De forma discreta, já no final do ano passado, PS e PSD aprovaram no Parlamento uma nova lei reguladora da eleição para os órgãos das autarquias. A lei veio tornar ainda mais complicada a apresentação de candidaturas eleitorais fora dos aparelhos partidários, as chamas candidaturas independentes.
Nada de estranho, trata-se da partidocracia a funcionar e
nas grandes questões o “centrão” entende-se.
Mais recentemente começaram a surgir fortes críticas e
parece que com “sentido de estado”, "espírito democrático" e magnanimidade, como sempre, PS e PSD admitem
alterações. Aliás, a Provedora de Justiça solicitou ao Tribunal Constitucional a
fiscalização da lei por eventual "violação dos direitos dos cidadãos de
tomar parte na vida política".
Com este tipo de “práticas”, por assim dizer, talvez se
perceba a razão(ões) para que no Índice de Democracia anualmente publicado pela
revista The Economist, Portugal tenha passado de democracia plena em 2019 para
a democracia com falhas em 2020.
Umas notas sobre esta questão das candidaturas de
independentes começando logo pela curiosidade despertada pela designação, “independentes”.
Estes serão os que estão fora dos aparelhos partidários pelo que, presumo, "dependentes",
serão os que "dependem" das estruturas partidárias. Teremos, pois,
que nos decidir por independentes ou por dependentes.
A verdade, muitas vezes o tenho escrito, é que no actual
quadro político-administrativo é muito difícil a intervenção cívica, no sentido
político, fora da tutela dos aparelhos partidários cuja praxis criou uma
“partidocracia” que minou a confiança e tem provocado o afastamento dos
cidadãos pelo que se percebe a afirmação da necessidade de mudança.
Verifica-se também que a capacidade de mobilização dos
partidos se dirige, sobretudo, a uma minoria de pessoas que emerge dos
respectivos aparelhos que, assim, podem aceder e manter alguma forma de poder e
a uma maioria que enche autocarros, recebe uns brindes e tem um almocinho de
borla ainda que os tempos pandémicos e a dificuldades económicas exijam
alterações.
A partidocracia não atrai porque os partidos se tornam donos
da consciência política das pessoas, veja-se o espectáculo deprimente da
Assembleia da República e o desempenho de boa parte dos deputados, salvo
honrosas excepções vota-se o que o partido manda, independentemente da
consciência, a liberdade de voto parece a excepção.
Reconhece-se hoje que as camadas mais novas, sobretudo, mas
não só, atravessam uma situação complexa envolvendo os valores, a confiança nos
projectos de vida, os estilos de vida, etc. Neste quadro, a adesão à
intervenção política, tal como se verifica genericamente em Portugal, parece
mais uma parte do problema que um caminho para a solução, a “velha”
partidocracia parece incapaz de responder a problemas novos,.
Creio que o descontentamento e desconfiança de muitos dos
cidadãos, traduzidos em percentagens de abstenção acima dos 50%, mostram que
importa pensar numa participação política para lá dos partidos. Várias
manifestações com grande mobilização que escaparam à lógica da partidocracia,
bem como iniciativas de grupos de cidadãos mobilizados por causas ou algumas
candidaturas verdadeiramente fora do espectro partidário, dão sinais nesse
sentido.
De tudo isto resulta, como muitas vezes refiro, o afastamento das pessoas pelo que a construção de outras formas de participação cívica parece ser a única forma possível de reformar o quadro político que temos, ou seja, os partidos ou definham ou mudam, pela pressão do exterior.
Existe, é preciso que exista, intervenção política para além dos partidos, que se reformam ou tenderão a implodir com riscos para a própria democracia cuja saúde já está debilitada com os efeitos precupantes que a vamos assistindo, a emergência de grupos anti-sistema radicais, mas por dentro do sistema, com narrativas populistas, xenófobas e racistas e, obviamente, não democráticas.
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