Parece que não pára de crescer o conhecimento de situações de vacinação indevida sendo que já foi prometido um regime sancionatório e terão sido desencadeadas investigações por parte do Ministério Público.
O que é ainda mais inquietante é a tranquilidade com que, aparentemente, recebemos estas notícias, sustentando a ideia de que “já estávamos à espera” e
… “é sempre assim”.
Diversas vezes aqui tenho referido a esta espécie de
traço da nossa cultura cívica, "a atençãozinha" ou a sua variante
"dar um jeito" em escala variada. Trata-se de um fenómeno, um
comportamento, profundamente enraizado e com o qual parecemos ter uma relação
ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha de inveja dos dividendos
que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou providenciar uma
"atençãozinha" ou pedir ou dar um jeito, sempre
"desinteressadamente", é claro.
A teia de interesses que ao longo de décadas se construiu
envolvendo o poder político, a administração pública, central e autárquica, o
poder económico, o poder cultural, a área da justiça e segurança, parte da
comunicação social e toda a relação do dia a dia com a "atençãozinha"
à recepcionista que nos passa para a frente na lista de espera ou ao
funcionário de quem esperamos que possa dar um "jeito", dificulta
seriamente qualquer alteração substantiva neste modo de funcionar.
Depois, da vacina para o amigo aos “negócios” de milhões, é
só uma questão de escala.
Combater este cenário passará, naturalmente, por meios e
legislação adequada, mas passa sobretudo pela formação cívica que promova uma
outra cidadania
Do meu ponto de vista, e devido justamente à complexa teia
de interesses instalada, mais do que não querer mexer seriamente na questão da
corrupção, a questão é não poder e vejamos porque não se pode.
Nas últimas décadas, temos vindo a assistir à emergência de
lideranças políticas que, salvo honrosas excepções, são de uma mediocridade
notável. Temos uma partidocracia instalada que determina um jogo de influências
e uma gestão cuidada dos aparelhos partidários ou próximos donde são, quase que
exclusivamente, recrutados os dirigentes da enorme máquina da administração
pública e instituições e entidades sob tutela do estado.
A alteração desta teia sem fim que se estende a todos os
domínios apesar das muitas e honrosas excepções de ética, seriedade e
competência será uma tarefa gigantesca.
Como sempre nestas ocasiões e de acordo com o “script”
clássico, veja-se as declarações de alguns dos envolvidos na cedência de vacinas
a quem as não deveria receber, ouvimos que estão de “consciência tranquila” ou
a variante "nada me pesa na consciência". Acredito que tal possa
acontecer pois, para este pessoal, “consciência” não significa certamente o
mesmo que para a maioria das pessoas.
Certamente que poderíamos viver sem a
"atençãozinha" ou o "jeitinho", mas não era a mesma coisa.
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