domingo, 14 de fevereiro de 2021

JÁ QUE VAIS AO HIPERMERCADO, TRAZ BATATAS, AÇÚCAR E 2 KG DE LIVROS

 Não tenho a menor das dúvidas de que se em qualquer circunstância decidir em matéria de políticas públicas não é tarefa fácil, em situações de extrema complexidade e gravidade como as que atravessamos é ainda mais difícil.

Tal entendimento não colide com a necessidade de que as decisões não sejam objecto de escrutínio e discussão alargada. É assim que as sociedades abertas devem funcionar.

Serve esta introdução para referir a perplexidade que me causa as decisões recentes em matéria de venda de livros.

Nos primeiros dias deste novo confinamento e dado que os livros incompreensivelmente não são produtos essenciais foi proibida a sua venda.

No período que entra em vigor amanhã e dado que o Presidente da República referiu explicitamente a venda de livros, o Governo volta a permitir a venda de livros … nos supermercados e hipermercados. Como?!

Temos um nicho de estabelecimentos comerciais também conhecidos como livrarias que vendem, adivinhem! Isso mesmo, livros. Pois estes estabelecimentos estão obrigatoriamente encerrados por questões de saúde pública pelo que temos de ir comprar livros ao hipermercado, situação muito mais segura, evidentemente.

Não sei se a Ministra da Cultura, existe lembrem-se, teve algum peso nesta decisão ou se ainda está extasiada com a luminosa ideia de colocar os mais pobres que procuram o futuro nas raspadinhas a financiar com a sua esperança e poucos recursos algo de que muito provavelmente não irão usufruir.

Talvez se possa compreender a decisão de manter as livrarias encerradas porque é reconhecido que as poucas que vão resistindo estão sempre apinhadas de gente que, ainda por cima, não se sabe proteger. Como sabem, somos um país com um excelente nível de vida, com uma sociedade fortemente escolarizada e com índices muito elevados  de consumo de bens culturais como livros. Basta ver as ocasiões em que o nosso futuro Nobel da Literatura, José Rodrigues dos Santos, lança um novo trabalho (não lhe chamo livro porque gosto de livros) em que se formam filas sem fim de ávidos leitores procurando o autógrafo que atesta a sublime ocasião. E com a produtividade que o escriba demonstra os ajuntamentos são uma ameaça pública.

Não, agora a sério, o nosso mercado livreiro está em grandes dificuldades, os níveis de consumo de livros são baixos e, obviamente, só nas livrarias encontramos uma oferta diferenciada e conhecedora. Nos hipermercados vendem-se os livros como qualquer outro produto de alta rotação e com critérios que não têm a ver com o valor dos livros, mas com o “peso” comercial de quem os lá coloca.

Também se poderá dizer que se pode aceder aos livros através das encomendas online, claro, aos outros produtos em venda nos hipermercados também e não é preciso dizer que, genericamente, quem gosta de livros, ainda que também os adquira pela net, também gosta de livrarias, da procura e da conversa com os livreiros.

As lideranças inteligentes e competentes não são as que decidem sempre bem, tal não existe.

As lideranças inteligentes e competentes são as que reconhecem quando erram e alteram as decisões com uma comunicação clara.

Num tempo em que estamos mais tempo em casa, sejam competentes, inteligentes e mostrem que, pelo menos, respeitam os livros, abram as livrarias, porra!

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