sexta-feira, 28 de agosto de 2020

O CARTEIRO

 

Li na Visão que a Autoridade Nacional de Comunicações decidiu impor aos CTT a redução do preço no serviço postal universal por falhas nos indicadores de qualidade nos serviços.

Também sou dos que sinto que demasiado frequentemente existem atrasos e menor eficiência nos serviços, noto, por exemplo na recepção de assinaturas, sim, ainda tenho assinaturas em papel. A leitura de alguma imprensa em papel é rotina de que não me separo.

É lamentável a perda de qualidade dos serviços a que talvez não seja estranha a nacionalização dos CTT.

Em sucessivos inquéritos realizados em Portugal sobre os níveis de confiança dos portugueses em diferentes classes profissionais mostrava os carteiros eram um dos grupos em quem mais os portugueses confiavam.

É provável que cartas e postais de natureza pessoal estejam, lamentavelmente, em vias de extinção. Parecem-me mais inteligentes e bonitas que os e-mails, não estão tão sujeitas  a infecções virais, a "forwards" tontos e impessoais e à complementar praga de "junke" e-mail. São os carteiros que as trazem e que, em muitos locais, mais do que imaginamos quando vivemos em zonas urbanas, conhecem os destinatários e prestam um serviço que é bem mais do que a entrega de correspondência.

Quando penso nos carteiros sempre recordo com alguma saudade o Sr. Gonçalves, o carteiro da minha zona quando eu era adolescente. O Sr. Gonçalves que já partiu há alguns anos, era um homem de grandes bigodes, forte, tinha que o ser para transportar aquele enorme saco de cabedal castanho, e amigo da gente nova. Era uma figura. Vou partilhar um segredo e peço que mantenham a devida reserva. Durante algum tempo, o Sr. Gonçalves e eu tivemos um acordo. Ele mostrava-me os postais que vinham do liceu dirigidos ao meu pai com as notas e as faltas e eu, quando o encontrava à tarde e de vez em quando, pagava-lhe uma cerveja na tasca do meu tio. Já vos tenho dito que não fui um aluno brilhante, longe disso, e no que respeita ao comportamento, é melhor nem falar. A cumplicidade com o Sr. Gonçalves no sentido de, por amor filial que compreenderão, proteger o meu pai de notícias menos agradáveis, era conseguida, eu acho, porque ele, no fundo, acreditaria que talvez eu não fosse um caso perdido. E não era, ele entendia de miúdos.

E eu gostava do carteiro, do Sr. Gonçalves.

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