sábado, 20 de fevereiro de 2021

CANDIDATURAS INDEPENDENTES

 De forma discreta, já no final do ano passado, PS e PSD aprovaram no Parlamento uma nova lei reguladora da eleição para os órgãos das autarquias. A lei veio tornar ainda mais complicada a apresentação de candidaturas eleitorais fora dos aparelhos partidários, as chamas candidaturas independentes.

Nada de estranho, trata-se da partidocracia a funcionar e nas grandes questões o “centrão” entende-se.

Mais recentemente começaram a surgir fortes críticas e parece que com “sentido de estado”, "espírito democrático" e magnanimidade, como sempre, PS e PSD admitem alterações. Aliás, a Provedora de Justiça solicitou ao Tribunal Constitucional a fiscalização da lei por eventual "violação dos direitos dos cidadãos de tomar parte na vida política".

Com este tipo de “práticas”, por assim dizer, talvez se perceba a razão(ões) para que no Índice de Democracia anualmente publicado pela revista The Economist, Portugal tenha passado de democracia plena em 2019 para a democracia com falhas em 2020.

Umas notas sobre esta questão das candidaturas de independentes começando logo pela curiosidade despertada pela designação, “independentes”. Estes serão os que estão fora dos aparelhos partidários pelo que, presumo, "dependentes", serão os que "dependem" das estruturas partidárias. Teremos, pois, que nos decidir por independentes ou por dependentes.

A verdade, muitas vezes o tenho escrito, é que no actual quadro político-administrativo é muito difícil a intervenção cívica, no sentido político, fora da tutela dos aparelhos partidários cuja praxis criou uma “partidocracia” que minou a confiança e tem provocado o afastamento dos cidadãos pelo que se percebe a afirmação da necessidade de mudança.

Verifica-se também que a capacidade de mobilização dos partidos se dirige, sobretudo, a uma minoria de pessoas que emerge dos respectivos aparelhos que, assim, podem aceder e manter alguma forma de poder e a uma maioria que enche autocarros, recebe uns brindes e tem um almocinho de borla ainda que os tempos pandémicos e a dificuldades económicas exijam alterações.

A partidocracia não atrai porque os partidos se tornam donos da consciência política das pessoas, veja-se o espectáculo deprimente da Assembleia da República e o desempenho de boa parte dos deputados, salvo honrosas excepções vota-se o que o partido manda, independentemente da consciência, a liberdade de voto parece a excepção.

Reconhece-se hoje que as camadas mais novas, sobretudo, mas não só, atravessam uma situação complexa envolvendo os valores, a confiança nos projectos de vida, os estilos de vida, etc. Neste quadro, a adesão à intervenção política, tal como se verifica genericamente em Portugal, parece mais uma parte do problema que um caminho para a solução, a “velha” partidocracia parece incapaz de responder a problemas novos,.

Creio que o descontentamento e desconfiança de muitos dos cidadãos, traduzidos em percentagens de abstenção acima dos 50%, mostram que importa pensar numa participação política para lá dos partidos. Várias manifestações com grande mobilização que escaparam à lógica da partidocracia, bem como iniciativas de grupos de cidadãos mobilizados por causas ou algumas candidaturas verdadeiramente fora do espectro partidário, dão sinais nesse sentido.

De tudo isto resulta, como muitas vezes refiro, o afastamento das pessoas pelo que a construção de outras formas de participação cívica parece ser a única forma possível de reformar o quadro político que temos, ou seja, os partidos ou definham ou mudam, pela pressão do exterior.

Existe, é preciso que exista, intervenção política para além dos partidos, que se reformam ou tenderão a implodir com riscos para a própria democracia cuja saúde já está debilitada com os efeitos precupantes que a vamos assistindo, a emergência de grupos anti-sistema radicais, mas por dentro do sistema, com narrativas populistas, xenófobas e racistas e, obviamente, não democráticas.

Sem comentários: