Finalmente. Entrou em discussão
pública o projecto de decreto-lei que reconfigura a política de apoio às famílias de acolhimento.
De acordo com a proposta as
famílias nesta situação terão acesso a direitos sociais, como faltas ou baixas
médicas, em caso de doença, e acesso a todas prestações a que uma criança tem
direito, como o abono de família.
Prevê-se ainda que estas famílias
terão direito aos benefícios fiscais previstos no Código do Imposto sobre os
Rendimentos das Pessoas Singulares e no Estatuto dos Benefícios Fiscais e o
Estado atribuirá um apoio pecuniário por criança ou jovem acolhido
correspondente a 1,2 vezes o valor indexante dos apoios sociais.
Era tempo de corrigir uma
situação inaceitável e que se constituía como um sério obstáculo, não será o
único, à promoção desta resposta que minimize o número excessivo de crianças e jovens
institucionalizadas.
O objectivo é conseguir que tornar-se
uma família de acolhimento seja mais atractivo tornando-se, de facto, uma alternativa ao acolhimento
residencial, assumindo-se como resposta prioritária e preferencial para
crianças até aos 6 anos.
Segundo dados do último Relatório
CASA, divulgado em Novembro passado e relativo a 2017, apenas 3% (246) das 7553
das crianças sob tutela do estado vivem em famílias de acolhimento enquanto 87%
estão em residências. A disparidade face à situação noutros países da Europa é
significativa, em Espanha e Itália são mais de metade e Irlanda e Noruega têm
90% das crianças em famílias de acolhimento.
Ainda segundo o Relatório CASA
existiam 652 crianças até aos cinco anos em instituições generalistas e apenas
18 a viver em famílias.
Importa salientar que foi em 2015
que foi publicada legislação que estabelece o quadro das famílias de
acolhimento para crianças em risco mas, três anos depois a lei continuava por
cumprir.
A lei pretendia contrariar que a
institucionalização seja a resposta mais frequente, sobretudo no caso das
crianças mais novas, até aos seis anos pelo que os números são elucidativos.
Aliás, o número de crianças nesta situação em famílias de acolhimento tem vindo
a decrescer, em 2008 viviam com famílias 918 face às 246 em 2017.
Esta situação inibe o
desenvolvimento de projectos que colocar em contextos familiares crianças que
por situações de risco foram retiradas às famílias biológicas e ainda não estão
em processo de adopção e vivem em instituições.
Parece assim importante que sejam
criadas melhores condições que favoreçam a criação da pretendida bolsa de
famílias de acolhimento e que estas tenham um conjunto de apoios adequados e
justos. É óbvio que importa também definir dispositivos de regulação que
assegurem a qualidade educativa e cuidadora destes contextos.
Em nome do bem-estar das crianças
e jovens seria desejável que se conseguisse até ao limite promover a
desinstitucionalização das crianças por múltiplas e bem diversificadas razões.
Uma entrevista de Robbie Gilligan, Professor de Serviço Social e Política
Social no Trinity College, em Dublin, no Público quando há uns meses esteve em
Portugal merece reflexão.
Um estudo de Paulo Delgado da
ESSE do Porto, creio que divulgado 2018, refere que as crianças evidenciam uma
percepção de bem-estar significativamente diferente consoante estejam em
família tradicional, 9.05 numa escala de 0 a 10, em famílias de acolhimento,
8.69 e em instituições, 7.61.
Recordo um estudo de há alguns
anos da Universidade do Minho mostrando que as crianças institucionalizadas
revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos
com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns
riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.
A conclusão não questiona,
evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as
próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou
outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os
importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos. Também deve
acentuar-se o trabalho de grande qualidade que muitas instituições procuram
desenvolver. Além disso, sabemos todos, que existem contextos familiares que
por razões de ordem variada não devem ter crianças no seu seio, fazem-lhes mal,
pelo que a retirada pode ser uma necessidade justificada pelo superior interesse
da criança, um princípio estruturante das decisões neste universo.
Uma família é, de facto, um bem
de primeira necessidade.
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