O JN apresenta uma peça que merece atenção. Há dez anos que existe na lei a figura do apadrinhamento civil
com o objectivo de proporcionar uma ambiente familiar a crianças
institucionalizadas e que não têm projectos de adopção.
Temos ainda mais de 7 000 menores
institucionalizados e ao longo destes dez anos o número de apadrinhamentos tem
sido baixíssimo. Em 2019 as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens
propuseram seis crianças para apadrinhamento estando quatro casos já homologados
em tribunal. Este número é o mais baixo dos últimos três anos.
O mentor da lei, Guilherme de
Oliveira afirma "Há dez anos, não havia quem tivesse dúvidas sobre a
pertinência do apadrinhamento civil" no entanto a situação é bem diferente
da esperada.
A situação não surpreende e
alguns especialistas explicam a pouca adesão a este modelo pela falta de
informação sobre o mesmo, incluindo profissionais que desempenham funções nesta
área. Existem várias dezenas de crianças que estão institucionalizadas e que
reúnem condições para o apadrinhamento civil.
Por outro lado importa considerar
também como obstáculo a inexistência de incentivos às famílias que
apadrinhassem crianças.
De facto, desde o início se
levantou a dúvida de que o facto da lei não prever incentivos às famílias que
apadrinhassem crianças institucionalizadas poderia suscitar fraca adesão.
Prevaleceu o entendimento de que não seria desejável "pagar" algo
que, entende-se, será da natureza dos afectos e dos valores.
Na verdade a questão é complexa.
É certo que já existem famílias de acolhimento que recebem temporariamente
crianças durante processos de "reabilitação" das famílias biológicas,
verificando-se situações em que o acolhimento dura até ao limite legal, 21
anos. Estas famílias recebem um montante pecuniário pelo "serviço"
prestado às crianças.
Embora entenda as posições que
recusam incentivos pecuniários às famílias, penso que seria de considerar a sua
existência sendo que os "padrinhos" poderiam prescindir desses
incentivos. Também é de considerar que o peso das instituições é significativo
e tal como noutras áreas apoia-se menos individualmente cidadãos e famílias e
canalizam-se recursos paras as instituições, por vezes, muitas vezes com
aumento de custos.
A questão é que temos de insistir
na desinstitucionalização das crianças por múltiplas e bem diversificadas
razões. Como exemplo, um estudo realizado pela Universidade do Minho sugere que
as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em
estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições.
Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no
seu comportamento.
A conclusão não questiona,
evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as
próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou
outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os
importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos.
Apesar de alguma evolução, ainda
temos um elevado número de crianças institucionalizadas, muitas das quais sem
projectos de vida viáveis pese o empenho dos técnicos. Neste universo, acresce
a dificuldade enorme de algumas crianças em ser adoptadas devido a situações
como doença, deficiência, existência de irmãos ou uma idade já elevada. Assim,
muitas crianças estarão mesmo condenadas a não ter uma família.
Neste cenário, são altamente
desejáveis diferentes modalidades que permitam que crianças, sem possibilidade
de vivência nas suas famílias biológicas e sem condições de adopção, cresçam em
contextos de natureza familiar mesmo que para tal se fosse necessário
considerar a existência de incentivos de natureza económica pois, como há algum
tempo referia uma técnica do Centro de Direito da Família e do Observatório
Permanente da Adopção, "Se uma
criança for desinstitucionalizada à custa do apadrinhamento civil já terá
valido a pena".
Como ouvi a Laborinho Lúcio
"só as crianças adoptadas são
felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”.
Na verdade, muitas crianças não chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem
sós e abandonadas e outras nem oportunidade têm de ser adoptadas e terem pais, ou padrinhos, à
sua beira.
Por outro lado, em muitas
circunstâncias, citando Betelheim, "L'amour ne suffit pas".
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