem para todos. Antes pelo contrário, se conseguirmos simplificar processos e recursos, alunos, professores e famílias beneficiarão mais do esforço enorme que todos têm que realizar e estão a realizar.

Sempre que falo desta questão recordo-me do Mestre João dos Santos, a quem tarda uma homenagem com significado nacional, quando dizia, cito de memória pelo privilégio de ainda o ter conhecido e ouvido, que em educação o difícil é trabalhar de forma simples, é mais fácil complicar, mas, obviamente, menos eficaz, menos produtivo e muito mais desgastante.

Talvez valesse a pena tentarmos esta via de mais simplificação. As circunstâncias já são suficientemente complicadas.

sexta-feira, 6 de maio de 2022

DOS PROFESSORES

 Foram divulgadas as listas para os concursos externos dos quadros de professores que se realizam no meio da anunciada tempestade da falta de docentes. Para 3259 vagas contabilizam-se cerca de 55 000 candidaturas sendo que existem dezenas de professores contratados com mais de 62 anos que ainda concorrem a um lugar de quadro. Este é um dos indicadores que traduzem as políticas que sucessivas equipas ministeriais desenvolveram  e que têm contribuído para a crítica falta de professores. A tão "vendida" narrativa dos professores a mais traduz-se nos resultados que estão à vista.

Verifica-se o abaixamento do número de inscrições nos cursos que habilitam para o ensino, os níveis de (in)satisfação com a carreira, de stresse, de desmotivação, de arrependimento pela escolha da profissão, etc.

Acresce o também muito conhecido envelhecimento da classe que justificará o agravamento a curto prazo da já significativa falta de professores com a entrada na reforma de alguns milhares e insuficiência dos inscritos nos cursos de formação para a sua substituição.

A questão, é preciso insistir, é que nada disto é novo. Sucessivos estudos nacionais e internacionais têm de há vários anos referido estas matérias e a mudança mais substantiva é o agravamento da situação com o passar do tempo. Curiosamente registam-se demasiadas intervenções sobre eventuais soluções de muitos actores com responsabilidade na situação actual.

Como já referi, são conhecidos os problemas e sabemos que não é responder de forma imediata à falta actual e futura de professores, teria sido mais fácil não negar a realidade e tomar decisões proactivas.

Em todo o caso, também sabemos que continua a ser necessário, entre outros aspectos, proceder à integração de milhares de professores contratados e já com anos de experiência, a necessidade de adequar a carreira e os requisitos de entrada na carreira, o modelo de progressão e avaliação, o ajustamento e valorização do estatuto salarial dos docentes, a promoção da sua valorização profissional e social ou a desburocratização do trabalho dos professores.

Finalmente, importa sublinhar que também sabemos que os sistemas educativos com melhor desempenho são também os sistemas em que os professores são mais valorizados, reconhecidos e apoiados.

quinta-feira, 5 de maio de 2022

DIA MUNDIAL DA LÍNGUA PORTUGUESA

 Hoje assinala-se o Dia Mundial da Língua Portuguesa. É falada por cerca de 260 milhões e parece ter um significativo potencial de crescimento, será utilizada por 400 milhões de pessoas em 2050.

Lamentavelmente, esta comemoração decorre em pleno período da transformação do Português em “acordês”.

Será porventura uma tarefa sem sucesso, mas enquanto for possível reverter a situação criada pelo AO90, ou, pelo menos, atenuar danos, vale a pena insistir, importa que não nos resignemos. É uma questão de cidadania, de defesa da Cultura e da Língua Portuguesa.

É importante recordar que apenas Portugal, S. Tomé e Príncipe, Brasil e Cabo Verde procederam à ratificação. Em 2018 a Academia Angolana de Letras solicitou ao Governo angolano que o Acordo Ortográfico de 1990 não seja ratificado e há algum tempo a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados do Parlamento do Brasil aprovou um requerimento de audiência pública para que seja debatida a revogação do AO ao que parece por indicação do Presidente Bolsonaro o que será porventura umas raríssimas ideias positivas vindas da sinistra figura. Não conheço desenvolvimentos relativa a esta situação.

Como tantas vezes tenho escrito, desculpem a insistência e não inovar, entendo, evidentemente, que as línguas são estruturas vivas, em mutação, pelo que requerem ajustamentos, por exemplo, a introdução de palavras novas ou mudanças na grafia de outras, o que não me parece sustentação suficiente para o que o Acordo Ortográfico estabelece como norma. O argumento da uniformização é disparatado, basta atentar no exemplo do inglês e do castelhano ou da mixórdia resultante no português escrito e falado nos diferentes países da comunidade.

O resultado foi transformar a Língua Portuguesa numa confusão impossível de concertar dadas as diferenças entre o Português falado e escrito pelos diferentes países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Era importante que fossem revertidos alguns dos maus-tratos dados à Língua Portuguesa com o AO90.

Enquanto o corrector me permitir e eu conseguir tentarei evitar o “acordês”, birra de velho, evidentemente.