sábado, 1 de agosto de 2020

OS TEMPOS DA EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA


No CM encontra-se uma entrevista com Pedro Caldeira da Silva, pedopsiquiatra, chefe de equipa da Unidade da Primeira Infância do Hospital D. Estefânia e subcomissário da Saúde para o Sistema Nacional de Intervenção Precoce da Infância da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, que merece reflexão. A questão abordada é o tempo excessivo que muitas crianças passam em creche ou jardim-de-infância e os riscos que aí podem advir.
Não considerando o actual período de férias, as circunstâncias excepcionais que vivemos levaram, primeiro ao encerramento das instituições e quando reabriram a uma frequência baixa. Não sabendo ainda como será exactamente o próximo ano a questão permanece.
O entrevistado, para além da sua experiência diária socorre-se de dados recentes que também tive oportunidade de aqui abordar e que retomo.
Segundo o estudo do CNE, “Estado da Educação 2018”, divulgado no final de 2019, em Portugal verifica-se um horário de permanência de crianças dos 0 aos 3 anos e dos 3 aos 6 em jardim-de-infância cerca de 10h mais elevado que a média europeia. 
As crianças até aos 3 estão, em média, 39,1 horas por semana, cerca de oito horas por dia, com amas ou em creches. As com três ou mais anos estão 38,5 horas semanais em instituição. No entanto, existem muitas crianças com tempo de permanência em cima das 12 horas diárias.
A média europeia é de 27,4 horas para os 0-3 e 29,5 horas para os 3-6 anos mais velhos.
Um outro dado relevante é que a oferta de creche de em Portugal, 36.7%, é ligeiramente superior à média quer da OCDE, 36.3%, quer da EU, 35.6%.
Este cenário parece-me traduzir uma das consequências da inconsistência das políticas de família, ou seja, baixo tempo de licenças parentais a colocar pressão nas famílias e na existência de respostas e estilos de vida e modelos de organização do trabalho que levam à permanência por tempo excessivo das crianças mais pequenas em instituição ou, caso dos 0 aos 3, também em amas.
Esta situação a que acresce a dificuldade em encontrar respostas e os custos elevados do acesso aos equipamentos, boa parte privada ou da rede social, dos mais altos no contexto europeu, veja-se o relatório "Starting Strong 2017", divulgado pela OCDE que já aqui citei, é reconhecidamente um dos factores associados à baixa natalidade e que, aliás, o relatório sublinha.
É recorrente a divulgação de informação referindo a existência de muitas crianças nas listas de espera de creches e jardins-de-infância no chamado sector social em que as mensalidades são indexadas aos rendimentos familiares. Esta situação afecta sobretudo zonas mais urbanas e a alternativa da resposta privada é inacessível para muitas famílias. Contribuindo para uma oferta clandestina bem conhecida mas não regulada.
Como tenho afirmado, não tenho certezas sobre a obrigatoriedade da frequência mas tenho a maior convicção no sentido de que garantir a universalidade do acesso à educação pré-escolar aos três anos e criar respostas de qualidade, acessíveis, logística e economicamente, às famílias para as crianças dos zero aos três anos é imprescindível e urgente. Acentuo também a ideia de que este período, até aos três anos, deveria também estar sob tutela do Ministério da Educação e não da Segurança Social pois o acolhimento das crianças deve estar abrangido por um forte princípio de intencionalidade educativa.
Sabemos como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas nos primeiros anos de vida, quer familiares, quer institucionais, de pequenino é que ...
No entanto e como o Relatório do CNE mostra, começa a ser necessário repensar os tempos da escola, que caminha mesmo para "escola a tempo inteiro" com uma overdose que não é saudável para ninguém, mas uma consequência das dificuldades de concertação entre vida familiar e vida profissional de muitas famílias. Sobra para as crianças e este entendimento não tem qualquer juízo de culpabilização para a maioria das famílias que, evidentemente, não têm alternativa.
A situação que temos vindo a atravessar poderia ser uma oportunidade para reflectir sobre estes ”tempos” e o seu preenchimento, promovendo, por exemplo, um aumento significativo actividades ao ar livre que, obviamente, têm múltiplos benefícios.
Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade para os mais novos, quer familiar, quer institucional insisto, é uma delas.
No entanto e mais uma vez, a educação pré-escolar é bastante mais que a “preparação” para a escola e não deve ser entendida como uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que assume no seu trajecto escolar. E ainda menos deve ser experienciada em situações de risco como alerta Pedro Caldeira da Silva.
Na verdade, as crianças estão a preparar-se para entrar na vida, para crescer, para ser. A educação pré-escolar num tempo em que as crianças estão menos tempo com as famílias tem um papel fundamental no seu desenvolvimento global, em todas as áreas do seu funcionamento e na aquisição de competências e promoção de capacidades que têm um valor por si só e não entendidos como uma etapa preparatória para uma parte da vida futura dos miúdos, a vida escola.
Este período, a educação pré-escolar, educação de infância numa formulação mais alargada, cumprido com qualidade e acessível a todas as crianças, será, de facto, um excelente começo da formação institucional das pessoas, dos cidadãos. Esta formação é global e essencial para tudo o que virão a ser, a saber e a fazer no resto da sua vida.

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