Por estes dias e por razões óbvias, as referências no que respeita aos mais novos centram-se no regresso ao ensino não presencial e nas questões envolvidas. De entre estas questões que por aqui também tenho abordado, relevam modelos e práticas a seguir pelas escolas nesta nova, esperando-se que a experiência e o conhecimento disponível atenuem riscos conhecidos, sobretudo para alunos mais novos, a acessibilidade de muitos alunos, professores e escolas a equipamentos e à rede que permita melhor qualidade e adequação na resposta educativa ou as condições de apoio e dificuldades de pais que estando em teletrabalho ou com mais do que um filho em idade escolar certamente sentirão.
No entanto, existe uma outra
dimensão de problemas, um lado B, que o JN hoje aborda, as dificuldades ao nível da alimentação que muitas famílias atravessam envolvendo crianças, adolescentes e jovens.
Como exemplo, a Câmara de Lisboa está distribuir 820 refeições diárias em
jardins de infância e escolas. Como se sabe a pobreza é silenciosa e
envergonhada, as dificuldades serão muito mais do que as conhecidas e numa trajectória de crescimento
decorrente do brutal impacto económico e social da situação iniciada há quase
um ano e agora num pico de severidade.
Podemos associar a esta tragédia
dados produzidos pelo INE, também referidos na imprensa esta semana, mostrando que 25,8% das
crianças portuguesas com menos de 12 anos vivem em casas com humidade ou em que
chove, perto de 13% não têm a habitação devidamente aquecida, 9,2% não têm luz
suficiente e 6,5% vivem em zonas consideradas violentas.
Nunca será demais chamar a
atenção para a situação de extrema dificuldade que muitas famílias atravessam
para assegurar condições básicas de qualidade de vida como a alimentação. Nos
tempos que atravessamos, os riscos sobem apesar do esforço de autarquias e outras
instituições. Aliás, para este período de ensino não presencial está previstas a prestação de refeições nas escolas a alunos beneficiários dos escalões de acção social
escolar A e B ou a crianças em risco de abandono.
O impacto das circunstâncias de
vida no bem-estar das crianças e em aspectos mais particulares como o
rendimento escolar ou o comportamento é por demais conhecido e essas
circunstâncias constituem, aliás, um dos mais potentes preditores de insucesso
e abandono quando são particularmente negativas, como é o caso de carências
significativas ao nível das necessidades básicas.
Em qualquer parte do mundo,
miúdos com fome, com carências, não aprendem e vão continuar pobres. Manteremos
as estatísticas internacionais referentes a assimetrias e incapacidade de
proporcionar mobilidade social através da educação. Não estranhamos. Dói, mas é
“normal”, é o destino.
Quando penso nestas matérias não
resisto a recuperar uma história que conto muitas vezes, coisas de velho como
sabem, e que foi umas das maiores e mais bonitas lições sobre educação que já
recebi.
Aconteceu há já uns anos largo em
Inhambane, Moçambique, também conhecida por Terra da Boa Gente. Num início de
manhã, eu o Velho Carlos Bata, um homem velho e sem cursos, meu anjo da guarda
durante as semanas que lá estive em trabalho, íamos a passar por uma escola
para gaiatos pequenos e o Velho Bata, parou a olhar. Não estranhei, era um
homem que não conhecia o significado de pressa.
Um tempinho depois disse-me que
se tivesse “poderes de mandar” traria um camião de batata-doce para aquela
escola. Perante a minha estranheza, explicou que aqueles miúdos teriam de comer
até se rir, “só aprende quem se ri”, rematou o Velho Bata.
Pois é Velho, miúdos com fome e
que passam mal não aprendem e vão continuar pobres. E infelizes, não se riem.
Ontem, hoje e amanhã. Não podemos
falhar.
Sem comentários:
Enviar um comentário