domingo, 28 de abril de 2019

FAMÍLIA, PRECISA-SE. É URGENTE


Finalmente. Entrou em discussão pública o projecto de decreto-lei que reconfigura a política de apoio às famílias de acolhimento.
De acordo com a proposta as famílias nesta situação terão acesso a direitos sociais, como faltas ou baixas médicas, em caso de doença, e acesso a todas prestações a que uma criança tem direito, como o abono de família.
Prevê-se ainda que estas famílias terão direito aos benefícios fiscais previstos no Código do Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares e no Estatuto dos Benefícios Fiscais e o Estado atribuirá um apoio pecuniário por criança ou jovem acolhido correspondente a 1,2 vezes o valor indexante dos apoios sociais.
Era tempo de corrigir uma situação inaceitável e que se constituía como um sério obstáculo, não será o único, à promoção desta resposta que minimize o número excessivo de crianças e jovens institucionalizadas.
O objectivo é conseguir que tornar-se uma família de acolhimento seja mais atractivo tornando-se, de facto, uma alternativa ao acolhimento residencial, assumindo-se como resposta prioritária e preferencial para crianças até aos 6 anos.
Segundo dados do último Relatório CASA, divulgado em Novembro passado e relativo a 2017, apenas 3% (246) das 7553 das crianças sob tutela do estado vivem em famílias de acolhimento enquanto 87% estão em residências. A disparidade face à situação noutros países da Europa é significativa, em Espanha e Itália são mais de metade e Irlanda e Noruega têm 90% das crianças em famílias de acolhimento.
Ainda segundo o Relatório CASA existiam 652 crianças até aos cinco anos em instituições generalistas e apenas 18 a viver em famílias.
Importa salientar que foi em 2015 que foi publicada legislação que estabelece o quadro das famílias de acolhimento para crianças em risco mas, três anos depois a lei continuava por cumprir.
A lei pretendia contrariar que a institucionalização seja a resposta mais frequente, sobretudo no caso das crianças mais novas, até aos seis anos pelo que os números são elucidativos. Aliás, o número de crianças nesta situação em famílias de acolhimento tem vindo a decrescer, em 2008 viviam com famílias 918 face às 246 em 2017.
Esta situação inibe o desenvolvimento de projectos que colocar em contextos familiares crianças que por situações de risco foram retiradas às famílias biológicas e ainda não estão em processo de adopção e vivem em instituições.
Parece assim importante que sejam criadas melhores condições que favoreçam a criação da pretendida bolsa de famílias de acolhimento e que estas tenham um conjunto de apoios adequados e justos. É óbvio que importa também definir dispositivos de regulação que assegurem a qualidade educativa e cuidadora destes contextos.
Em nome do bem-estar das crianças e jovens seria desejável que se conseguisse até ao limite promover a desinstitucionalização das crianças por múltiplas e bem diversificadas razões. Uma entrevista de Robbie Gilligan, Professor de Serviço Social e Política Social no Trinity College, em Dublin, no Público quando há uns meses esteve em Portugal merece reflexão.
Um estudo de Paulo Delgado da ESSE do Porto, creio que divulgado 2018,  refere que as crianças evidenciam uma percepção de bem-estar significativamente diferente consoante estejam em família tradicional, 9.05 numa escala de 0 a 10, em famílias de acolhimento, 8.69 e em instituições, 7.61.
Recordo um estudo de há alguns anos da Universidade do Minho mostrando que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.
A conclusão não questiona, evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos. Também deve acentuar-se o trabalho de grande qualidade que muitas instituições procuram desenvolver. Além disso, sabemos todos, que existem contextos familiares que por razões de ordem variada não devem ter crianças no seu seio, fazem-lhes mal, pelo que a retirada pode ser uma necessidade justificada pelo superior interesse da criança, um princípio estruturante das decisões neste universo.
Uma família é, de facto, um bem de primeira necessidade.

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