Não pode deixar de ser, é dia 25
de Abril.
Quase sem nos darmos conta os
anos passam, já lá vão 45 anos. Actualmente, boa parte da população portuguesas
não viveu o 25 de Abril de 1974, nem o 24 de Abril com tudo o que continha. Talvez por isso, o muito tempo que já passou, nestes
dias surgem na imprensa peças sobre o que foi o 25 de Abril de
1974” nas quais se revela o desconhecimento de muita gente inquirida, não só sobre a data mas, sobretudo, o que era o 24 de Abril.
Estamos num tempo em que à
história se dá pouca atenção e o futuro é percebido como muito longe, vive-se
a urgência do hoje.
No entanto, perceber e conhecer o
que foi a estrada que percorremos é fundamental para viver e conhecer o
presente e querer construir um futuro com uma visão escolhida por nós.
É verdade que temos vivido tempos
difíceis mas também é verdade que não é sequer possível comparar o país de hoje
com o país de 1973. Já passaram 45 anos, para refrescar algumas memórias ou
contar alguma história aos mais novos, deixem que vos fale um pouco da escola
do meu tempo, o tempo dos anos cinquenta e sessenta. Escolho falar da escola
porque é um universo que conheço um pouco melhor, mas poderia fazer o mesmo
exercício em muitas outras áreas de funcionamento da nossa sociedade. Não me
esqueço, antes pelo contrário, que a nossa educação, a escola, como tudo o
resto, também tem atravessado, atravessa e provavelmente sempre viverá
dificuldades e problemas sérios mas só a falta de memória, uma qualquer agenda
ou o desconhecimento sustentam o “antigamente era melhor” e inquietam-me
discursos que emergem defendendo “aquela” escola, “aquela” educação, a de “antigamente”.
Vejamos, pois, um pouco da escola do meu tempo, conversa de velho, já se vê.
A escola que havia lá para trás
no tempo não era grande, nem pequena, era triste. A maioria das pessoas que por
lá andavam era, naturalmente, triste. É claro que nós miúdos também nos
divertíamos e ríamos, os miúdos são resilientes.
As pessoas que mandavam na escola
estabeleciam o que toda a gente tinha de aprender, fazer, dizer e pensar. Quem
pensasse, dissesse ou fizesse diferente podia até sofrer algum castigo, mesmo
os professores, não eram só os alunos. Não se podia inventar histórias, as
pessoas contavam só histórias já inventadas. Às vezes, os miúdos e os
professores, às escondidas, inventavam histórias novas.
Eu andei nesta escola lá para
trás no tempo.
E na escola do meu tempo nem
todos lá entravam e muitos dos que o conseguiam saíam ao fim de pouco tempo,
ficando com a segunda ou terceira classe, como então se chamava. Chegava.
Alguns outros, nem se entendia
que deveriam estar na escola, eram pessoas com deficiência, ainda não sabíamos falar de necessidades educativas especiais nem de inclusão, que iriam fazer para
a escola.
E na escola do meu tempo os rapazes
estavam separados das raparigas.
E na escola do meu tempo havia um
só livro e toda a gente aprendia apenas o que aquele livro trazia.
E na escola do meu tempo
levavam-se muitas reguadas, basicamente por dois motivos, por tudo e por nada.
E na escola do meu tempo
ensinavam-nos a ser pequeninos, acríticos e a não discutir, o que quer que
fosse.
E na escola do meu tempo eu era
“obrigado” a ter catequese, religiosa e política.
E na escola do meu tempo
aprendia-se que os homens trabalham fora de casa e as mulheres cuidam do lar e
dos filhos.
E na escola do meu tempo não
aprender não era um problema, quem não “tinha jeito para a escola, ia para o
campo”. Quanto menos estudassem, menos perguntas e dúvidas teriam.
E na escola do meu tempo não se
falava do lado de fora de Portugal. Do lado de dentro só se falava do Portugal
cinzento e pequenino.
Na escola do meu tempo eu era
avisado em casa para não falar de certas coisas na escola, era perigoso.
Quem mandava no país achava que
muita escola não fazia bem às pessoas, só a algumas. Ao meu pai perguntaram
porque me tinha posto a estudar depois da quarta classe, não era frequente
naquele meio, para ser serralheiro como ele não precisava de estudar mais.
Sim, eu sei, não precisam de me
dizer que a escola deste tempo tem muitas coisas, embora com outras vestes e
discursos, que nos recordam a escola do meu tempo. Mas o caminho é melhorar a
escola deste tempo não é, não pode ser, querer a escola do meu tempo.
Eu andei naquela escola lá para
trás no tempo.
Por isso, quando falam da escola
hoje, penso, nunca mais voltarei a andar naquela escola. E não quero que os meus
netos e os outros miúdos andem numa escola como aquela, a minha escola, lá para
trás no tempo.
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